sábado, 23 de maio de 2009

Tem uns filhos da puta jogando pedra.

O despertador toca por volta de meio dia. Tenho coisa pra caralho pra fazer. Atualizações, blog, arrumar mala, preparar almoço, tudo isso até duas e meia, quando a van vem me pegar. Bora. Primeiro, banheiro, claro. Afinal, apaguei cheirando a sangue, suor e cerveja. Se Dex ta aqui eu ia apanhar. Ai, que gostoso. Adoro apanhar dela. Adora esta nega, porra. Que saudade. Pela minha conta, devido ao silencio de rádio, ela deve estar nas ilhas gregas. Carlota, prima querida, esteve lá em lua de mel recentemente, junto com meu melhor inimigo, o porquinho Marcelo Alvarez. E relatou que nestas ilhas é comum achar mulheres tomando sol nuas. Espero que só mulheres.
Este papo de Internet toma tempo. Mas to adorando escrever as peripécias diárias. Vcs sabem que, tecnicamente, peripécia é um artifício usado em roteiros, poemas...Bem...Habla, Michaelis:

"peripécia -
pe.ri.pé.cia
sf (gr peripéteia) 1 poét Acontecimento num poema, numa peça teatral etc., que muda a face das coisas. 2 fam Caso estranho e imprevisto, que surpreende e comove."

Porque escrevi isso? Sei lá. Demência pós e pré show.

Já resolvi praticamente tudo. Não sei se vcs sabem, mas este papo de blog nasceu pra servir como um diário da gravação do próximo cd das VV. E a idéia é parar de escrever assim que o cd sair. Quando comecei a publicar aqui, já tava com quase um mês escrito, material que continua inédito. Mas isso é parte de um outro projeto literário.

Almoço. Adivinhem qual o cardápio? Bife com arroz. É o último dos que estava no congelador. Mas tem umas lingüiças que sobraram do churras, então, a partir de amanhã, passo a comer arroz e lingüiça. Já muda, né?

Modéstia á parte eu faço excelentes bifes. Não tem segredo, mas adoro carne e sendo assim, ta tudo em casa. Duas e vinte e cinco e estou com a porta aberta, a mala arrumada, o telefone sem fio ao meu lado no sofá, á espera do toque mágico do Banas preu sair e adentrar esta nau de insensatos chamada Velhas Virgens. Porra, posso aproveitar e dar uma ligada no carro da Dex. Já fiz isso ontem? Não lembro. Faço de novo pra evitar detonar a bateria. Ta lá o carro bufando. Chega. Caraio, já fiz de tudo. Até dente escovei. E agora? Uma breja? Não, ainda não.

Fone. Van. Tuca já tah dentro. Banas e Jorjão idem, claro. Tuca levantou cedo e foi mostrar uma casa do pai dele pra alugar. Deve estar mortão.

Gabaju. Roy ta atrasado. Acordou agora e ta na Vila Mariana. Banas quer comer o fígado dele. Eu explico várias coisas, do mais geral ao mais específico. Guitarristas são assim mesmo: quanto mais talentosos, mais desligados, atrasados, chapados. É assim. No caso do Roy, o cara mora sozinho (na verdade ele divide com o Dimitri "Gravano", ex batera do Surto) na casa que foi de sua família. Uma casa grande que é, como vou explicar, uma zona absoluta. Imagine a casa onde vc mora, caro leitor. Imagine que vc é um gigante. Pegue sua casa e chacoalhe como se fosse uma coqueteleira. Pronto. É a casa do Roy. O cara é jovem, solteiro e músico. Não tem horário, não tem rotinas. É um bom menino, educado e tal. Mas é uma porra dum guitarrista, a coisa mais próxima da imprevisibilidade feminina sem ser gay que eu conheço. E não é só ele: todo guitarrista é assim. Então, caro, Banas, façamos o seguinte. Quanto tivermos shows com chegadas e saídas muito próximas, não deixemos que ele volte pro cenário do furacão onde ele mora. Coloquemo-lo em minha casa, na do Tuca ou na gabaju. Qualquer lugar onde possamos alcança-lo com a mão e chacoalhar sua carcaça prele acordar na hora devida.

E vamô pra padoca tomá uma que demorô. Banas relutou. Vou com Tuca. Vc paga, baixista. Eu to zerado. Ok. Cavalo foi pra Santos na correria, beijou Juliana por seu aniversário e voltou. Este Cavalo ta me saindo um puta cara sério no casório. Mesmo estando sem dormir e sabendo que não ficaria mais de três horas ao lado da esposa, não deixou a data passar na distancia. Quem te viu e quem te vê.

Original. Desce uma. Tuca gostou do primeiro gole, mas eu não. Gostei mais do segundo que do primeiro. E mais do terceiro que do segundo. E é isso que me leva a estar pedindo outra garrafa. Jorjão ta tomando um refrigerante. Não pode beber. Tem estrada. Será que quando ele bebe liquido a bagaça escorre pelos buracos de bala? Não.

Banas e Cavalo chegaram na padoca. Café, pão, salgados. E eu na breja.

Roy chega. Atrasado, se desculpando cheio de simpatia. Mas barbeado. Guitarristas são mais imprevisíveis que namoradas de TPM. Peço uma latinha pra ir bebendo. Ofereço uma pro Roy. Ele quer. E como quer. Outra latinha pra ele. Banas paga a despesa toda e joga isso em contas da banda. Tamo na Fernão Dias. Bons papos. Bom clima. Tuca caiu. Cavalo caiu. Juju, claro, caiu. Banas Caiu. Sobram acordados Jorjão (graças a Deus), Roy e eu. To com o Ipod. A previsão é de pouco mais de duas horas de asfalto. Exceção feita a paradas pra mijar, seguimos muito bem e aportamos no recinto do Churrasco'n'roll por volta de seis e meia. A feira, evento, sei lá, termina ás dez. Nosso show ta previsto pras oito. Logo, estamos com horário legal. Cara, a porra é muito grande. É um puta evento. Dizem pra mim que o lance ta com mais de quatro mil pessoas. Várias tendas, breja e churras a vontade. Gente, quando buceta! Uhu! Onde tem buceta tem beleza, não tem briga. Onde tem buceta tem perfume, simpatia, não tem confusão. Onde tem buceta tem alegria. Onde tem buceta, tem buceta, porra.

To na área vip comendo lingüiça e arroz carreteiro. Não devia. Isso costuma soltar o meu intestino. O certo seria jantar depois do show. Vai dar merda. Mas não resisto. Uma fotinho aqui e volto pra tenda que fica ao lado do palco, nosso camarim. Billy Mutreta no palco. Banda de Campinas que já abriu vários shows nossos. O palco não é gigante, mas é coberto. O contratante ta meio breaco e disse que viu a gente no Entorta Bixo em Ribeirão. Gente boa. Ele e a namorada. Tamos conversando no camarim. O show deve atrasar pra oito e meia. E as dez tem que acabar. Vou ter que encurtar os discursos.

Rico faz umas batidas com o liquidificador fornecido pela produção que é parte das nossas "reivindicações de camarim". Um dia posto aqui a lista toda. Muitas vezes os contratantes não cumprem nada. E a gente toca do mesmo jeito. Muitas vezes não tem camarim e a gente mesmo tem que "criar" um. Muitas vezes, como hoje, não tem banheiro acessível e a gente mija e caga (este sou eu) em baldes com gelo. É assim!

Ta chegando a hora. Roy ta doidão. Os outros tranqüilos. Troco torpedos com Ronaldo Brigadeiro, meu plantão esportivo em sampa, sobre o placar do jogo do time misto do Timão contra o Barueri, no Pacaembu. Um a zero, Souza. De penalti. Só assim. Eta grandão bobo. Dois a zero, Jean, de cabeça. Noise.

Notei que o chão do evento é todo composto por brita, pedrinhas. Se algum bebum demente resolver jogar isso no palco vai ser uma cagada.

Paro de checar o placar no celular. Alongamentos. Aquecimento. Pirata. Brinde. Bora.
Meu retorno de voz ta du caraio, mas só ouço baixo e a batera. Sem guitarra no retorno fica difícil sentir o peso do som e cantar, especialmente num lugar aberto como este. O set seria o mesmo de ontem. Mas, como vcs vão ver, vários acontecimentos inesperados vão alterar o previsto. Tem, como sempre, um povo animado cantando tudo na frente do palco. Velhas Army, Mr. Voigt! Mais atrás, numa segunda onda, tem umas pessoas interessadas e casais, observando curiosos. A terceira onde é de gente que não tem a mínima idéia de quem somos, do que tocamos, porra nenhuma. É gente que consome indistintamente pagode, sertanejo ruim e funk carioca. Rock? O que é rock? Pensam eles. Estes são a maioria. HUM!

Tamos indo. Como é muita gente, não dá pra seduzir a todos. A proporção é a seguinte, segundo um papo que tive com Edu (o homem da barraquinha das VV) antes do show. Sim, dei um rolê absolutamente anônimo no meio da galera pra saber "qual era a deles". Fui até nossa lojinha e Edu falou que era uma coisa assim: mil conhecem a gente e três mil não.

Vamos aos gritos de guerra. Cubanajarra não teve "aquela" resposta. A citação dos "no, no,no" de Rehab em Rafaela foi média. "Pôe tudo" idem. O "ma,ma,ma" de "Tudo que a gente faz", assim, assim. Tequila tb não empolgou. Ah, eles gritaram com gosto "Edu viado" quando anunciei a posição da lojinha. Juju no palco. Eu me trocando. Tem uma japinha querendo foto ao pé da escada. Num dá, tenho que colocar o sutiã e a batina. Marcinho desce ao camarim pra ver como tão as coisas. Com a ajuda da japinha, coloquei o sutiã. To pronto. Vontade de cagar. O balde. Merda fina sobre o gelo. To me limpando e a canção da Ju, no palco, terminando. Deu. Troco a guarda com Juju e sigo com meu discurso em "Se Deus não quisesse". Como sempre faço, interrompo no fim quando eles cantam o refrão "Deus é pai e a cachaça vai" e digo que ta uma merda. Faço sempre uma pergunta do tipo: "estamos ou não estamos em Minas Gerais, terra de cachaceiro filho da puta? Então, por que vcs estão cantando como uns viadinhos?". Geralmente isso deixa os caras mordidos e eles cantam com mais raiva e mais alto. Mas o xingamento é aquele de brother, nada pra ofender os mineiros, cariocas, gaúchos ou seja quem for. 

Mas noto que algumas pessoas compreendem a parada mal e a partir dali, ainda que a resposta tenha sido boa, começo a sentir pequenas triscadas em minha perna. Tem uns filhos da puta jogando pedra. Em mim. Enquanto coordeno minha mente pra seguir cantando, penso se devo ou não parar o show pra reclamar. Quando isso acontece, é uma faca de dois legumes, certo seu Vicente Matheus? Tanto pode deixar os três ou quatro engraçadinhos sem graça como pode dar a idéia a outros dementes. E uma galera de 4 mil pessoas jogando pedra é um apedrejamento. Resolvo ficar na minha. Não vou dar cartaz prestes filhos da puta. Em toda festa que tem cerveja de graça acontece outro fenômeno: os caras jogam litros e litros de breja gelada na minha cara e no palco todo. Por mais que esteja calor (e tava bem frio em Santa Rita), cerveja gelada na cara quente, sob as luzes do palco, é horrível. Eu odeio esta merda. Acho que os caras pensam: pô, se ele toma banho, deve gostar de cerveja na cara. Filhos da Puta. 

E o pior de tudo é que, além de molhar instrumentos, retorno, microfone, se a gente devolver arremessando cerveja neles, eles amam. Abrem a boca e sorriem em orgasmo. É a vibe da galera, porra. E eu tenho culpa, pois tomo banho de breja. Mas tomo quando quero. Não quando eles querem. Mas boa parte da culpa disso é minha, confesso. Foda-se.

Tamos indo. "Siririca" tem um bom retorno. Dou meu recado sobre fumo, bebida, bares. Aviso pra prestarem atenção em quem votam, pois os "políticos filhos da puta" querem fechar os bares e proibir tudo. Madrugada e meia vai bem. Começa "Abre essas pernas" e sinto uma pontada no cu. Vou ter que cagar de novo. Preciso ir até o fim, pois é a música mais conhecida e depende do meu dueto com a Ju. Meto a unha sob a unha, me belisco forte pra tentar tirar a atenção do corpo do cu. Dá semicerto. As pessoas tão cantando sem notar meu drama intestinal. Olho pro Cavalo e digo pra fazerem "Aluga-se" na seqüência, enquanto desço e cago. E ele, com lucidez, sugere que terminemos o show com "Abre...". Ok. Tamos indo. Aviso os outros que vai acabar. Juju enrola na última frase. Chego em seu ouvido e digo:

- Acaba logo, caralho, preciso cagar, porra!

Ela sorri. Fim. To cagando de novo no camarim vazio e fedendo igual uma fossa. Alguns se arriscam a entrar, mas logo desistem. O pessoal ta pedindo bis. Dou a letra e Cavalo volta com "Não vale nada". Terminei. Me limpei. Fotos na porta da tenda. Volto pro palco a tempo de falar o texto de Augusto dos Anjos que vem no fim da balada. Apresento Cavalo. Mesmo sem o visual de mago, falo do Raul e mandamos três. Aviso que cerveja e churrasco free apenas até as dez da noite. Depois a coisa termina. Mandamos mais duas nossas. Retorno até interessante. 

As pedradinhas pararam. O show acabou. To no camarim, com um frio do caralho e todo molhado tentando juntar minhas roupas, adereços e acessórios antes que virem souvenires dos fãs. Papo. Fotos. Não sei se foi a caganeira, as pedradas, a demora do público em reagir, o frio, sei lá. Não to legal. Parece que os fãs de hoje tão mais bêbados e alguns muito mais chatos que o normal. Serei eu, ou serão estes três ou quatro, como este casal com quem já fiz pose mais de dez vezes pra foto e eles continuam dizendo que a foto não saiu. Claro que não saiu. O cara ta tão chapado que não aperta o botão. Na milésima tentativa acho alguém pra tirar a foto. Só pra ter ceretza que saiu. Sou o cara mais paciente com os fãs. Nem sempre a banda toda sai pro corpo a corpo após o show, mas eu sempre saio. Raras são as vezes que não vou pra frente do palco conversar, dar autógrafos e tirar foto. Bebo de todas as canecas, autografo calcinha, tênis, peito, braço, cueca, tênis. Mas este casal está me tirando do sério. A todo momento eles se apresentam, dizem os nomes como se fossemos íntimos do orkut. Como vou lembrar? Escrevo diariamente em cinco perfis. A mocinha até é gentil, mas tem outras pessoas querendo um tostão de atenção, fotos e tal. E eles não deixam. 

Caraio, lá vem eles de novo. Tem um outro mala que me pede baquetas e palhetas.

- Eu não uso palhetas e baquetas, filho. Pede pro batera e pros guitarristas.

Ele quer que eu entre no camarim, pegue os presentes e traga pra ele. Daí-me paciência, senhor.
Chega. Desapareço. To na van, no escuro. Peço pro Jorjão descolar uma breja pra mim e como num piscar de olhos, olha a garrafa na minha mão. O Jorjão é mais que um motora: é um produtor e tanto. Grazie amigo. Vou ser sincero: ao final do show tudo que eu quero é encostar num canto calmo e silencioso e beber uma cerveja em paz. Posso até conversar, mas prefiro o silencio. Nunca dá e eu entendo. São estes fãs que querem um contato mais próximo que nos mantém vivos, que nos alimentam com sua paixão de torcida de futebol. Mas o ideal é um canto tranqüilo, com breja e paz. É isso que consigo agora na Van. Cavalo tb já ta aqui. Juju idem. Os outros estão vindo. A feira ta se desfazendo. Dez da noite e todo mundo indo embora. Eu tinha pensado, aproveitando o fato do show acabar cedo, em curtir um pouco da feira, da cidade, da noite. Mas não dá. To com frio, todo molhado (muito mais pelos arremessos de breja no palco que por suor, creiam) e meio passado pela diarréia. Não. Não. Olha o casal na porta da Van pedindo pelo amor de Deus uma foto.

- Mas eu já tirei mais de cem – suplico

Eles pedem preu sair. Eu não vou. Fecha a porta. Eles ficam lá fora gritando meu nome. Puta que pariu.

Estrada. Roy ta alucinado. Derrubando hi-fi e breja pelos bancos, sobre ele, sobre o Tuca. Ta demente. Ele grita seu bordão:

- Já disse que amo vcs?

Os outros dormem. O cara ta tão louco que derruba o cigarro. Achei. Tó. Ele segue falando mais que o homem das cobras. Eu to com frio. Peço pra fecharem os vidro. Peço pro Jorjão ligar ar quente. Não sinto muitos efeitos de calor artificial, não. A van ta na porta de casa.

- Novamente, foi uma honra dividir o palco com vcs, Velhas Virgens. Fui.

Depois desta frase profética, casa. Mala desfeita. Roupa molhada no chão da lavanderia. Banho quente. Obrigado meu Deus. Arroz com liguiça. Uma da manhã. Ainda. Saio? Não. TV. Vejo o gol do Jean. Duas e meia. Tentei peidar e me caguei no sofá. Mijo pelo cu. Me limpo, me lavo. Coloco um tufo de papel higiênico no cu e vou pra cama. Chega de cagadas por hoje.