sábado, 13 de junho de 2009

E fique preparada, nêga, que quando acordarmos eu quero lhe usar, visse?

Claro. Óbvio. Cristalino. Acordei lá pelas duas da tarde e só o pó, após o show de Mogi Guaçu. Dex entra no quarto dizendo que seus pais estão lá embaixo. Mais: que ela fez feijão, arroz e carne de panela e está me esperando para almoçarmos todos juntos. Ok. Como havia tomado banho pela manhã, fugi do chuveiro. Mas dei uma passada d'olhos no jornal, com a bunda aboletada sobre a gélida cobertura de plástico da latrina do meu banheiro. Merda sempre tem. Seu Ricardo ta instalando o lustre da sala de tv. Dona Lívia ta lá embaixo preparando a mesa. Desço e abro o presente de dia dos namorados que a Dex comprou pra mim e deixou embrulhado no meio da sala. Até achei que era mesmo meu presente ao chegar do show, mas tava com tanto frio e cansado que preferi deixar pra abrir num outro momento, neste caso, agora. Um cooler do Corinthians com capacidade pra doze latinhas. Amo. Qualquer coisa que me derem com o símbolo do Timão eu vou gostar.

Não tive tempo de comprar nada pra Dex. Esta semana dou um jeito. Seu Ricardo ta precisando de ajuda com o lustre. Eu dou uma mão. Estamos todos cá embaixo comendo o almoço produzido pela minha Dex na mesa do quintal. Isso é que é comer fora, saca? E tá gostoso. Dona Lívia providenciou a salada que está igualmente deliciosa. Opa, mau tempo á vista. Dex inventa de reclamar do engradado de cerveja que está ao lado da churrasqueira. Eu digo que não é hora pra falar nisso, bem no meio do almoço. Outra hora eu tiro esta merda daí, caralho. Ela segue dizendo que já pediu preu tirar e que eu não tomo providencias. Vejam se isso é discussão pra se ter agora e ainda por cima na frente dos pais dela? A caixa ta em cima do forno á lenha, quietinha, sem fazer mal a ninguém. Pra que mexer com ela exatamente neste momento? Terminamos a refeição e pego Dex na cozinha.


Ela ta monosilábica por que acha que fui grosso na frente dos seus pais. Eu pergunto pra que ela foi tocar nesta merda de assunto de garrafas de cerveja justamente agora. Poderíamos resolver isso em outro momento. Aproveito e emendo mais algumas observações: acho que nos provocamos, nos atacamos, nos agredimos demais na frente dos outros. Isso cria uma impressão de que vivemos nos pegando e que não somos felizes. E é exatamente o contrário: a gente se ama e é muito feliz, apesar de ambos termos gênios fortes. Fica um clima. Na sala Dona Lívia e seu Ricardo nem ligam pro nosso arranca rabo e discutem tb. A coisa alastrou. Mas a discussão deles nada tem a ver com a nossa. O caso é que minha sogra está com o ouvido inflamado e, por causa disso, consumindo antibióticos. Mas ela alega que o remédio não está fazendo efeito. Claro, só tomou duas vezes, diz meu sogro. Dona Lívia quer ir a uma clínica especializada que fica na Moóca. Meu sogro diz que não sabe direito onde é. Diz que ela deveria dar tempo pro antibiótico agir.

Tudo discutido e nada decidido, lá se foram eles pra clínica da Mooca. E lá vamos nós, Eu e Dex, pro cemitério. Por quê? Vcs devem estar achando que morreu alguém. Ou que eu sou necrófilo e adoro uma "tumbinha". Nada disso, meninos e meninas. Hoje é 13 de junho, aniversário da minha idolatrada e amantíssima mãe. E desde que ela se foi sempre coloco flores no seu túmulo em datas como esta. Dex resolveu me acompanhar. Isso é um perigo. Sempre que vou com alguém até lá, choro copiosamente. Sozinho isto não acontece. Acho que quando vou acompanhado sinto mais pena de mim por não ter mais pai e nem mãe. A verdade é que morro de saudade deles dois.

Passo na floricultura do Roberto Japonês e compro dois maços de flores. Peço que ele corte os caules, pois costumo escrever sobre a grama do túmulo usando as flores. Amor. É isso que eu escrevo. Já escrevi saudade. Já desenhei corações. Um pro meu pai e outro pra minha mãe. É um ritual.

Dex me ajuda. Pelo que me lembro, é a primeira vez que deixo alguém me ajudar com isso nos últimos dez anos. O Cemitério do Horto fica no alto da serra da Cantareira, pertinho de casa. E ta um ventinho frio da porra. Taí: "AMOR", escrito com flores amarelas e brancas sobre a grama verde. Agora rezo um pouco. Já que seu Nicola, o pai da minha cunhada, tb ta enterrado aqui, rezo por ele tb. Era um grande sujeito. Vou olhando os nomes nas plaquinhas, as datas de nascimento e morte, e fixando meu pensamento enquanto os "painossos" e "avemarias" ecoam retumbantes dentro da minha cabeça. Como é aniversário da Dona Nita ela ganha algumas preces a mais. Terminei. To pensando nela. E as lágrimas estão no meu rosto. Mãe, eu te amo. Fomos.

Carro. A descida (como a subida) passa pelo Morro do Piolho, que circunda a necrópole. Casas humildes. Roupas em varais improvisados invadem as calçadas estreitas e cheias de buracos. Crianças no meio da rua empinando pipas. Mulheres com suas bundas fartas desfilando sem graça. Homens de várias idades bebericando nos butecos improvisados em portinhas de garagem.

Casa. Dex diz que vai ao show de hoje. Oba, faz tempo que ela não se dispõe a ir com a gente. Enrolações até oito da noite. Como alguma coisa pra dar tempo de cagar antes das dez que é o horário que o Banas ficou de me pegar. O Vaxcão ta empatando com o Guarani na segundona. Abre o olho, bacalhau.

Cochilo. Tamos prontos. Toca o interfone. Van na porta. É nóis na van. Tuca já está. Ta rolando um vinho. Banas me diz que a coisa ta meio complicada em Vinhedo, que a venda antecipada foi pequena e que podemos estar indo pruma roubada. Adoro roubadas. Na pior das hipóteses vamos tocar, beber e nos divertir de grátis. De graça? Não, caralho, de grátis mesmo!

Gabaju. Cavalo hoje está sem a Ju. Em compensação, a loirinha Fran vai com a gente. Roy? Presente! Passamos na casa do Simon pra pega-lo junto com a esposa, a retardada querida da Lu. Lotação quase total na Van do Jorjão. Só tem mais um lugar que será ocupado pelo Juliana que pegaremos na rodoviária de Jundiaí. Tamos no horário. Banas cronometra tudo pra não chegarmos cedo demais. Apesar da gentileza da galera do bar, nosso camarim improvisado é numa cozinha e não há muito conforto. E nem precisa. I know it's only rock'n'roll, but i like it!

Ju tá na área. Tamos quase em Vinhedo. Hoje sabemos o caminho. Não tem dificuldade.

Olha o bar aí. Descemos todos juntos e vamos pra cozinha, digo, camarim. Copos de chopp Atlas. Suco de laranja. Garrafa de Smirnoff. Gelo. Saquinhos de batata, anéis de cebola, bolachinhas, este tipo de tira gosto. A porta com pano vermelho dá pro balcão do bar e pro local do show. Vou até lá pra checar a posição do palco que mudou. Ok. Antes ficava em cima do bar e agora ta ao lado.Um casal pede uma foto. Pode ser depois? Não? Então vai agora. Dex e Lu se dão super bem e seguem tricotando como fizeram em todo o trajeto. Fran vai bebendo. Esta loirinha entorna. Ô, e como entorna! Preciso cagar. Claro. Levo um copaço de HI-Fi e outro de chopp pro banheiro. Primeiro uns peidos. Depois, olha só: vem merda de verdade. Terminei. To limpo. Caraio, ao sair do reservado ouço um puta barulhão e vejo uma coisa aterrisando num canto escuro do quintal. Um paraquedista fantasma? Sei lá. Saio corrrendo e volto pra cozinha. Conto a história pro Roy e ele meio que não acredita. Mas arregala os olhos. Estarei chapado? Foram só poucos goles de goró. Sigo bebendo. Opa, aquele cara é o "rala côco", namorado da...Lili!!!!! Caraio, Lili, que saudade. Nossa ex-cantora e dançarina dá as caras. Que bom revê-la. Te amo, japonesa cretina!

Deu minha hora. Alongamento. To virando "Virgulino Sparrow". Virei. Show time.

Com esta mudança do local do palco, a galera fica exatamente no meu joelho. Molecada. Tem mocinhas tb. Espero que não role treta. Mas rola. Tamos tocando "Muito bem comida" e roda um pau federal bem na minha frente. Tem um cara sobre o outro metendo a porrada nele. Pessoas gritam e um clarão se forma na frente do palco. Tudo dura segundos. As luzes piscam e vejo um segurança entrando na minha frente. Ele mergulha sobre três carecas que parecem ser os responsáveis pela treta. Caraio. Como num passe de mágica ele retira os três, cirurgicamente. Desço pro meio da galera pra mostrar que ta tudo bem, que a briga acabou. Solto algumas frases de ordem como:

- Os shows das Velhas Virgens nunca tiveram ninguém ferido em vinte e três anos de vida. Não vai ser aqui em Vinhedo que vamos começar a mudar esta estatística.

O pessoal aplaude e voltamos pro som. A proximidade das pessoas faz com que alguns dos que estão bem á minha frente, notadamente mulheres, se desequilibrem e ameacem desabar sobre os retornos. Procuro ficar no limite do palco pra servir de anteparo. Melhor trombarem comigo que com o chão. São só mocinhas. Meio chapadas, mas mocinhas. E vamonóis. Chamei Juju. Passei gatinhando sob o balcão do bar em direção da "cozinharim". Trocado. Cadê Dex? Palco de novo. Agora tá tudo razoavelmente sob controle. Depois da retirada dos cuzões, ficou quem curte o som. E nosso público não quer briga: quer farra, breja e rock'n'roll. Reconheço muitos rostos com quem falo quase sempre no orkut. Olha a Gica. Olha a Cris. Tem mais, mas não lembro o nome. Tudo segue nos conformes, mas em "Blues do Velcro", como eu já esperava, Juju traz Lili. E Fran vem junto. Elas se esbaldam. Se divertem. Elas caem. Eu pulo em cima. Que legal. Que puta festa. O palco é pequeno, o bar não ta lotado mas a gente ta feliz.

Cabou. Me visto de mago. Cadê Dex, puta la merda? Sumiu? Só a vi uma vez durante o show. Peço que a encontrem. Pode estar chapada em alguma parte do bar. Pode ter sido sequestrada pelo paraquedista fantasma.

Palco de novo. Bis. Raul. Beleza. Acabou de vez.

Dex ta no camarim. To arrumando minhas tralhas. Latinhas nos bolsos do roupão amarelo. Hi-Fi na mão. Saio pra falar com a moçada. Fotos, autógrafos, beijos e abraços. Esta gente não sabe o bem que me faz quando vem aqui trocar idéias depois do show. Ta um frio do caralho, mas vale cada grau centígrado. Amo muito tudo isso. Se foram. Van. Frio. Dex me abraça e me aquece. Ela me diz que ficou com medo na hora da treta e que no fim sumiu porque foi ver o show lá de trás. Tamos sartando. Fran ta doidona. Pede que Van pare pra vomitar. Saio pra mijar. Peço que Roy segure a cabeça dela. Back on the road. Sampa.

Todo mundo brincando de asa e cada um na sua casa. Dex me acompanha neste trajeto dentro do condomínio entre a portaria e nossa casa. Eu amarelinho feito o piu-piu, com um tênis branco e outro preto, com as joelheiras arreadas nos tornozelos e as rodinhas da mala fazendo barulho na calçada. O sol já nos faz companhia. To jogando toda a roupa molhada de hoje e dos outros dias na máquina de lavar. Dex ta preparando um capuccino pra mim e café pra ela. Ela come um daqueles x-burgueres que estavam congelados. Eu como o que restou de uma pizza. Banho. Juntos. Hum. Vamos dormir. Sete e meia da manhã.

E fique preparada, nêga, que quando acordarmos eu quero lhe usar, visse?