quinta-feira, 28 de maio de 2009

Non cambia niente: tutti morto.

Cama. Nove da manhã. Fone. É a Bio. Vovó faleceu. Ela pede preu dar um jeito de avisar Dex. Levanto da cama meio desnorteado. Encontro D. Rosa que veio fazer a faxina, finalmente. Ela tb trabalha na casa dos tios da Dex. Me diz que ajudou a carregar a vovó pra ambulância na terça. Se entristece com a morte dela. Tento ligar pro hotel da Dex no Egito. Ela me deu duas opções de ligação e ambas, diz a gravação, são de números que não existem. Dex era muito ligada na vóvis. Ela e o pai. Curioso ambos estarem longe. Curioso ou a mão do homem lá de cima? Hum.

Mando a notícia via e-mail. O velório será num cemitério próximo, onde está enterrado o marido da Dona Zenaide. A partir de uma da tarde. Enterro ás cinco. Portanto, Dex, não há mais pressa pra nada. Tadinha. Que ela esteja bem, viu Jesus.

Já vi a morte na face dos meus pais. E não é bonito. Nem feio. É nada. É silencio. É estátua. É frio. É fim. Ou quem sabe, começo. Pra quem olha daqui é fim. E eu to aqui. Mas creio em algo mais. Tenho que crer. Se imaginar que acabamos num paletó de madeira, solitários e com frio. Aí é de foder. Aí me candidato a Deus, pois tenho algumas idéias. Mas não precisa. Deus ta lá, sacando muito mais que nós. Vamos dar um voto de confiança prele.

Vou pro banheiro com o fone sem fio. Rodragg me liga. Dex me liga. Ela já leu o e-mail. Ela volta antes, sábado de manhã. Eu a amo. Ela pede que eu me despeça da vovó por ela. E não há muito mais o que fazer.

Antes de ir pro velório, preciso passar numa produtora de vídeo em Santana. Sabe aqueles caras que gravaram nossa participação na Virada Cultural? Então. A idéia deles é fazer um reality com nossas peripécias e para isso vão precisar de nossos depoimentos. É isso que eu vou gravar. Número 80 da Rua Conselheiro Saraiva, conjunto 1. Paro no estacionamento da rua de trás. Me apresso, pois estou atrasado pra variar. Toco. A porta se abre e a bagaça é no sub-solo. Escada abaixo e lá estão eles instalados. Escritório, edição e um espaço com um sofá vermelho que será o nosso set de confissões.

Thiago é o diretor. O outro cara que faz câmera e cuida do áudio eu esqueci o nome. Batemos um bom papo antes, sobre tv e tal. Ele me pergunta por que, sendo roteirista, não faço algo pras Velhas.

- Esta história de concepção visual de clipes é com o Cavalo – Respondo.

Papo vem, papo vai, ele me conta que trabalhou em tv, mas se encheu e saiu. Papo vai, papo vem, ele me explica que vai fazer perguntas sobre o show da virada e outras mais gerais sobre a banda. Papo vai, papo vem, a gravação começa. Papo vai, papo vem, a gravação termina. Pra mim passpu rapidinho. Olho no relógio e já são quase duas da tarde. Parece que eles ficaram satisfeitos. Tb, com um falador como eu, não vai ser por falta de palavras que a coisa deixa de sair. Brigado, galera. Tamo torcendo. Lembrei que o Ângelo Ravazzi, que dirigiu um documentário sobre nós, me mandou um e-mail dando conta que a produção foi selecionada prum festival que vai rolar em sampa e no Rio agora em junho. Cool.

Dou a volta na rua e o cara do estacionamento tem a impressão que vou sair e praticamente me dá a chave do carro. Explico que vou comer algo na esquina. Sei como funciona esta onda de velório: todo mundo triste, todo mundo chorando e barriga vazia não combina com isso. Faço um pedido clássico: coca zero e churrasco com queijo e tomate no pão. Pra abrir o apetite, uma coxinha. Ah, sou coxinhólatra tb.

Tudo pra dentro. Volto ao estacionamento, pago e sigo pro velório. Inicialmente achei que seria no mesmo cemitério onde estão meus pais, mas não. São dois cemitérios bem próximos, mas este fica na Maria Amália mesmo e acho que é conhecido como Cemitério do Tremembé. O dos meus pais é o do Horto. Non cambia niente: tutti morto.

Se não me engano o velório é na rua lateral. Estive aqui velando meu padrinho e minha madrinha tb. Ao descer do carro sou saudado com uma pancada repentina e intensa de chuva. O cara que toma conta dos carros quer saber se pode olhar o meu. Como eu odeio estes guardadores de carro! Aproveito a correria da chuva e passo sem falar nada.

Ok. São quatro espaços reservados a velório. Vovó Zenaide está no quarto, sala D. No passado eu tinha receio de ver gente morta. Eu não gostava de ver dead people. Mas depois da morte dos meus pais, Dona Nita em 87 e Seu Benjamin em 89, não tem mais problema. Se pude ver as pessoas que mais amava sem vida, posso ver qualquer coisa.

Vou cumprimentando as pessoas, tias, tios, amigos, gente que Dex conhece melhor que eu. Um abraço mais forte em Rodragg, meu cunhado, na prima Carlota e nos seus pais, Tia Sandra e Tio Wilson. Um abraço no marido da Carla, meu melhor inimigo Marcelo Alvarez e em seu pai. Vovó ta ali, Paralisada. Com uma blusinha de lã verde, um machucado no rosto maquiado. As mãos roxas. Ta ali. Como um morto fica. Imóvel. Sempre dando a impressão que a qualquer momento pode abrir os olhos e falar com a gente. Coroas de flores ao lado do caixão, pessoas chorando, pessoas falando. Velório: vc já esteve num destes.

A chuva vai e volta. Enterro com chuva na cabeça não é mole. Tenho um grande guarda-chuva no carro. Creio que será útil. Este é um cemitério antigo e, sendo assim, guarda aquele aspecto tétrico, com túmulos que se parecem com casas, cheios de imagens por cima, uma coisa sombria mesmo. A chuva dá um tempo e resolvo caminhar pela parte mais nova, á procura do túmulo do meu padrinho. Queria rezar por ele. Rodo, rodo, mas não acho. Rezo alguns pai nossos gerais pra galera que ta enterrada. Prece não faz mal a ninguém. Ta chegando a hora dura, a hora dramática, que é quando o caixão é fechado. Vovó Zenaide adorava ir á missa e o seu padre favorito acaba de chegar. Eles faz os ofícios fúnebres e diz palavras reconfortantes. Boa, padre. Acho que todos se sentiram melhor com esta sensação de que agora ela contempla a face do senhor. Que ela está nos braços de Deus. Não há melhores braços pra se estar, eu creio!
Mais um role. Mais chuva indo e voltando. Dona Lívia chega. A chuva aperta muito e o dia fica noite. Resta esperar um pouco. Melhorou. Ajudo a fechar o caixão. Ajudo a carregá-lo pro carrinho. Carregar um caixão pra mim é uma honra. É a última coisa que a gente pode fazer por uma pessoa querida. O funcionário do cemitério pede ajuda na hora de subir uma rampa. O caminho é íngreme e está molhado. Curva pra esquerda. Outra curva e o túmulo onde a vovó será enterrada junto com seu saudoso marido fica numa descida. Seu Guerino, pelo que eu sei, faleceu há cerca de 29 anos. Ela morria de saudade dele, cansou de dizer.

Ajudamos a colocar o caixão na boca do túmulo que é daqueles que tem uma portinha com tranca. Acima do nível do chão há o mausoléu de azulejos avermelhados. Abaixo estão as gavetas. O coveiro está em pé lá dentro e sua cabeça não está visível daqui de cima. A profundidade deve passar de 4 metros. O caixão desceu. As coroas estão sobre o túmulo. Os homens trabalham num breu terrível lá embaixo, neste fim de tarde chuvoso para São Paulo e particularmente triste para a família e os amigos de Dona Zenaide. Chega.

O guardador de carros pede grana. Dou moedas. Ele disse que daqui a pouco vai embora, pois o local é perigoso.

Em minutos to em casa. Fico só de calça jeans sob o cobertor vendo TV. Dex e seu Ricardo teriam sofrido muito mais intensamente se estivessem aqui. To deprê. Sozinho. Muito sozinho. Cochilo. Acordo com Two and a Half men na tv. Eles são ótimos e tiram alguns risos de mim.

Tem um encontro mensal de radialistas e pessoal que trampa em TV chamado Festa da Tapadeira, que rola num barzinho próximo á Tv Record. Quem organiza é minha amiga e produtora Simone Grieco. A festa ta completando um ano e a Simone tb faz aniversário. Quer saber? Vou lá cruzar os amigos. Ficar em casa não vai resolver nada. To com fome. No caminho paro prum sanduba. To indo. O combustível ta meio que acabando. Cheguei. Depois abasteço. É um bar relativamente pequeno, mas com um palco no fundo onde quem discoteca é Théo Werneck. Muito samba rock, forró pé de serra, música dançante. Eu gosto de Led Zeppelin. Mas posso suportar esta onda. O Théo é talentoso e vai me mostrando coisas que eu, definitivamente, nunca ouviria. Tim Maia Racional é pérola. Conheço todo mundo. Trampo em tv desde 86. Os mais velhos são contemporâneos. Os mais novos já trabalharam comigo. Diretores, produtores, assistentes, redatores, divulgadores de gravadora, apresentadores da Record. Até o Fernandinho do canal pornô ta aqui. Muitos e muitos abraços em velhos amigos e amigas que eu não via faz tempo. Não dá nem pra citar. To me sentindo em casa. Que bom que vim aqui. Um amigo da mooca me pergunta da Vovó. Ele lê o blog e sabe tanto da minha vida quanto. Muita gente tem se aproximado de mim e dito que ta lendo o blog. Cool.

Eu e Fernando tamos tomando umas e outras e conversando. Peço duas pingas pra ver se a maldita dor de cabeça provocada pela gripe some. Não to legal. O sanduba de rosbife desceu meio torto. Tento dar um golão na pinga e quase que ela volta. Caraio. Há quanto tempo uma cachaça não faz o caminho de volta da minha garganta. Fico na breja. A cada minuto aparece mais um antigo companheiro ou companheira de trabalho. O som ta alto e minha voz debilitada pela gripe. Ta difícil de alguém me entender. Mais breja. Uma caipirinha. Hum! Desceu. Mais brejas. Resolvo ir pra Roosevelt. Fernando vai comigo. Ele virou a minha pinga e a dele. Ta doidão.

Roosevelt. A chimangada ta toda no Parlapatões. Bora beber, mãinha. Papo com Brum, Marião, Lingüinha, a galera. Já disse que gosto daqui? Que me sinto em casa? Quem bom que sai hoje, caraio. Deu.

Tuca me liga do Terra Nova. Eu e Fernando nos abalamos pra ZN. Antes, uma parada estratégica pra por álcool no posto. Salgadinhos e duas long necks de Brahma Extra. ZN. O Terra ta fechado. Só entran os amigos. Mais de três e meia da manhã. Uma pinga de maracujá. Serra Malte. Fernando ta alucinado e vira a pinga. Rapazinho sedento, este. Simbora. Levo meu comparsa até a casa dele, no Limão. Na volta paro num Mac e mando um sanduba com batatas fritas e coca zero pra rebater.

Dia longo. Terminou. Dex ta chegando. E eu to meio cansado de balada atrás de balada. Tosse maldita. Será que vou conseguir...d...or...mi..zzzzzz