sexta-feira, 1 de maio de 2009

Um cheiro poderoso de peido invade o palco

Era coisa de cinco da manhã quando acordei com uma puta dor de estômago. Não aquela aguda, característica de acidez. Uma dor grave, como um soco, empurrando meu estômago pra dentro. Eu avisei que eu tava mal. Morro de medo deste tipo de dor. Em geral é indicação de úlcera. Quando tinha vinte anos tive uma crise estomacal poderosa e fui levado por hospital me contorcendo em dores. O médico me receitou uma dieta de bebê e me disse que eu deveria ter cuidado com álcool.


- Durante toda sua vida você vai poder beber no máximo um chopp por fim de semana – sentenciou o deus de branco para meu desespero de bebum inveterado.

Fiz a dieta direitinho durante um mês e aí arrisquei tomar um chopp. Desceu bem. Os outros quarenta e nove seguiram o mesmo caminho e desde então Jesus Cristo vem me permitindo beber tudo que aparece na minha frente. Ficar sem beber pra mim é um drama. O álcool me relaxa. E a dor de estômago é, no meu caso, resultado de stress. Então, bebo pra desestressar. Mas o álcool irrita gastrites e úlceras. Desta forma, o que me alivia a tensão ao mesmo tempo irrita e a coisa vira um círculo vicioso. É por isso que falo mil e novecentos palavrões por dia: pra jogar todo tipo de stress fora e seguir bebendo. Tudo em nome da birita. E lembrando daquelas dores terríveis de estômago sinto um calafrio por causa do fantasma de ter que deixar de beber. Help me, Lord.

Como Ju ta na casa, fui pro banheiro da Dex, já prevendo peidos, caganeira selvagem e nudez: nestas horas o desespero dá vontade de ficar pelado. Não posso ser pego cagando, peidando e pelado. Ninguém merece.

Passei três horas na privada, cuspindo, arrotando e evacuando em spray. Quando um destes atos corporais acontecia a dor diminuía. A toda hora o sabor do provoalho voltava á boca. Argh! Mas passavam-se alguns minutos e a dor voltava. Tentei deitar-me novamente, mas não deu. Aí, demente de pai e mãe que sou, comecei a cronometrar a periodicidade da dor, que ia e voltava. A intermitencia era de dez minutos. Comecei a monitorar isso pra ver se as contrações iam se distanciando. E descobri que estavam ficando mais espaçadas e mais amenas. Quando deu quase sete da manhã consegui me deitar em posição fetal, abraçando os joelhos. Deveria ter pedido ajuda da Dex, mas preferi não acorda-la. Cochilei.

Acordei quase onze da manhã ainda meio dolorido. Contei pra Dex o que tinha rolado e ela reclamou de eu não te-la acordado, já que ela é uma notória sofredora com dor de estomago e tem remédios de prontidão. Ato contínuo, Dex me trouxe um comprimido, bolachas e água com limão que, segundo ela, trancaria meu "roscofe".

Levantei, coloquei roupa na máquina pra lavar, pus um disco do Robertão na vitrola e fui pro banho enquanto Dex batia papo com Ju tomando capuccino.

A minha merda segue bem pastosa. Banho findo, desço, tiro o Robertão e coloco um disco do Doors, para depois pendurar a roupa. Coloco mais roupa na máquina, agora toalhas pretas. Dex ta preparando uma comida de doente pra mim, com purê e filé de frango. Tuca liga e diz que ta rolando um churras lá. Eu declino. Preciso ficar bom pro show. Porra.

Subo pra checar a Internet. Ju vai pra sua agenda anotar não sei o quê. Almoço pronto. O disco do Doors terminou. Comemos todos juntos. Dex comprou mais umas coisas no mercado. Termino de comer antes delas. Tava com fome. Será prenuncio de recuperação? Preciso ficar bom pro show de logo mais. Quero voltar a beber.

Enquanto elas terminam o almoço, penduro a nova safra de roupa lavada. Desligo a vitrola. Franck, sócio fundador das Velhas Virgens, amigo de anos e anos que mora na região de Iguape me liga e diz que deve aparecer no show da Ilha Comprida, que tb fica na vizinhança. Cool. Não vejo Franck faz tempo. Eu, ele e Rick, acampados em Santiago, fundamos as Velhas em 85. Franck seria o guitarrista, até comprou o instumento, mas nunca aprendeu a tocar. Vai ser do caralho revê-lo. Ele trampa com sacolões na região de Cajati e Eldorado.

Meu cu dá sinais de que vem algo por aí, provavelmente líquido. Não me importo em cagar até morrer. Só não quero soco no estomago. Temos um fim de semana dos mais especiais, com dois shows na Virada Cultural. E que quero curtir cada minuto destes shows na minha cidade.

Hoje faz quinze anos que o Senna morreu. Eu, como quase todo mundo, admirava o cara. Queria ver o Schumacker ganhar tudo que ganhou com ele na pista. Bem, mas a vida é assim. O que a gente mais gosta é que o diabo leva embora, já dizia meu pai. Vou dar um bode. Pra ficar legal!
Acordo ainda mezza-mezza por volta de cinco da tarde. Daqui meia hora a van vem nos pegar, eu e a Ju. Me visto, pego uns documentos na pochete. E fico a postos.

A van do jorjão é azul e ele um parceiro de sempre. Tamos eu e Juju a caminho da casa do Tuca pra pega-lo e depois seguir pro encontro com os outros na Gabaju. Jorjão me conta que sofreu uma tentativa de assalto na porta de sua casa e que foi alvejado por três disparos. Dois o atingiram, um no braço e outro no peito, ambos meio que de raspão. Mas os buracos estão lá, me mostra ele. Foram três jovens, uma menina e dois caras. Nasceu de novo, mano.

Tamos no Tuca e Cavalo tb ta aqui. Os pais do Tuca tb estão no local. Seu Nelson e Dona Dan são meus conhecidos. Ficamos mais próximos na época em que Zé Boy, irmão do Tuca, era meu sócio no Rock'n'roll bar. Agora vamos em direção da Gabaju. Todos estão meio que boquiabertos com a história dos tiros no Jorjão.

Portas da van abertas, Roy, Simon e Rico, que é iluminador mas hoje está de produtor, estão dentro. Cavalo foi pegar sei lá o que. Ah, foi trocar de roupa, uma vez que por ter dormido no Tuca, estava exatamente com a mesma roupa de ontem. Cavalo não é muito chegado em banho. Quando o conheci, em 86, ele tomava um banho por semana. Ou menos. Era sua forma de protestar contra...Sei lá eu que porra. Cavalo sempre foi demente. E não bebia. Fui eu quem lhe ensinou a arte da chapação. Tb sempre fui demente. Mas tomo banho. Não mais que um por dia, é vero.

Bem, exceto por esta parada pra comprar absorvente pra deter a menstruação de Juju, saímos da Gabaju e ganhamos asfalto pela Régis Bittencourt com destino a Ilha Comprida, litoral sul do estado de todos os paulistas. Fui lendo as últimas páginas da biografia do Tim Maia. No final da vida ele tava falido, com a saúde extremente abalada e com a confiança dos contratantes de shows a zero. Morreu, como boa parte dos gênios, num buraco cavado por ele mesmo. Lamentável.

A viagem segue no escuro. Jorjão errou a saída e acessou uma via que nos leva a Peruíbe. Não é aqui, malandro. Voltamos pra pista e mais alguns quilômetros á frente surge a saída correta que nos levará a Iguape. Uma ponte une a Ilha ao continente e é nela que estamos agora, exatamente sobre um braço de mar. Terra firme. Ta beirando dez da noite e o show é ás onze. Pegamos muito trânsito na serra e estamos meio que no limite. Procuro começar minha concentração uma hora antes dos shows. Isso sugnifica sentar num camarim e bebericar batendo papo. Meu estômago está meio estranho, mas desconfio que seja por estar vazio mesmo. Preciso comer algo, de preferência leve. Dex pediu preu não beber. Sorry, dear. I need it!

Encostamos a van ao lado do palco no local do evento, sobre as areias da praia. Rico sai pra checar o que ta rolando. Não ta rolando nada. Não tem camarim, não tem comida, não tem banheiro. Não tem porra nenhuma. O cara faz um puta evento e não coloca um lugar pros músicos ficarem. E eu realizo quatro trocas de roupa durante o show, fora as trocas da Ju. Rico nos leva prum restaurante por quilo próximo. O dono se recusa a nos autorizar alimentação sem uns tais "tíquetes". To puto. O resto da galera vai prum bar de sandubas perto e come. Eu pego uma cerveja com o Marcelão do Maverick 70 que abriu a noite de rock e sento na calçada. Puto pela falta de estrutura. Vai tomar no cu. Roy descola uma Smirnoff Ice e senta comigo. 

Permanecemos em silêncio. To muito puto. E meu estômago dói. Não posso transferir esta raiva, não posso somatizar a coisa, senão é pior pra mim. E eu gosto mais de mim. Eu gosto pra caralho de mim.

Rico volta, me dá cinqüenta paus e me manda comer no quilo. Avisa preu pegar nota ao pagar. Mando purê, frango e peixe pra baixo, tudo em pequenas quantidades. O estômago melhora. Aparentemente era fome. Comer faltando meia hora prum show é uma péssima idéia. A gente entra no palco pesado, arrotando e vira e mexe a comida volta pra boca. Ah, então é assim? O cara nos tratou sem a menor estrutura? Ok. No camarim improvidado dentro da van da técnica (que sempre vai antes pra ajeitar tudo) aviso que vou beber, alongar, me vestir e preciso de uma hora. Foda-se.

Eu e Ju tamos aqui na parte de trás. Chegam cervejas, uma garrafa de Smirnoff e algumas latinhas de energético. A coisa começou a ficar do meu jeito. Tiro a roupa, coloco a cueca samba-canção e a camisa preta do ACDC do primeiro figurino e faço um drink de vodka e red Bull. Não tem gelo. Porca miséria. Abro uma cerveja e ela desce quase toda no primeiro gole. Todo mundo está pelos menos duas cervejas atrasado nesta vida. O resto da banda ta na outra van ou zanzando aqui por perto. Não tem espaço pra muito mais que duas pessoas se trocando aqui. Descem drinks, eu vou me alongando, vou me vestindo. To me sentindo muito bem. Dei vários arrotos e espero que não vomite no palco. Soltei uns peidos e saíram totalmente secos. Eu não peidava sem me cagar desde quinta á noite. Meu cu ta cool! Rico abre a porta e pergunta quanto tempo. To quase pronto, mas quero fazer um terrorzinho:

- Meia hora!

Lá no palco a apresentação das mocinhas em luta no gel terminou e estão limpando tudo pra gente entrar. Vira e mexe, uma das Velhas abre a porta da Van pra reabastecer o tanque de álcool.

Ok, simbora. O locutor anuncia o início do show. Não fizemos nosso tradicional brinde e isso é uma merda. Porra de lugar sem camarim, caralho. A gente não é fresco e nem viadinho. Um local pra ficar antes do show e uns drinks é pedir demais? Vai tomar no cu.

Simon conta. Vestido de pirata, eu to andando freneticamente em círculos ao lado da Van. Venta muito na praia, a ponto de eu ter que segurar o chapéu. Algumas pessoas gritam meu nome e tentam se aproximar, mas este é meu momento de maior concentração e não paro por nada. A música ta comendo no palco. Subo as escadas que dão acesso. Vou duas vezes até a ponta do palco com as mãos para trás, como um capitão de navio preocupado com algo. Olho pro Simon e trocamos uma última careta. Microfone. Cubanajarra. A galera responde. Ta chovendo fraco, mas eles não arredam o pé da frente do palco. É nóis.

As músicas vão se sucedendo. Dou mais uns arrotos, mas ninguém percebe. Na hora de apresentar Edu, que ta na lojinha, consulto a produção, pois o lugar é enorme e não tenho acesso visual ao nosso parceiro. Lá está ele, do lado direito de quem me olha, longe toda vida. Chamei Ju. Fui me trocar na Van. Preciso que alguém me ajude a por o sutiã do homem lindo. Rico bateu a porta da van e eu não consigo abrir. Fiquei trancado. Caralho. Bato, esmurro. Me tirem daqui. Rico volta e me mostra como abrir a porta por dentro. Eu sou uma besta. Rico coloca o sutiã em mim. No palco Juju comanda a massa com "A mulher do diabo".

To pronto. Troquei de posição com a Ju. To me sentindo muito bem. É o álcool. O show segue. Tem areia no palco pra caralho. Em "Blues do Velcro" Juju me derruba no chão e cai sobre mim. Fico á milanesa por causa da areia. Ela parece que machucou o joelho. Nada sério. Um blues de improviso anuncia que: "hoje é sexta, amanhã é sábado e domingo o Timão será campeão". Tem alguns corinthianos ensandecidos na frente do palco. Eles querem subir. "Abre essas pernas "é um coro só. Um cheiro poderoso de peido invade o palco. Todo mundo sente e começamos a apontar um pro outro, rindo e procurando o responsável. Cavalo diz que não foi ele e aponta pra mim. Digo que eu não fui e aponto pro Tuca. Ele olha pro Roy que ri, mas diz que não é o pai da criança. Juju canta e a gente realiza um prebiscito em pleno palco para achar o autor do flato. Simon se esquiva chacoalhando a cabeça. A conclusão é óbvia: foi a Juju. Ela ri e nega. A música segue com o palco fedendo. Uns Drinks. Acabou.

Volto pro bis vestido de padre: "Deus é pai e a cachaça vai". A gente reza pela santa cana que está na roça. Depois falo dos shows na Virada Cultural, especialmente do palco do Raul.

- Temos orgulho de tocar Raul Seixas, o cara que ensinou o rock brasileiro a pensar!

Mandamos "Só pra variar". Faço um discurso criticando políticos. Seguimos com Raul. Juju canta "Aluga-se". Enquanto isso eu danço e tomo uns goles no palco. Na seqüência fazemos a melhor apresentação de "Eh meu pai" ao vivo até agora. Fiquei até emocionado pensando, claro, no meu pai. A dobradinha final é "A minhoca.../beijos de corpo". Emendo um "Minha vida é o rock'n'roll", lembrando que o Made in Brazil é a verdadeira maior banda de rock este país. To no baixo, Cavalo na guita do Ray, Rodrigo Beduíno na outra, Mickey Rourke, marido da Ju, na batera. Tuca e Roy, os solteiros da vez, dão mosh. A galera delira. Cavalo encerra a música. Nos abraçamos e agradecemos. Acabou por hoje.

Me enfiei na van pra arrumar minha tralha. Juju faz o mesmo. Lá fora uma galera chacoalha a van, querendo falar com a gente. Checo meus apetrechos e falta a porra dos óculos RayBan que eu comprei junto com a fantasia de Merlin. Foram só dez reais, mas não quero perde-lo logo no primeiro show. Fuça daqui, fuça de lá e nada dos óculos. Juntei a roupa molhada num saco, soquei tudo na mala e to no meio de uma galera dumas trinta pessoas, entre mocinhas e rapazes. Empurra-empurra, autógrafos, fotos, beijos, abraços. Começa a chover e carrego os restantes pra deibaixo do palco. Mais fotos, autógrafos, abraços. Rico me resgata, me joga na van e sai á procura de Roy e Tuca. O guitarrista aparece primeiro. Tuca vem em seguida, meio contrariado.

- Por que temos que subir com tanta pressa? Pergunta ele.

Parece que tava se dando bem. Meu ócilos aparece. Tamo na pista. Jorjão erra o caminho várias vezes. Não dá nada. Cavalo foi deitar lá atrás. Ju ta enrolada no banco. Rico paga algumas pessoas. Roy e Tuca estão doidões. O asfalto vai passando. Silencio profundo. Parada pra mijar. Mais silencio. Tamos em sampa. Vejo placas indicando a marginal. Deixamos Simon. Tamos na Gabaju. A equipe técnica descarrega. Vamos esperar Mickey Rourke, já que ele vai dormir lá em casa com a Ju. Uma parte do equipamento fica na Gabaju. Outra parte vem pra Van do Jorjão, já prevendo a ida pra Virada Cultural. Eles vão nos pegar ás dez da noite. Tamo a caminho da minha casa. To no banheiro lendo o jornal fresquinho, fresquinho. Ju e Mickey Rourke tão bodeados no quarto. À minha leitura segue-se um banho. 

Agora me deitei ao lado da Dex que acorda e começamos um papo profundo sobre várias coisas. Ela destaca que quando eu não chego chapado a gente pode conversar. Ela diz que eu não to dando no couro. Tento um ataque matutino, mas ela diz que encomendado não vale. Ok. São sete de manhã. Vamos dormir. 

Ao acordar vc não me escapa, mocinha.