domingo, 3 de maio de 2009

O sabor de ganhar um paulistinha foi mais doce que ser campeão do mundo.

Foram poucas horas engalfinhado com aquele maldito puff. O celular de alguém despertou e lá vamonóis pro segundo tempo. Cavalo ta tocando violão no andar de cima. Tuca se revira. Ju ta imóvel. Os caras da Tv sumiram no final do show e ao que parece não vão aparecer hoje. Ser da balada não é, definitivamente, pra qualquer um. 


Tuca pergunta se a van já chegou e como num passe de mágica, Jorjão encosta no portão. Lavei a cara. To arrumando a mala pro show do Raul. Tenho que acondicionar a roupa de mago e o chapéu cônico que não cabe em qualquer canto e não pode amassar. Minha segunda roupa será a cueca samba-canção do Timão e a camiseta "Eu nunca vou te abandonar". Antes do dia terminar serei campeão paulista, ouçam o que eu digo. Chegou todo mundo. Van a postos. Dex me liga e pergunta onde eu estou. Ela ta pegando a Lisandra na frente da casa do André e pede pra gente esperar, prela ir tb. Ok.

A van ta igual ao tobogã no Pacaembu. Juju, eu, Tuca, Cavalo, Dex, Lisandra, Roy, Dimitri, Simon, as filhas Fefê e Marina e uma amiga delas. Tá bom ou quer mais?

Trajeto tranqüilo. Pessoas vagam pelas imediações da Luz, meio bêbadas, meio perdidas. Vem uma notícia que as coisas estão atrasadas e que podemos chegar com calma. Adentramos a área restrita e o papo é exatamente ao contrário. O tempo estimado para a apresentação de todos os discos está ficando além das expectativas. Os horários estão adiantados. Tamos todos dentro do nosso camarim. Coisa de meia hora e palco. To com dor de cabeça por ter domido pouco. Melhor seria ter emendado um show no outro. Que seja.

Coloquei minha roupa de corinthiano. Sobre ela vai a de mago. Aquela repórter da Rádio Cultura que me entrevistou por telefone no carro na quinta quer fazer uma entrada ao vivo depois do show. Mas sua colega da Tv Cultura quer uma entrevista agora. Ta dada. Bonita repórter! 

Voltei pra dentro. Lá fora os caras pra quem eu promeiti uma entrevista estão querendo entrar. Peço pro Rico, nosso iluminador e um dos respondáveis por este palco, que os libere depois do show. Tudo Ok.

Olha o Paulão vestido de mago! Que coisa ridícula. Todos riem, mas acho pertinente á obra do Raul me vestir de Merlin. E foda-se. Dou um role lá fora, tiro fotos, especialmente com as crianças. Ta na hora. Rapaziada no palco. Começa "Abre-te Sésamo". 

Antes de entrar, Banas confirma quarenta mil pessoas na nossa apresentação da madruga e umas três mil agora, ás nove da manhã, no palco do Raul. Pouco importa. É uma honra tocar Raul.O engraçado é que antes de entrarmos e em todos os intervalos e ainda que o palco só toque Raul, a galera não pára de pedir pra tocar Raul. Caralho, isso é que é amor, porra!

Minha entrada com a túnica azul cheia de estrelas douradas e o chapéu cônico causa um impacto. Esperado. Planejado. Eu sou eu e Nicuri é o diabo, porra! "Abre-te..." fica mais rápida e o pessoal gosta. Digo bom dia e nos apresento. Explico que vamos misturar coisas neste baú do Raul, uma vez que as versões definitivas pra essas música o Raul mesmo já fez. Queremos fazer releituras e citações. Apresento Juju. Cito Gary Moore:

- You know i love you. You know it´s true. Gave all my love, baby. What more can I do?

Juju emenda Aluga-se e a galera vem com ela. Ela manja de palco, sabe levar a massa. Tirei a roupa de mago, amarrei os tênis alvi-negros all star (um branco e um preto). Coloquei meu chapéu alvi-negro de vaquinha. Voltei e to vendo a Juju terminar a música. Agora é "Anos 80". O pessoal ri da minha brincadeira no meio com Maradona chupando Riquelme, Evo Morales encoxando Hugo Chaves. O vento fecha a pasta de letras e fico sem cola. Ok, sei esta porra de cor.

Começamos Ângela, que tem uma citação explícita de Don't let me Down dos Beatles. Será que os raulseixistas xiitas vão chiar? A nossa versão tem guitas pesadas e beira o metal. Opa, chegou minha hora de citar os Fab Four. A galera ama. Canta junto. No fim tem mais. A interpretação de Juju tb encanta a galera. Dex ta na área vip á frente do palco, á minha direita, com Lisandra e as mulheres do Simon. Depois vem "Conversa pra Boi dormir". Explico que uniremos de forma inusitada e inédita dois artistas contemporâneos, igualmente geniais, que sempre tiveram fama de faltar a shows, que tiveram influencias de sociedades secretas e religiosas em seu trabalho, que misturarm sons americanos com brasileiros, desenvolvendo uma linguagem única e que, ainda assim, não se suportavam, como cabe a dois gênios. 

Neste palco, aqui e agora, vamos juntar Raul Seixas e Tim Maia. E sigo cantando a letra do Raul. Depois emendo Coroné Antonio Bento. A galera recebe Tim Maia bem, mas meio friamente. Eu amo esta canção que na verdade é de João do Vale e um outro cara que eu não lembro o nome agora.

Dex parece estar gostando. É muito importante te-la na frente do palco. E na minha vida. "Minha Viola", eu digo, é de autoria do pai do Raul. Entra igual e depois vai pro Stevie Ray Vaugham. Ok. Digo que não conheci Raul pessoalmente, mas Sylvio Passos, meu amigo, foi parceiro e bródi do Raul e que ele me garantiu que Raul era corinthiano. Alguns torcem o nariz pro meu corinthianismo exacerbado. Foda-se.

Ju canta o "Conto do Sávio Chinês". Antes eu arremesso uma gaita Bends pra galera. E quando a música começa esqueço de entrar tocando a minha gaita. Peço que os rapazes comecem de novo. Cavalo faz careta. Mas é assim. Façamos o trabalho direito e sorry pela minha distração. A coisa começa de novo e o choro da gaita tocada no local combinado mostra que recomeçar a canção do modo ensaiado foi bom. Juju canta, a galera vai junto. Depois do refrão, faço mais um solo com a gaita em Ré. Aviso Simon pra não acabar a música e mando Juju pedir pro povo cantar este refrão bucólico e quase chapado do Raul. Ficou bonito.

Puxo "Só pra variar" e o peso do riff que criamos faz a galera pular. No meio, depois do solo do Roy, faço aquele discurso inspirado na frase original do Raul: "pena eu não ser burro, não sofria tanto". A isso eu emendo meu discurso, dizendo que se eu fosse burro não ia me incomodar com os políticos gastando meu dinheito em passagens pros amigos e a família irem pra Europa. Junto a isso o mesmo discurso do palco rock sobre fumo, bebida, bares, liberdade. Volto pra letra e a galera vem junto. Tá ótimo.

Em "Baby" eu lembro que teríamos como convidado nesta canção o meu amigo Roberto Seixas, mas que em virtude de uma doença na família ele não virá. Peço que as pessoas enviem energia positiva para que o enfermo, no caso seu filho, se recupere. Até onde sei, ele estava em coma.
Tuca puxa "Stand By me" no início e tudo fica ainda mais bonito. Mesmo com dificuldade com o tom da canção, acho que não cheguei a cagar o esquema.

Vem "Eh meu pai", na minha opinião a nossa melhor recriação neste trabalho. Peso, swing e muita emoção quando canto e penso, como já disse, no meu pai. Termino a canção chorando por trás das lentes escuras do Ray Ban. Ufa.

"Na beira do pantanal" é linda e a cantamos numa versão meio jovem guarda meio Titãs. Esquecemos uma passagem no meio e quase perdi a melodia. Avisei antes o momento da subida de um tom e deu tudo certo. Termino a canção ajoelhado em frente a Juju, quase que me desculpando pelo assassinato contado na canção. No disco esta é a última música. Mas ta faltando uma que nós pulamos e fizemos questão de deixar pro fim. Uma música que nos influenciou muito: Rock das Aranha.

Pau no rock, galera dançando e cantando e encerramos. Abraçados agradecemos a gentileza da galera e eu aviso que vou pro Pacaembu.

Banas me espera na saída do palco e como foi ele quem insistiu pra gente participar deste lance, me cumprimenta ironicamente:

- Parabéns. Quem teve a idéia de colocar vcs aqui?

Ok. Vc venceu. Abraços, bocejos, goles de breja. Tem gente me chamando lá fora para autógrafos. Eu vou depois. Faço uma entrada ao vivo pra Rádio Cultura. Dou a entrevista pros meninos que prometi antes. Beijo Dex, agradeço Lisandra. Faço um aperto de mão triplo com Cavalo e Tuca. E vou lá fora bater papo com os fãs. Fotos, autógrafos, beijos, abraços, eu adoro este pessoal. Vi uma pessoa mais especial ainda do palco com quem preciso falar: o Davizinho, de sete ou oito anos de idade. Nosso fã mirim vive pedindo pra mãe leva-lo em nossos shows. Claro que nunca dá, por causa da censura e da idade. Mas hoje deu. Acho que ele gosta mesmo das minhas fantasias coloridas. Eles não estão mais na frente do palco. Será que foram embora? Rico me diz que estão na porta de trás. 

Ta todo mundo na van e eu vou lá conhecer o carinha. Ta com o braço quebrado. Pego ele no colo que fica sem graça. Os pais tiram a foto. Dou uma gaita pra ele. Rapidamente, mostro um ou dois exercícios prele aprender a tocar. Mais beijos. Acho que fiquei mais feliz que ele.

A van está mais apinhada que nunca. Brincadeiras sonolentas no caminho. Deixamos Juliana na rodoviária. Descemos tudo. Dex deixou seu carro na Gabaju e vamos dar carona pra Lisandra e Tuca. Feito.

To em casa, desfazendo a mala, jogando roupas molhadas no chão, pendurando secas. Demora. To muito cansado e meio lento. Foram dois shows e muitas emoções.

Chuveiro. Dex desabou na cama. Tenho que mudar o foco, pois agora é a operação Timão. To pronto. Pego André em sua casa. Ele ta com os ingressos. Pegamos Tom na seqüência. As ruas estão qualhadas de corinthianos. Bandeiras, buzinaços, a cidade, mais que nunca, hoje se chama Corinthians. 

Paramos perto do Hospital Samaritano. Caminhada um pouco longa até os portões 17 e 19, cadeiras cor de laranja. Algumas latinhas são consumidas em rápidos pit stops. Fila. Muitos. Muitos. Muitos corinthianos pra todo lado e nós felizes de fazer parte dessa massa. A torcida mais do caralho do mundo.

Entramos depois de uma rápida revista policial. Um sol ardido nos ataca assim que adentramos a praça esportiva mais charmosa desta cidade. Puta que pariu. Ta tudo lotado. Vamos descendo, descendo e praticamente nas duas últimas fileiras antes do gramado é que vai dar pra sentar. Ok. Tamo aqui. Duas e quarenta. Um monte de cheerleaders invade o gramado. São as representantes de todos os vinte times que participaram do campeonato. Também as mascotes de todos os times, representados por gente com fantasias. O local reservado pra torcida do Santos tem poucos gatos pingados. A Gaviões tb não ocupa seu lugar. As cadeiras centrais, as mais caras, estão enchendo mais rápido. Vez por outra cantamos algum grito de guerra ou cantamos nosso hino. O locutor, não sei se do nosso time ou do próprio estádio, é um semi- analfabeto que come os "s" no fim das palavras e enrola as frases. Como um porra deste consegue ser locutor? 

Tem bandeiras de plástico providenciadas pelo patrocinador em todos os assentos. Tem muita mulher acompanhada. Belas corinthianas. No passado, quando não aparecia tanta mocinha no campo, a torcida costumava gritar ao avistar uma: "el, el, el, buceta pra fiel". Hoje ta todo mundo politicamente correto. Não sei se gosto disso.

O tempo vai passando. De um momento pro outro a Torcida Jovem do Santos aparece. E vem, ainda que em pequeno número, fazendo barulho. A Gaviões tb chega. O cenário está quase pronto. O campo parece uma largada de corrida de São Silvestre. Dezenas de meninas com roupas coloridas, bichos em tamanho família, repórteres, bicões e no meio disso tudo o trio de arbitragem e os goleiros do Timão se aquecendo. A cada grito mais alto da torcida do Santos a gente responde muito mais alto ainda. Claro. Estamos em franca maioria. O time do Santos vem pra campo fazer um reconhecimento. 

Falta mais de meia hora pro jogo. O campo ta apinhado e eles se misturam e se confundem com as moças que correm de um lado pro outro numa coreografia meio demente. Eles rezam no centro do campo. A torcida vaia e xinga:

- Fábio Costa frangueiro do caralho. Neymar, vai cuidar dos carros lá fora que é teu lugar, seu merda!

Claro que este sou eu. Aproveito e mando Pelé tomar no cu. Nunca é pouco mandar o santista Pelé se foder. Quer agir como torcedor? Como torcedor será tratado!

Timão em campo. Vibração intensa. Foi desta mesma posição na torcida que eu vi o Corinthians perder do Vasco por um a zero na penúltima rodada do Brasileirão de 2007, quando caímos mesmo. O jogo do Grêmio era loteria. Curiosamente, estávamos juntos, eu, André e Tom. Hoje é o dia da redenção. Seremos campeões, puta que me pariu!

O jogo começa. O estádio está apinhado. Inicialmente a coisa está meio igual. O Santos toma mais a iniciativa, como não poderia deixar de ser: eles tem que ganhar de três, caralho! Somos perigosos no contra-ataque. Mas eles vão chegando. Nossa defesa segue bem, mas numa escapada de Cleber Pereira, Felipe sai do gol, eles se chocam e está marcado o penalty. Como estou próximo ao tobogã e o Santos ta atacando pros portões principais, a distancia não permite que eu possa dizer se foi ou não. O que não há duvidas é que o juiz marcou. E Cleber Pereira não perdoou. Uma zero contra.

Não dá nada. Vamos pra cima. Esta taça é nossa, porra! Passam-se cinco minutos e numa jogada transada entre Dentinho e André Santos bem na nossa frente o lateral esquerdo executa a prostituta arrombada do Fábio Costa. 1 a 1. Este foi o placar que eu previ. E pra mim ta ótimo. Fabinho me ligou antes e disse que seria dois a zero ou dois a um. Depois de ter errado na quarta pai Fabinho parece ter perdido a mão. Mas ainda dá pra ser dois a um. Pra mim, se acabar assim, ta ótimo. Campeões e invictos. 

O primeiro tempo termina. Parece cada vez mais improvável a virada Santista tão decantada num dos gritos de guerra da torcida deles. O Santos não é o time da virada, diz Tom, é o time da piada! Vai tomar no cu, peixe da minha rola. A torcida corinthiana não perdoa: "Santos do caralho, lugar de peixe é dentro do aquário".

Simbora pro segundo tempo. Estamos melhores e eles mais nervosos. Começamos a fazer a bola rodar. Gritar Olé vale? Vale, puta que pariu! Chupa. Ronaldo, cara a cara com a bichona Costa. Tentou meter mais um por cobertura. Pô, Fenômeno, não é toda hora que tem pão quente. Domingos, o zagueiro do Santos que deveria jogar de arreios, segue distribuindo botinadas.

- Ô Domingos, seu filho da puta, o Diego Souza ta comendo sua mãe em Santos, animal!

A galera em volta ri. Neymar , o novo Pelé ou Robinho, é substituído. Eu ofereço um emprego de flanelinha pra ele lá fora. Mais risos. Então quer dizer que o raio caiu três vezes no mesmo lugar? Então, o bostinha é o novo Pelé? Então, vai ser como 2002, com pedaladas em cima do Rogério? Olha aqui, Santos, enfia o passado no teu cu, que hoje quem vai levar esta porra somos nós...Pega os seus craques do passado e sua camisa estendida sobre a torcida, esta merdinha de dois por dois e babem ovo nos bandeirões da Estopim, da Camisa 12 e da Gaviões. 

Alô Santos: vcs sabem o que quer dizer este apito do juiz? Quer dizer que acabou e nós somos campeões. 

Antes disso o pterodátilo do Domingos foi expulso, claro. Em meio á festa a pequena torcida do Santos aplaude seus jogadores. Bonito. A torcida fez bonito. E nós tamos com a taça. E eu não sei o que dizer. Só descem as lágrimas. Nem o fogo na hora da entrega do troféu. Nem a volta olímpica, nem mesmo os sanduíches e brejas e brindes depois do jogo. Nada é mais sintomático que meu choro. Eu fiquei um ano na cadeia da segunda divisão, sendo zuado até por torcedores da Lusa. Não há maior humilhação. Deixei Tom, deixei André e nunca senti minhas pernas pesarem tanto. Foram três shows em seguida: dois das Velhas e um do Timão. Campeões invictos. 

Dex massageou minhas pernas doloridas. Fui pra cama com sabor de missão cumprida. Quem sabe, o melhor fim de semana da minha vida. Desta vez, o sabor de ganhar um paulistinha foi mais doce que ser campeão do mundo.