sábado, 18 de abril de 2009

Chega de brincar na rua, menino!

Um dos meus sonhos de consumo na infância era ter água quente na pia do banheiro. Especialmente nos dias mais frios, sempre foi penoso lavar a cara com água de Iceberg. Quer dizer, no início é ruim, mas depois vc fica logo ligadão.

Pois bem, nesta casa onde moro desde o final dezembro de 2008 tem o tal do aquecedor central e água quente até no lavador de bunda da privada. E ainda que este sábado tenha amanhecido um pouco mais frio, indicando a presença inegável do outono, lavei a cara com água gelada. Esqueci da quente. E desconfio que terei que me esforçar pra lembrar que não tô mais na Rua Itanhangá, dividindo o quarto com meus três irmãos, sustentado pelo turno dobrado do meu pai no táxi e na Polícia Militar, vivendo, dormindo e comendo sob o teto cuidadosamente "econômico" da minha mãe, onde nada faltava, mas não havia grandes luxos e nem sobra. E como eu sinto saudades daquele tempo!

Costumo ter sonhos noturnos na casa que já foi nº 6, depois 430 e agora eu nem sei mais que número é, mas com a configuração antiga que nem existe mais. A escada de madeira, a porta de ferro pesadisima, o banheiro único, a sala incorporada á copa. Lá mora um de meus irmãos que mal vejo. Ele ta lá desde 94, quando eu saí brigado pra me casar pela primeira vez. E na Justiça corre um processo para obrigá-lo a sair, uma vez que ele não aceita pagar aluguel, enfim, um "imbroglio" de família que nem quero pensar agora. Lembro perfeitamente daquela rua com um asfaltamento de pedra e piche, que ia soltando e deixava buracos por onde saia terra vermelha.

Uma vez cai de cara ali e rasguei a palma da mão. Eram uns 20 sobrados enfileirados, todos iguais, exceto os das pontas, como o nosso, com um espaço lateral eventual para garagem. Na frente era mato puro. No terreno baldio ao lado da minha casa havia esgoto a céu aberto e uma carcaça de carro antigo onde eu brincava. Ali eu plantei uma ameixeira que vi crescer enquanto morei lá. Ali minha mãe cultivava ervas como capim santo, pariparoba, erva cidreira. Tinha umas seringueiras tb. Este mesmo terreno hoje está incorporado á minha ex-casa, transformado em área de lazer com piscina e etc e tal pelo meu irmão. Um pouco pra baixo da frente da minha casa havia um campo de futebol onde levei frangos homéricos e provavelmente envergonhei muitas vezes este mesmo irmão com minha incompetencia futebolística. Eu joguei bola neste campo, mas meus irmãos jogaram em outros, mais adiante, onde na minha infância já havia casas bem mais chiques que a minha.

Os campinhos de futebol foram recuando e este em que brinquei tanto foi o último. Hoje tudo isso é casa chique. As casas como a nossa, minha, sei lá, "estas" são o patinho feio da rua diante das belas construções atuais, mais modernas, mais bonitas. Meu padrinho japonês, que morava duas casas abaixo da minha e tinha um Dodge novinho na época em cuja capota os seus filhos e meus amigos bricavam de escorregador, morreu. Minha madrinha tb. Até mesmo a Emy, meu primeiro par num bailinho de garagem, já se foi. O pai do Jum, na casa seguinte, morreu faz muito mais tempo. Seu Angelim, solteirão dono de táxi que jogava balas pra gente da janela tb não existe mais. A casa que foi da família do Marcelo que tinha moto e morreu num acidente eu nem sei mais quem mora. A casa do Cláudio e do Mauro, meus amigos tb japoneses de infância já nem se parece com aquela em que eu costumava brincar. Outro de meus amigos esteve preso, outro virou traficante e tem tb um que faz bicos carregando compras de feira pra sobreviver. Não há mais os grandes eucaliptos, mas ainda tem uma molecada jogando bola na rua.

A rua onde eu nasci e cresci só dá mão na minha memória cheia de nostalgia. E lá, neste endereço que une meu cérebro e meu coração, meu pai e minha mãe ainda estão na porta, me chamando pra jantar. Chega de brincar na rua, menino!

Meu sábado começou assim, cheio de lembranças, ainda meio enjoado, mas orgulhoso dos mil sabores de cerveja saboreados na noite de sexta. A rigor não fiz nada além de ler no trono, tomar banho e me preparar pra sair pra comer algo com a Dex. Antes disso meu cunhado Rodragg chegou com o Bafo. Eles vão descer a serra pra casa de praia da família em Peruíbe. Ficamos cuidando do bebê enquanto ele dava uma geral no meu computador que há meses insiste na frase: "seu computador pode estar em risco".

Ok, tudo arrumado, Rodragg partiu com Bafo e eu e Dex fomos comer. Paramos numa rotisserie pouco acima do restaurante japonês da sexta retrasada. Comida boa, atendimento lamentável. Não por falta de educação, mas por falta de traquejo. Manja traquejo? Habilidade? Competência? A mocinha que nos atendeu sequer sabia o que era uma carne ao ponto. Por isso aquela alcatra na manteiga veio tão mal passada. E, ainda assim, tão deliciosa. Como a peça veio inteira criptando numa chapa de metal, foi só fatia-la e deixar que as postas ganhassem cor. Beleza. Bem comido, liguei pro Simon e combinamos de ir assistir "Fiel" juntos. Dex queria ir ao shopping trocar "sei lá eu quê porra" e me deixou no Simon. Desbravando sobre quatro rodas o monstro de concreto e sonhos naquele início de tarde de sábado, íamos eu, Simon e a filhota dele Fefê pro Shopping Gay Caneca, com a sessão marcada pras quatro da tarde. Vc sabem ou imaginam por que é Gay Caneca, né? Olha o que a Internet diz do Frei Caneca:

"Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo Caneca, mais conhecido como Frei Caneca, foi um dos mentores da Revolução Pernambucana. Preso em 1817, Frei Caneca foi levado para Salvador, onde cumpriu pena até 1821, condenado a morte por enforcamento em 13 de janeiro de 1825. Como ninguém se dispusesse a levar a cabo a sentença, acabou sendo fuzilado."

Este religioso revolucionário de feitos tão prodigiosos em prol da liberdade deste país dá nome á esta rua e a este shopping que notabilizaram-se no dias de hoje pela alta freqüência de rapazes que se querem. Tem mocinhas com mocinhas tb, mas a assiduidade dos viadinhos é maior. Já houve (e certamente continuará havendo) propostas de transformar esta na rua gay de Sampa. Sinceramente, acho que o frei não se importaria. Eu não me importo, mas os moradores e comerciantes da rua não parecem apoiar a moção. E como isso não é absolutamente da minha conta, foda-se!

Vamos ao filme. Simon e Fefê são conrinthianos roxos como eu. Simon me conta que viu no Youtube que as sessões deste documentário têm transformado cinemas em arquibancadas pelo Brasil inteiro. A galera vai uniformizada, levando bandeiras e entoando hinos pro alvi-negro mais querido do universo. E, não raro, durante a sessão rolam gritos de incentivo, comemorações de gol e xingamentos para juizes. A fiel é de foder!

A sala não tava mesmo muito cheia, mas os gritos de "Vai curintia" já ecoavam antes da luz apagar. Amanhã temos um jogo dificílimo contra o São Paulo no Morumbi e, como num estádio, alguns gritavam: "pra cima delas, Timão. Quem ? da bicharada!". Eu amo meu time e o humor desta torcida. E não adianta reclamar: "EU SOU CORINTHIANS".

O filme é muito bem montado, dirigido e roteirizado. Começa lembrando, através de depoimentos e imagens da torcida, o quanto existe de amor entre os seguidores e o time. Depois começa a desgraça da queda pra segundona. E no fim, num delicioso happy end, vem a volta triunfal. Tudo muito bem amarrado. E eu chorando durante os cerca de 93 minutos de exibição. E não fui só eu. Claro que só tinha corinthiano ali. Então, tava todo mundo á vontade. Inclusive eu, ao relembrar que o gol que decretou nossa queda no dramático 2 de dezembro de 2007 foi um penalty cobrado três vezes pelo Goiás contra o Internacional em Goiânia. O penalty foi cobrado uma vez e o goleiro pegou. O juiz mandou voltar e em nova cobrança...o goleiro pegou de novo! E o "filho de uma que ronca e fuça" do juiz mandou voltar de novo para, numa terceira cobrança consecutiva, o gol ser marcado e a gente chorar a queda decretada.

Aquela imagem estava meio apagada na minha memória. Naquele dia, eu tava em Coronel Fabriciano, MG, num hotelzinho mequetrefe esperando um show das Velhas. Vi pela TV, naquele quarto amplo e decadente, meu time cair e chorei feito criança. Nem lembrava destas imagens do jogo de Goiás que, numa convergência de resultados, acabou derrubando meu time. Em plena sala de exibição, um ano e meio depois, soltei um "filho da puta" pro juiz, seguido de risadas gerais. Mas, como bem declara Mano Menezes no filme, um time não cai num jogo só. São muitos jogos e até temporadas de desacertos. E eu não desejo esta sensação pra ninguém.

Simon e Fefê saíram correndo da sala, pois a pequena queria mijar. Fiquei ali, na frente das bilheterias, esperando a volta dos dois e contabilizando os casais homo e os solitários dengosos, com seus passos gingados, olhares perdidos no horizonte e modos teatrais. Este é o shopping mais gay deste hemisfério, creiam.

Ao lado do cinema há alguns bares e entre eles uma chopperia, San Vito, com um super telão que anunciava o inicio da semifinal zoológica paulistana entre porcos e peixes. Sentamos e mandamos chopps Stela Artois pra dentro. Fefê tomava um sorvete e ao nosso lado, um senhor me perguntou se iríamos ganhar hoje.

- Eu vou ganhar amanhã – respondi – Eu sou Corinthians!

O senhor bonachão e gentil, claramente com ascendência italiana, disse que achava que ganharíamos da bambizada mesmo.

- Não sem muito sofrimento – retruquei – acabamos de ver o documentário da queda e da volta da segundona e sabemos que sofrimento é nossa sina.

Ficamos ali, trocando gentilezas com o senhor. Viu só como tem gente boa em toda parte? E posso dizer que a brodagem do velho foi tanta que decidi torcer, silenciosamente, pela porcada, que ninguém nos ouça.

Hum, este Madson ta endemoniado. Uma a zero, peixe! Desce mais um chopp Black da Brahma. Este é meio doce e, segundo me disseram, foi desenvolvido pra agradar paladares femininos. Não gostei. Pedi um copp Brahma normal. HUM? Voltemos pro Stella Artois. E acabou o primeiro tempo. O peixe comeu o porco com farinha e facilidade. Se continuar jogando assim, a porcada não segue pra final. Despedi-me do palmeirense supreendentemente bem humorado.

- Boa sorte, gente!

- É, tá difícil! – disse o alvi-verde

- Vai ser dois a um. Vcs vão virar!

Dex estava na casa da avó e clamava pela minha presença antes mesmo do início do jogo. Mas consegui um surcis de 45 minutos e agora Simon ia me deixar lá. No trajeto pra Santana Fefê desesperou-se novamente precisando mijar. Mas deu pra esperar. Acho. Meu batera me largou na esquina e seguiu pro banheiro mais próximo e não tenho notícia de como acabou tudo: se em mijo no estofado do carro ou na privada. Dex saiu, beijamos dona Zenaide e rumamos pra casa.

Eu tinha esperança que Dex me convidasse pra entrar para poder ver o fim do segundo tempo em paz. Não rolou. Dex ainda teve que parar no posto perto de casa pra comprar cigarro e eu na fissura de ver o fim do jogo. Dex não tinha trocado nada no Shopping. Me contou que havia recebido um telefonema nervoso da Bio e o bicho tava pegando entre ela e o Rodragg. Ela teve que correr lá pra apagar incêndios. Isso tem acontecido muito ultimamente, pra nossa tristeza. Claro que eles não foram pra praia.

Já em casa, pouco mais de quarenta minutos do segundo tempo e olha o 2 a 1 no placar. Mas pra peixada. Diego Souza deu um pau no Domingos, beque do Santos. Adorei. Esse Domingos deveria jogar de arreio. E Diego, não contente com a cena de cinema feita por este animal que veste a gloriosa camisa do Santos, voltou e deu-lhe uma rasteira. Boa! Mas o porquito rodou e mesmo com a melhor campanha da primeira fase não chegará á final. E o peru que o Fabio Costa tomou... UHU! Que é que é aquilo? É bom ver jogo decisivo sem se importar com nenhum dos times.

Bem, jogo terminado, Dex cochilando ao meu lado no sofá e eu rodando os canais. Ela acordou com fome e fui fazer uma gororoba pra nós: "Miojo Restô Dontê", ou seja, com tudo que tinha sobrando na geladeira. Além do próprio Miojo, carne seca que sobrou de um arroz carreteiro produzido pelo Rodragg há três semanas, manteiga, requeijão, tomate, uns nacos da torta de frango, uma raspa de tempero Sazon, mais o tempero que vem no Miojo, sal, azeite, alho. E não é que ficou bom? Comemos em frente da Tv vendo Tropa de Elite no canal Pipoca do Telecine. Eu já vi umas seis vezes, mas Dex não. Ela se assusta com algumas cenas de violência e eu vibro com a coisa meio de cowboy do Capitão Nascimento. Meu pai era militar, lembram? Um belo roteiro e um final onde bandido se fode. Perdoem-me os politicamente pacientes, os lutadores pela justiça social, os defensores dos direitos humanos: bandido tem mais é que morrer, mesmo! Foda-se!

Após a tensão da Tropa de Elite, convenci Dex a lutar contra o sono e encarar no TCM o primeiro filme da série que fez sucesso na década de 70: "Aeroporto". Outro belo roteiro e destaque pra velhinha que vive viajando sem pagar, burlando a segurança aeroportuária. Helen Hayes ganhou Oscar de coadjuvante por este papel. Cool.

E fomos dormir!