terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Treme Japão - capítulo 2 - Bebum nas alturas



Brasil - 10 de dezembro de 2012 – dentro do avião - São Paulo – Segunda feira


Nossa Cia. aérea era a United. Já bastante inebriado pela cerveja consumida em terra, sinceramente não tenho certeza da capacidade de passageiros da aeronave, mas, diz a internet, que estes Boeings 777- 200 podem levar de 253 a 348 passageiros. Vc quer contar? Eu não! Vamos de classe econômica, bro. Aperto nos joelhos à vista!  Sentei-me ao lado do Adney, na cadeira 33 D. Retirei um batom preto usado para maquiagens em shows e escrevi “timão” na testa, ao melhor estilo “cara-pintada”. Uhu! Estávamos no ar. A doideira estava apenas começando.
Pedi uma cerveja pra aeromoça que disse que não poderia mandar nada antes da estabilização em velocidade de cruzeiro. De qualquer modo, o preço eram seis dólares. Malditos ianques exploradores! Mais pra frente vcs vão perceber que a cerveja é uma das razões desta viagem. Um fio condutor, eu diria! Cerveja, futebol e rock’n’roll. Só faltou o sexo!
Assim que o avião “endireitou”, começaram a servir e mandei vir logo meia dúzia de Heinekens de uma vez. A aeromoça estranhou e perguntou em bom inglês se poderia trazer 3 e depois mais 3 ao que eu respondi em spaghetti-english:
-         Bring my six Heineken right now! (traga minhas seis Heinekens agora mesmo!)
E lá estava eu, com minhas seis latinhas, infelizmente verdes, mas preenchidas pela melhor cerveja mundial. Claro que há melhores, mas comercialmente falando, Heineken é a melhor mundial, pois pode ser encontrada quase em toda parte. Bem, Heineken é a melhor das comerciais pra mim! Vc prefere Budweiser? Fique pra você. Quando ficar mais bêbado te conto sobre a Budweiser. Morra bud-light!
Lentamente as pessoas foram controlando sua euforia, tentando dormir e eu, como sempre, com olhos estalados. Eu simplesmente não consigo dormir em aviões, a não ser que esteja pra lá de trêbado. E como tenho evitado destilados, só movido a cerveja fica difícil travar. Serviram um rango e dada à quantidade de cerveja, comi feliz. Era uma espécie de picadão, incluindo carne, molho e batatas, junto com um arroz amarelo cuja consistência e o gosto beiravam o cuscuz. Tinha tb uma saladinha verde, pão e uma espécie de brownie de sobremesa. Estava bem gostoso. Acho.
Entre as aeromoças minha favorita era uma balzaca loira com belas pernas e ares de corista da Broadway. Tinha também um negrão meio careca de bigode e voz grossa. Confesso que tudo estava meio confuso diante da quantidade de birras que eu havia ingerido.
Opa, luzes apagadas. Adney desmaiou pra lá. Jorginho estava mais longe, devidamente adormecido eu imagino.
Entrei naquele transe, meio desmaiado, meio morto. Comecei a investigar os filmes, as musicas, os fones, mas nada me satisfazia. Seriam dez longas horas até Washington D.C.
Quer saber sobre a Budweiser? Muito bem, vamos jogar conversa fora. Quanto mais bêbado eu fico, melhor falo de bebida. Há três Budweisers no mundo, duas delas originárias da República Tcheca (Budweiser Budvar e Budweiser Bürgerbräu). A cerveja à qual eu me refiro é a tradicional empresa cervejeira americana com sede em Saint Louis, ainda que tenha sido comprada pela Inbev (maior cervejaria do mundo, administrada por belgas e brasileiros). A Budweiser é uma lager com 5% de teor alcoólico. A sua versão light tem pouco mais de 4% de álcool e é a segunda mais vendida no mundo, perdendo apenas pruma chinesa chamada Snow que, que eu saiba, só vende na China. Então, a cerveja mais vendida  em todo o mundo é mesmo a budlight. Este sucesso comercial influenciou cervejarias em todo o planeta a fabricar este tipo de xixi de gato em detrimento de cervejas com doses mais generosas de malte de cevada, lúpulos e fermentos diferenciados. Cervejas com aromas, sabores e cores definitivamente mais sedutores que esta coisinha sem graça chamada bud light. É por isso que em quase todo lugar bebe-se cerveja pseudo pilsen (na verdade, a bud light é uma american light lager = xixi de gato). Por ser uma cerveja com altas doses high maltose (é um açúcar idêntico ao encontrado no malte, mas extraído do xarope de milho), sem grandes nuances de aroma e sabor, bebe-se bem gelada pra que nosso paladar congelado não note que se trata de uma cerveja paupérrima (toda lager é paupérrima? Não! Toda Pilsen é paupérrima? Não! Bud light é que é paupérrima!). Muito bem. Foi assim que os americanos foderam a cerveja mundial com o sucesso da sua bud light. Estes mesmos americanos (outros, na verdade), indignados com a mesmice e a falta de ousadia e saudosos de boa cerveja, começaram uma revolução com suas ales lupuladas, suas receitas híbridas e fomentaram o renascimento da cerveja artesanal de qualidade. Os bares que fabricam e/ou vendem sua própria cerveja (brewpubs) proliferam nas grandes cidades do mundo. As microcervejarias cresceram tanto dentro do mercado a ponto da 3ª maior cervejaria americana ser a independente Sierra Nevada, Chico, California. E é por isso que, depois do Corinthians, meu interesse neste tour nipo-americano é conhecer bares e cervejas artesanais. Tanto em Nova Iorque quando em Tóquio há dezenas de pubs dedicados a este renascimento da cerveja. E quando eu não estiver no campo urrando pelo Timão, estarei num destes bares, aprendendo e degustando cerveja boa. É, mano... Eu já escapei da Matrix, da ditadura das pilsens “insossas”. E vcs? Alguém tem que apresentar para o Zeca Pagodinho algo melhor que Brahma. Nem que seja uma pilsen tcheca, esta sim, uma cerveja com história, sabor e personalidade que merece respeito. No Brasil há dezenas de excelentes cervejas artesanais. Sabe o que diferencia uma cerveja industrializada de uma artesanal: no caso da artesanal, quem decide o sabor da cerveja é o mestre cervejeiro e não o departamento de marketing. E tenho dito! Caraio, não sei como consegui concatenar tantas ideias neste estado etílico em que me encontro.
Estamos a milhares de pés de altura, aquele frio insuportável lá fora. Adney ensaiando um ronco digno de um urso ao meu lado. E eu acordado. As Heinekens acabaram. Vou ao banheiro. Adney não acorda. Pulo por cima dele e ele nem tchum. Volto do banheiro com mais uma Heineken que a aeromoça loira me vendeu com toda má vontade do mundo.
-         Give me 3, please!
Ela me vendeu apenas uma que, eu me prometi, iria ingerir lentamente. Opa! Achei aquele Guia do Torcedor que foi produzido pelo consulado brasileiro pra explicar pra gente como agir no Japão. Vamos ver se tem algo interessante. Hum, no Japão todo mundo é educado e sério e nada se resolve com o famoso “jeitinho brasileiro”. Eles não gritam na rua. Os carros respeitam a faixa de pedestres. Sei! São 95 linhas de trens e metrô além de dezenas de linhas de ônibus que ligam a cidade às províncias vizinhas. Tá! Mas o transporte público para de funcionar entre meia noite e uma da manhã e só volta ás 5 da matina. Ok. Neste hiato noturno de transportes públicos, o negócio é táxi. Uma corrida de 10 minutos pode custar 1900 Ienes ou 9 dólares ou dezoito reais. Tá certo. A base de cálculo do cambio é 1 dólar = 76 Ienes = 2 reais. Perfeitamente!
A maioria dos japoneses não fala inglês e quando fala, a gente não entende, porque a língua japonesa não processa th – lh – br - tr e letras como V e F. As ruas não têm placas com nomes. Peraê! Vamos ver se este bebum compreendeu algo: os caras não falam inglês (que eu tb não falo muito bem) e quando falam a gente não entende. Legal! Eu diria que estou fudido se não fosse o fato de ter um amigo de uma amiga que mora no Japão há mais de um ano, um acadêmico que faz pós graduação em engenharia chamado Afonso com quem tenho trocado e-mails e que se prontificou a ser nosso guia por lá. Ai sim! O cara parece entender um pouco desta língua misteriosa chamada japonês. E é até fã das Velhas Virgens. Já lhe passei uma lista de brew pubs que quero conhecer. Então, tudo pode dar certo, mamãe! Pelo menos uma coisa eu já sei falar em japonês: “bíru”. O que quer dizer isso? Cerveja! Eh, eh, eh! E por falar nisso, a Heineken se foi. E preciso mijar outra vez.
Indo! No trajeto, após pular por cima do Adney novamente, encontro uma procissão de zumbis como eu. Fila no banheiro, conversa jogada fora. Mijadinha básica. Saio e fico ali, solitário, encostado na porta, iluminado pela luz que vem do mictório e triste como quem fez uma colonoscopia. Tento ir até a primeira classe só pra ver como é. Peço pra conhecer a cabine do piloto. O comissário negrão careca me enxota. Volto pro corredor ao lado do banheiro. Fico ali, meio escondido pra não tomar outra enrabada do afrodescendente norte-americano. A esta alturas (sacou?) devemos estar sobrevoando o Caribe... Quem sabe a Jamaica... Ou Triângulo das Bermudas. Xiii! E se formos dragados por alguma força estranha, sobrenatural, do espaço? Porra, preciso de mais uma cerveja. Vou até a cozinha e encontro novamente o negão careca. Explico que quero mais uma cerveja, que pago por ela, que não consigo dormir que meu HIV tá em dia, que mastigo de boca fechada, que uso camisinha. Digo que “aqui é Corinthians”. Ele me observa sem dar muita importância e me diz que posso levar a cerveja de graça, mas para não aparecer mais por lá. É! Esta verdinha terá que durar até de manhã. Que horas serão no Brasil? E em Tóquio? Volto pro meu lugar, pulando novamente sobre Adney que me vê com mais uma cerveja e apaga de novo. Dorme como uma criança, o desgraçado! Vou tentar tb, pois!
Hum. Tem alguém me cutucando no escuro. Parece que dei uma cochilada. Graças a Deus não derrubei a cerveja. Opa, mais um cutuco. Abro os olhos e dou com o comissário negrão falando um português atrapalhado:
-         A sr. queria conocer o cabine do comander?
Faço que sim com a cabeça e ele pede que eu o acompanhe. Oba, finalmente alguma coisa pra fazer. Curioso o comissário de bordo se lembrar do meu pedido e ter a gentileza de viabiliza-lo no meio da madrugada. O avião segue às escuras com quase todo mundo apagado. Caminho atrás do aeromoço através dos corredores da primeira classe. Ele bate na porta da cabine de comando. Recebe autorização para entrar. Lá dentro, luzinhas e ponteiros se multiplicam no painel. À frente do manche, piloto e copiloto estão atentos, enquanto mais atrás um terceiro tripulante confere mais alguma coisa no computador de bordo. Curiosamente há luzes de uma cidade no horizonte.
Meu encantamento com a cabine de comando é interrompido por uma voz grave, proferida pelo piloto, em perfeito português.
-         Seja bem vindo!
Ele fala sem se virar para mim. Só vejo suas costas. Surpreso com seu bom português pergunto que luzes são aquelas lá na frente.
-         Acabamos de sobrevoar Tóquio. Ali, logo adiante, é Nagoya.
Na-go-ya? Como podemos estar nos aproximando de Nagoya se faríamos conexão em Washington DC para depois seguir para o Japão? Este piloto deve estar doidão. Mas que as luzes estão lá fora, estão. Antes mesmo que eu verbalize meu espanto, o piloto volta a falar, pesada e pausadamente, sempre em português brasileiro.
-         Resolvemos mudar a rota e vir direto para o Japão, voando em linha reta sobre o oceano pacífico. Vamos aterrissar em Nagoya em alguns minutos. É mais perto para vcs corinthianos, não é?
Que papo maluco! Mudança de rota! Aterrissagem em Nagoya? Que doideira era aquilo? E aquele piloto que falava comigo em português perfeito e sem sotaque?
-         Está vendo aquele edifício ali – seguiu o piloto - É o Hotel Hilton de Nagoya!
Eu não estava vendo nada! Mas sabia que era no Hotel Hilton que o elenco do Corinthians estava hospedado para o primeiro jogo, a ser realizado em Toyota, na quarta feira, dia 12.
-         Então... Vamos aterrissar ali.
-         Ali onde? – indignei-me
-         Ali – ele apontou com o dedo - bem no meio do edifício... A la 11 de setembro...
A gargalhada que se seguiu àquela frase bizarra me deixou aterrado. Ato contínuo, piloto e copiloto arrancaram suas fardas e exibiram camisas verdes do... Palmeiras. Minha nossa senhora: a porcada tomou o comando do avião pra eliminar a nós torcedores e toda a delegação Corinthiana num só golpe. Famigerados! Miseráveis! Não, não, mil vezes não! Aquilo não poderia ser real. Alguém me acuda!
Escuro.
Silencio.
Eu estava de volta à minha poltrona.
Tinha sido um pesadelo. Graças a São Jorge, apenas um pesadelo, puta que pariu!
Com o coração ainda disparado, dei uma olhada de longe para uma das janelas e vi que as luzes de um novo dia estavam surgindo no horizonte. Respirei fundo. Washington DC se aproximava sem palmeirenses à vista. Apaguei.
Por volta de 8h00 da manhã, horário da capital americana, devidamente "encafezados" pela aeromoça corista da Broadway, nosso avião tocou o solo com suavidade inesperada sob os gritos amanhecidos de “Vai Corinthians”. Passamos a noite nas nuvens e amanhecemos na gringa. No Brasil era coisa de onze e pouco da matina. Íamos finalmente verificar se meu visto americano funcionava. Era hora de testar esta nova etapa do relacionamento Brasil-EUA, onde os turistas brasileiros, dizem, passaram a ser bem vindos. Ok, é só uma escala. Mas já é um começo. Na volta ainda teremos quatro dias em Nova Iorque. Uhu!
Nossa partida para Tóquio estava marcada para 11h20, horário de Washington. Tínhamos cerca de 3 horas para sair de um voo com mala e cuia, vencer o interrogatório dos federais e entrar no outro vôo. Amanhecia a segunda feira em terras americanas, mas no Brasil já era quase hora do almoço. Então, nada melhor que pisar solo estadunidense com pé direito, ou seja, tomando “uma ou doze” cervejas num bar. Oh, yeah!
É impossível para um roqueiro de alma como eu pisar pela primeira vez nos Estados Unidos sem sentir uma emoção estranha. Foi aqui, neste país, que nasceu o ritmo que embala minha embriagada vida desde que me conheço por gente. Centenas de ídolos, dezenas de lendas e histórias... Tudo começou da união do Blues, do Hillbilly e do Country. Negros, caipiras, Chuck Berry, Elvis. Porra, tô em casa!
Inicialmente o Washington Dules International Airport parece pequeno. Fomos caminhando em fila indiana para realizar a checagem de documentos e etc e tal. Sempre dá um frio na barriga, pois é o momento em que nos lembramos de histórias de conterrâneos que foram barrados e mandados de volta pra casa sem sequer ter a chance de pisar a terra do tal Tio Sam.
Antes da checagem da aduana, nosso trabalho foi apenas pegar as malas em uma esteira e coloca-las em outra para que fossem devidamente embarcadas no voo seguinte, cujo destino era o Japão. Simples assim.
Piadas e rostos amassados. Na fila propriamente dita, que dava acesso aos guichês da polícia federal, os funcionários demonstravam descontração e até bom humor. Prova disso era aquela policial baixinha e gorducha que, antecipando as comemorações de natal, usava adereços de “Mamãe Noel” na cabeça. Sorridente, respondeu bem ao meu desejo de happy Xmas antecipado.
Movimentação lenta. Anda, para! Opa! De repente lá estava eu exibindo meu passaporte para o policial. Duas ou três perguntas sobre a conexão e nosso destino, uma observação sobre a clara ligação da maioria dos passageiros, vestidos como guerreiros corinthianos e eu tava, oficialmente, dentro dos Estados Unidos da América – Land of the free, home of the brave (terra dos livres e lar dos valentes) como diz o hino nacional americano. Ainda fui vasculhado num scanner de corpo inteiro. Não deu nada. Eu tava dentro. É noise!
Jorginho (que tb foi escaneado) e Adney vieram em seguida, assim como Rodrigo Preto e toda a tchurma que eu ainda não conhecia direito e muito menos sabia seus nomes. Era muita gente, mas com o passar dos dias, nossa gang de dementes dentro do bando loucos arregimentaria 10 ou 12 parceiros mais assíduos que em breve tocariam o terror em terras japonesas e também americanas. Nosso exército alvi-negro de elite. Era esperar pra ver!
 Cá estamos nós, caminhando livres pelos extensos e aparentemente infinitos corredores do Dulles Airport. Muitos procuram café da manhã. Outros, janelas para contemplar as redondezas. Jorginho quer um adaptador para carregar seu celular. Adney coloca sua bandeira do Timão sobre um display em tamanho natural de Barack Obama. Eu, após despejar dejetos líquidos, pastosos, semi-sólidos e gasosos no banheiro, passo a procurar um bar. Simbora beber, minha gente!
Vou prum lado, pro outro e não acho nada melhor um pub chamado Tidewater Landing Bar, com muitas garrafas de vários tipos de bebida, cerca de 10 cadeiras em torno de um simpático balcão de madeira, outras 10 mesas pelo salão e mais oito bicos de chopp com algumas variedades bem interessantes, todas americanas, a maioria de estados vizinhos. Da esquerda pra direita, o primeiro bico tem Flying Dog IPA, fabricada em Frederick, no estado Maryland, facilmente encontrada no Brasil. Tomo duas destas, com pouco mais de 7% de teor alcoólico. As IPAs (india pale ales) são minhas favoritas. O segundo bico abriga uma amber ale chamada Fat Fire, fabricada pela cervejaria New Belgium, em Fort Collins, no Colorado, no centro dos EUA. Mano um pint pra baixo (Pint é a medida de volume que eqüivale 665 ml; curiosamente, um pint americano vale 473 ml e um inglês 568 ml; basicamente é a capacidade do copo onde é servido chopp).Terceiro bico, Samuel Adams, a maior cervejaria totalmente americana, uma lager fabricada em Boston, Massachussets. No quarto bico, uma Yuengling beer, fabricada na Pensylvania, a mais antiga cervejaria americana, em atividade desde 1829, empatada em primeiro lugar junto com a fabricante da Samuel Adams (Boston Brewing) como a maior cervejaria americana. Além de ser a cerveja favorita de Barack Obama. Boa cerveja. Bico 5: Old Dominium Ale, produzida no estado de Delaware , que fica ali do lado, entre Maryland e New Jersey. Bebo uma. Bicos 6 e 7: Bud Light (argh!) e Budweiser, respectivamente. Nosso bartender, Richard, me explica que aquela Budweiser é fabricada ali mesmo no estado onde estamos (Virginia) e que por conta disso tem um sabor todo especial. Não me comovo com isso e declino de degusta-la. No último bico uma clássica cerveja de trigo (Hefeweizen) que vem diretamente da cidade de Portland, Oregon, fabricada pela Widmet Brothers Brewing. Tá bom ou quer mais? Como um sanduíche de ovo meio estranho junto com Jorginho e Adney. Isso vai virar gás em breve. Enquanto outros corinthianos vão chegando e bebericando também, Richard me explica que do mesmo modo que no distrito federal aqui no Brasil, a capital americana, que como sabemos se chama Washington District of Columbia, é um distrito autônomo. E fica espremido entre os estados de Maryland e Virginia, na costa leste. O aeroporto onde estávamos, por exemplo, estava no estado de Virginia. Washington mesmo não tem aeroporto e é servido por três, todos em outros estados.
Edu, mais um do bando que decorei o nome, queria dar uma volta fora do aeroporto no que foi desaconselhado por Richard, uma vez que estávamos num subúrbio a 32 km do centro da capital americana, sem nada de interessante pra fazer a não ser perder o embarque para Tóquio. Edu não curtia cerveja e foi de vodka. Seguimos todos bebendo. Chegaram Rodrigo e seu parceiro de quarto, Tabajara. Chegou mais gente: o lendário Dalmir, Rochinha, Rapha e Falconi. Mas estes eu ainda não identificava pelo nome.
Estávamos tão longe do local do reembarque que era preciso pegar um trem interno pra chegar lá. Puta aeroporto gigante, mano!
Fui gastando meu parco inglês que ficava pior a cada gole. Adney resolveu beber um red label. Engatei uma tequila pra não ficar atrás. Contei pra bar woman que era casado e tinha uma filha, mostrei a foto, disse que já tava com saudades. Ela perguntou por que ela e minha esposa não estavam comigo e expliquei que estava viajando a trabalho, para buscar a taça, vcs sabem! A conta deu 65 dólares. Viva o Visa. Saímos dali semi atrasados, mas felizes da vida e bastante breacos. Nenhum de nós ia pilotar o avião, portanto podíamos chapar o coco!
O trajeto parecia fácil! Era só descer uma escada rolante e pegar o trem. É bem verdade que até este trem havia uma longa caminhada incluindo passarelas rolantes. E com a bebedeira e a alegria geral, acabou sendo um trajeto meio tenso, uma vez que o trem não tinha motorista e andava numa velocidade violenta pelo subsolo. Era bem engraçado se debruçar no vidro da frente e ver os trilhos passarem a mil. Foram 3 ou 4 estações dentro do aeroporto e chegamos. Mais uma escada rolante e lá em cima, na frente do embarque, descobrimos um novo bar chamado PotBelly onde encontrei uma preciosidade: uma garrafa de Sierra Nevada Pale Ale. Gente, que lúpulo refrescante! Que aroma, que sabor! Todos “escalaram” a Sierra Nevada e a esta altura já tava todo mundo bem doidão. Antarctica? Não sei o que é isso (deixando claro que meu problema não é com cerveja brasileira, mas com cerveja sem alma – e sem malte de cevada).
Lá fora, no rabo da nossa aeronave, estava escrito ANA, o nome da companhia aérea parceira da United que nos levaria ao nosso objetivo. By the way, Ana quer dizer All Nippon Airways.
As aeromoças já anunciavam o tom gentil e prestativo, recheado de sorrisos e simpatia, que nos acompanharia por 14 horas. Vai Corinthians, poropopó... Adentramos à ANA, que era quentinha, cheirosa e muito solícita. Íamos todos passar a noite com a ANA. Ai, ANA...
Como estávamos voando na direção contrária ao movimento de rotação do planeta, sairíamos de Washington na segunda 11 horas da manhã pra chegar ao Japão já na terça, 3 da tarde. Loucuras dos fusos horários. Na volta do Japão a coisa seria o contrário: saída de Tóquio na segunda (17/12) ás 3 da tarde pra chegar a Nova Iorque na mesma segunda, 4 da tarde, mesmo após 14 horas de vôo. E to bebão... E não posso explicar mais nada!
Minha poltrona é a 33 k, a da janela. Adney está novamente grudado comigo. Acho que pelo fato de termos fechado o pacote juntos, nossos assentos serão sempre lado a lado. Na ponta esquerda, um japonês de bigode, cabelos grandes e semi-careca. Um samurai?
Mal levantamos voo e pedi, como esperado, uma cerveja. Novamente a informação foi de que o serviço só começaria após a estabilização a determinada altura. Ok!
Engatei uma conversa com o japonês, explicando que éramos todos torcedores de um time de futebol brasileiro que disputaria um torneio no Japão. Adney foi ensaiando um bode. Papo vem e papo vai, comentamos sobre a longa duração da viagem e ele veio com o comentário de que pra ele seria pior, pois ainda teria que encarar mais sete horas de voo depois de Tóquio. Perguntei em que região do Japão ele morava e ele respondeu Vietnã. Porra. E eu tirando o cara de japonês só por causa dos olhos puxados. Falha nossa! Tentei “passar um pano” dizendo que os orientais parecem todos iguais para nós ao que ele retrucou dizendo que para ele os ocidentais também parecem iguais. Chupa, Paulão!
O serviço começou e as deliciosas, digo, atenciosas aeromoças japinhas nos forneceram Rice Cracker (salgadinho de arroz) de tira gosto e toda... E toda a bebida que pudéssemos beber. Quer uísque? Ok! Quer Saquê? Taqui! Vodka, Run, vinho, tudo na mão. E cerveja? Hum. O arsenal era variado: várias versões de Sapporo, Kirin, Asahi e Suntory, até onde eu sei, todas grandes cervejarias comerciais japonesas, muitas delas encontráveis no Brasil. Tudo de graça (fuck United!). Uma das curiosidades das cervejas japonesas é que muitas delas utilizam arroz em sua receita. Vamos à aula? A Saporo é fabricada na cidade do mesmo nome que fica bem ao norte do Japão desde 1876 e é a mais antiga cervejaria do país. O grupo que fabrica a Kirin que, como já disse, é o novo dono da Schincariol (o que significa que é também dona da Eisenbahn, da Baden Baden e da Devassa) começou suas atividades em 1885. O pessoal que produz a Asahi faz também saquê, vinho e refrigerantes e tem fábricas na Europa, Canadá e Japão. A Suntory, originaria de Osaka, tem fábricas em todos os continentes, fabricando bebidas desde 1899. Ouvi falar dela pela primeira vez vendo o filme Encontros e Desencontros, aonde Bill Murray vai ao Japão gravar um comercial do uísque Suntory. Bem, apresentações feitas, simbora experimentar todas elas lembrando que uma das minhas intenções na viagem é beber cervejas artesanais. Ok, vou fazer este sacrifício e beber as brejas comerciais que tenho a bordo. Qualquer coisa peço pro piloto para numa conveniência e compro mais alguma coisa!
Adney se animou e começou a nadar de braçadas no mar do uísque. Eu fui comendo o Rice Cracker e experimentando todas as cervejas. Destaque para uma Suntory escura, escorpada.
Voltei meu papo com o vietnamita que me disse que trabalhava em Washington DC como engenheiro. Não me contive e perguntei sobre a relação dele e de seu povo com os americanos em função da guerra do Vietnã e tal. Ele me disse que tudo ficou no passado e que os americanos dão boas oportunidades de emprego para os vietnamitas. Perguntei sobre a cerveja vietnamita e ele me disse que há muita variedade de cerveja asiática e que a mais popular chama-se Bia Há Noi, que a internet diz ser a cerveja mais barata do mundo, custando cerca de 30 centavos de real. Sobre bebidas mais fortes ele disse que os vietnamitas gostam de misturar drinks famosos, tipo Sex on the Beach com Blood Mary... (como será que esta mistura se chama? Sex with Mary? Ou Blood on the beach? Falou também que em sua terra tem uns vinhos exóticos em cujas garrafas são colocadas cobras e/ou lagartos. Aí, parei que já estava me embrulhando o estômago.
Lá vem o jantar, incluindo misoshiru, aquele caldo salgado de peixe e soja fermentada que eles servem para abrir o apetite. Tem tb macarrão branco frio, uma espécie de repolho bem fininho cozido, uma salada verde com dois camarões em cima e quatro arranjos sobre folhas de repolho (é o que parece), com recheios de camarão, purê de batata, cenoura e umas gosmas com gosto de peixe que eu não sei o que são. Comi tudo com gosto.
Ao final da refeição, chá preto ou café. Durante o rega bofe, senti que ao pedir ou perguntar coisas para as aeromoças era visível a dificuldade delas em entender meu inglês assim como a minha de entender a curiosa pronúncia delas. Esta era uma indicação de que o entendimento verbal seria mesmo complicado em Tóquio.
A comunicação por escrito certamente seria ainda mais problemática. Os japoneses escrevem através de Kanjis ou ideogramas, aquelas arvorezinhas estranhas que têm milhares de detalhes e cada detalhe um significado diferente. Sua origem é chinesa. No que diz respeito ao japonês falado, por mais variações que existam de Kanjis, ou seja lá do que for, tudo que eu ouço quando eles falam japonês é “curi-curi-curi”. Bem, deixemos isso para quando chegarmos ao Japão.
Havia uma infinidade de opções de áudio e vídeo para distrair durante as 14 horas de voo. O disco mais recente do Bruce Springsteen, o novo de Bob Dylan. Clássicos como Pet Sounds dos Beach Boys, Sgt. Pepper dos Beatles. Tinha tb uma coletânea de musica clássica com, por exemplo, as quatro estações de Vivaldi que eu nunca ouvi por inteiro. Não me critique: sou do rock!
Olhei pela janela e, observando o mapa com o curso do nosso voo, notei que estávamos subindo em direção ao Canadá. O sentido era totalmente norte, como se estivéssemos contornando a circunferência da Terra no sentido no polo norte. Lá embaixo, ainda com alguma luz, foi possível observar as terras ficando brancas. No mapa dava para ver que havíamos passado sobre Toronto e que seguíamos para a grande Baía de Hudson, que parecia apenas um grande lago congelado naquela estação. Tudo branco. Esta sensação de estarmos fazendo uma rota em semi circulo é falsa. Na verdade estávamos indo em linha reta, no sentido de sobrevoar o Canadá, passar bem acima do Alasca e seguir sobre a ponta mais ao oriente da Sibéria, começando uma espécie de descida (a Terra é redonda, dizem) em direção ao Japão.
Eu ia ouvindo música, bebendo cerveja, comendo salgadinho e monitorando a janela. Que medo!  A esta altura só o que se via lá embaixo pela janela era gelo. Brancura total. Não sei se as temperaturas abaixo de zero que envolvem os aviões em grandes altitudes seriam muito diferentes das que castigavam o solo daquela parte pra lá de inóspita do nosso planeta. Imagens que a gente só vê em documentários e filmes. Uma queda naquele fim de mundo gelado certamente daria perda total. Deus me livre! Tenho minha filha pra criar e trabalho a fazer no Japão que vcs sabem qual é! A taça, porra!
No mapa virtual da aeronave, bem á minha frente, era possível ver nosso deslocamento dentro da noite. Fui bebendo e vez por outra pedia licença aos vizinhos para devolver o líquido no banheiro. Às vezes não pedia licença e pulava por cima deles. Nestas ocasiões encontrava amigos cujo objetivo era o mesmo que o meu, como no outro voo. E a ansiedade pelo conhecimento de um país tão distante geográfica e culturalmente só não era maior que a vontade de fazer o tempo correr logo pra que nos víssemos dentro do estádio, de bandeira e coração em punho pra vivenciar aquilo tudo. Vai Corinthians!
Adney estava bem doidão. Eu tb. Mas ele tava mais. Em determinado momento surgiu com três copos de uísque. No meio da comemoração por tal conquista alcoólica um dos copos foi devidamente derramado sobre mim. No problem. Isto vai apenas embebedar meu pinto e ajuda-lo a dormir. Além de mijar, é difícil achar alguma utilidade pra ele durante o voo. A não ser que alguma aerojapa tente me violentar. Aí, sob o domínio de artes marciais milenares e práticas ninja, nada poderei fazer Dex, senão deixar-me seviciar por estas vampiras esbranquiçadas. Pobre de mim!(acho que tô bem doidão mesmo)
O álcool nas nossas veias deixava muitos de nós agitados e as caminhadas para lá e para cá aconteciam em fila indiana como uma procissão de zumbis, uma walking dead a 10 mil pés de altura. Na transição dos fusos, eu já não sabia mais que horas eram. Lá fora estava escuro. Aqui dentro também. Chapado, não lembrava mais a diferença de horário para o Brasil. A única certeza é que chegaríamos ao Japão pelas 3 da tarde da terça feira, dia 11, enquanto no Brasil seria coisa de duas da manhã da mesma terça feira dia 11. 13 horas de diferença, com o auxilio do horário de verão. Coisa louca.
Sentamos e sossegamos o facho. Adney finalmente apagou depois de me dizer que estava tão louco que chegou a fumar no banheiro, coisa que poderia lhe render uma multa poderosa. Maldita nicotina!
A noite não me impedia de ver o chão lá embaixo. Notei quando o continente americano terminou e o momento em que começamos a sobrevoar o lado gelado da costa oeste da Ásia. E tudo que conseguia ver eram pequenos fios escuros, como rios ou rachaduras no relevo coberto de gelo. Este panorama não se alterou por muito tempo até que, com uma luminosidade exterior mais intensa, identifiquei luzes sobre o que deveria ser o mar de Bering, no estreito que separa a Ásia da América, ou a Rússia do Alasca. Um barco, quem sabe. Depois disso, brancura novamente. Mais tempo passou e uma península surgiu no pacifico norte. Já havia sol no visual. O gelo total foi sumindo e já dava pra ver algumas montanhas. Quanto tempo de viagem? Sei lá. Tava bebum. Cansado. Deveriam faltar umas 5 horas até nosso destino. Aviso aos navegantes: a classe econômica deve ser evitada para viagens acima de 8, 9 horas. Puta aperto. Chega uma hora que não há mais posição pra ficar! Meu vizinho Adney tomou algum comprimido e apagou de vez. O vietnamita estava com semblante de corrimão de puteiro.

(amanhã o voo bebum segue)