quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

TREME JAPÃO – CAPÍTULO 3 – FINALMENTE, O JAPÃO



No ar - 11 de dezembro de 2012 – dentro do avião - Sobrevoando o Pacífico norte – terça feira

Certamente já era terça feira no Japão há muito tempo. Meu relógio... Bem... Meu relógio marcava o horário do Brasil.. Por volta de onze da noite em terras tupiniquins. Em Tóquio, dez e pouco da manhã. Hum. Lá embaixo ainda havia muito gelo sobre o mar. A ressaca já me consumia. Mais rango. Aliás, houve muito rango e sanduíches na noite além de café da manhã. E já se avizinhava o almoço. Este serviço da ANA foi o melhor até agora. A Ana é gentil e ao menor sinal de uma necessidade nossa, seja um copo d’água ou algo para mastigar, a ANA imediatamente atende nossos desejos, inclusive os mais perversos, como três latas de cerveja ao mesmo tempo, ou uísque, vodka e saquê. Eta lugar bão de beber, sô!
O norte do Japão apresentou-se com poucas aglomerações urbanas. Ali de cima não dava pra saber se eram cidades ou vilarejos. Só o que ficava clara era a grande quantidade de florestas e a pequena presença humana. Mas uma coisa deixou-me particularmente feliz: tava tudo branquinho. Neve, mano. Neve! Já disse que nunca toquei em neve. Não digo que nunca vi, porque já vi em fotos e na TV. E, como já disse, uma das minhas aspirações era descobrir que “apito toca” pegar, sentir a consistência da neve.
Seguíamos descendo em direção à capital japonesa, segundo nosso mapa virtual na frente da poltrona. Como cachorro andando de carro, eu estava com o nariz amassado junto ao vidro, consumindo cada centímetro que pudesse ser identificado da janelinha do avião. Um vulcão, um tsunamizinho, uma cratera, gueixas nuas em piscinas calientes, montanhas com formatos fálicos, Ultraman, lutadores de sumô bêbados ou qualquer coisa, porra!
Olha só, uma espécie de vulcão com um grande lago dentro! Fantástico. Chamei a atenção do Adney que imediatamente fotografou a parada. Pesquisas posteriores indicaram que como vulcão no Japão é mato, logo, ficou difícil identificar qual foi aquele cheio d’água que eu vi do avião. Na próxima vez que for a Tóquio de avião vou perguntar a alguma das aerojapas o nome do acidente geográfico assim que o avistar novamente. Neste momento fico feliz de te-lo visto, já que no Brasil, como todos sabemos, não tem vulcão. E já que estamos mostrando a faceta informativa deste compendio alvi-negro, saibamos um pouco mais do Japão, ora pois. Largue de ser preguiçoso e não se atreva a pular estes parágrafos instrutivos que estão por vir. Porra!
O outro nome do Japão é Nippon e quer dizer algo como origem do sol e por isso muita gente chama o Japão de “Terra do Sol Nascente”. É formado por 6852 ilhas sendo as quatro maiores Honshu, Hokkaido, Kyushu, Shikoku. São ilhas montanhosas de origem vulcânica formadas por cerca de 70% de florestas. A população se concentra nas planícies costeiras, já que o centro é bem montanhoso mesmo, como dá pra ver daqui do avião. Entre os 80 vulcões ativos no Japão, o mais famoso é o Monte Fuji, pelo qual deveremos passar para ir a Nagoya ver o Timão amanhã. O Japão é o 10º país mais populoso do mundo e quem manda no Japão é o primeiro ministro. O Imperador só enfeita. Os japoneses tem a 3ª maior economia do mundo, a maior expectativa de vida do mundo (81 anos), mais de mil terremotos sensíveis por ano e uma das maiores taxas de suicídio do planeta. Ou seja, se vc é japonês ou vive no Japão, pode viver muito se não for pego por um tsunami, um terremoto, um tufão, uma erupção ou se conseguir suportar àquela vontade irresistível de se matar. Os japoneses, em sua maioria, são Budistas ou Xintoístas. Budismo vc sabe o que é. Diz a Internet que o Xintoísmo foi a primeira religião japonesa, incluindo o culto à natureza, à fertilidade e a heróis, técnicas de adivinhação e xamanismo. Mas meu amigo Afonso, que vive aqui no Japão, diz que muitos japoneses que ele conhece afirmam que o país  é agnóstico. Achei uma definição interessantíssima para os agnósticos na Internet: no sentido popular, o agnóstico é alguém que não acredita, nem descrê (da existência de Deus). Em cima do muro total!
Dos dois milhões de estrangeiros que vivem no Japão, 300 mil são brasileiros, constituindo a terceira maior colônia de imigrantes. Japoneses adoram Judô, Karatê, Kendô e Sumô, mas o esporte mais popular é o basebol. O futebol tem crescido na preferencia especialmente dos jovens e é o segundo esporte mais praticado nas escolas. A molecada gosta de jogar bola! Vão ter uma aula disso com o Timão. Bem, se não tiverem aula de futebol com o Timão, vão ter aula de como torcer até a morte com a Fiel. Pelo que me disseram, os japoneses acompanham intensamente pela TV os campeonatos europeus de futebol, especialmente o inglês. Logo, a japaiada deve torcer pro Chelsea. O máximo que teremos é a torcida dos brasileiros que vivem aqui e mais algum maluco que torcia pros times do Danilo e do Emerson que jogaram a J-League (campeonato japonês). A expectativa é que muitos corinthianos venham do Brasil e do resto do mundo. É uma situação inédita, afinal é a primeira vez que disputaremos um mundial interclubes fora do nosso país. O primeiro foi no Brasil, em 2000, com presença de dois times europeus (Real Madrid e Manchester United) e na final nós vencemos o Vasco nos pênaltis em pleno Maracanã. Veja bem, dois times europeus, enquanto nos campeonatos atuais vale o sistema highlander, ou seja, só pode haver um europeu. Alguns cretinos dizem que não valeu, que foi torneio de verão. Uma tal de FIFA (conhece?) diz que valeu. O resto realmente não interessa. A taça tá no Parque São Jorge e viemos buscar a segunda. E tenho dito!
E nesse papo furado, mais uns cochilos e tal estamos em processo de descida em Tóquio. O avião faz uma curva bem aberta sobre o oceano e aponta para o Aeroporto Internacional de Narita, uma cidade de cerca de 100 mil habitantes que fica na parte oriental do Japão, antes de Tóquio pra quem vem do norte como nós. Fica a cerca de 80 km do centro da capital japonesa, quase nada pra quem voou 19 mil km do Brasil até aqui.
Novamente o avião toca o solo com suavidade. Estes pilotos de longas distancias são mesmo foda! Todo mundo animado, pegando malas nos bagageiros, aquela demora natural pela quantidade de vagabundos dentro da aeronave e lá vamos nós, corredor após corredor. Ao recolher minha bagagem na esteira cometi um erro e coloquei minhas malas no mesmo carrinho do Jorginho. Fomos juntos na hora de passar pelos caras da imigração e o japonês veio numas de tirar sarro, perguntando se estávamos juntos, como se fossemos um casal gay. Gastei meu parco inglês dizendo que o motivo da vinda era o Corinthians e que éramos apenas amigos, porra. Falei que a viagem duraria uma semana, falei do hotel e tal. Eu tava de cabelo solto, com as tatuagens à mostra, e acho que ele pensou: “este maluco deve estar limpo, mas o outro deve estar com alguma coisa em cima”. Resultado: o policial japa levou Jorginho pruma sala reservada dizendo que queria ver o que ele tinha nas malas. Eu passei batido e dentro em pouco já encarava o vento intermitente do Japão na frente do desembarque. E tinha corinthiano pra caraio! Mohamed estava organizando a galera pra levar-nos a todos para os ônibus e na seqüência para o hotel. Todo mundo do lado de fora e Jorginho, nada! Já estava batendo uma preocupação quando ele deu as caras. A história que se seguiu parecia coisa de cinema. Os japas encanaram que ele tava com “alguma coisa” em cima. Reviraram sua mala, questionaram uns cigarros mentolados, apalparam sua roupa e destilaram ironia. Jorginho tava sossegado, pois tava limpo. O cara é pai de família e empresário, porra! Mas este episódio foi o suficiente para começar uma gozação sem fim com ele. Tem que aturar, bro! Cara de traficante é problema! Eh, eh, eh!
A cada vez que a porta automática do aeroporto se abria vinha uma lufada gélida de vento indicando que do lado de fora pingüim estava usando cobertor. Fomo-nos juntando, alguns foram comprar ienes e logo após nos encaminhamos para os três ônibus amarelos. Antes de partir, fotos e cânticos corinthianos protocolares. É noise!
O caminho até o hotel foi bem longo e cheio de piadas. Através do vidro, já em Tóquio, fomos ficando maravilhados com as novidades, com os elevados e pontes, com os motoristas na mão inglesa, tudo era motivo de comentários, apesar do cansaço. Éramos aproximadamente 100 torcedores do outro lado do mundo, a maioria sem as mulheres, como numa viagem de colégio 30, 40,50 anos após o fim da escola, com grana no bolso e sendo donos dos próprios narizes. Que aventura! Ao entramos na cidade de Tóquio propriamente dita, começaram os congestionamentos. Passamos por um túnel em espiral, parecido com um acesso de estacionamento de shopping center, que desceu tanto, mas tanto que achei que íamos chegar ao Anhangabau, em São Paulo. Desceu e depois subiu. O engarrafamento deixava nosso trajeto moroso. Eu tava preocupado, pois tinha marcado com o Afonso pelas nove da noite pra gente sair e conhecer um daqueles bares de cerveja artesanal que eu to falando o tempo todo. Eu não queria perder aquela noite. Toda hora é hora de beber, papai! E Tóquio? Qual é a de Tóquio?
A grande Tóquio é a maior área metropolitana do mundo, com mais de 32 milhões de pessoas, mas dependendo da referencia geográfica utilizada (que pode incluir mais e mais cidades, vila e bairros próximos), a população total pode chegar a mais de 42 milhões de pessoas. A alta densidade demográfica da região induz a números diversos. É tudo muito grudado! É como se a região metropolitana de São Paulo (que está em quarto neste ranking populacional, com cerca de 20 milhões) pudesse ser somada à cidade de Campinas, por exemplo, que ao olho do satélite já se confunde com Sampa, sim senhor. Nova Iorque é a quinta maior área metropolitana do mundo, pouco atrás da gente.
Tóquio quer dizer Capital do Leste e foi fundada em 1457 com o nome de Edo ou Yedo. É a capital do país e também a capital de uma das 45 provinciais que formam o país. Já foi destruída por erupções, incêndios e terremotos mais de uma vez. Os episódios trágicos mais recentes aconteceram em 1923, com um terremoto, que ficou conhecido como o Grande Kanto, que acabou com um terço da cidade e matou mais de 140 mil pessoas e durante a segunda guerra mundial, quando os bombardeios dos aliados mataram mais de 150 mil habitantes. O terremoto que gerou o tsunami na região de Tohoku, em 2011, apesar de ser uma grande catástrofe, contabilizou números menores, cerca de 30 mil vítimas, entre mortos e desaparecidos. Tóquio (e o Japão, por extensão) tem pratica em ressurgir das cinzas, como atesta a história. 
Na verdade, diz a Internet, a cidade de Tóquio propriamente dita não existe. Cumé? Calma! Eu explico! Trata-se de uma reunião de bairros, cidades e vilas, cada qual com um governo regional. É uma região tão peculiar que há ilhas que fazem parte de Tóquio que estão há muitos quilômetros de distancia, no meio do Oceano Pacífico, como por exemplo Okinotorishima, a nada menos que 2 mil km no meio do mar. É como se uma parte da cidade de São Paulo estivesse no meio do Amazonas.
Tóquio possui o mais extenso sistema de transporte metropolitano do mundo. Só estações de metrô são 283, com 292 km de linhas, cinco vezes o que temos em São Paulo. A estação de Shinjuku, por exemplo, recebe mais de 20 milhões de passageiros por dia. Para enfiar o povo pra dentro das composições e compacta-los como sardinhas existem funcionários especializados chamados Oshiyas.
E chega de nhé-nhé-nhém que tamos cara a cara com o Sunshine City Prince Hotel, 11 andares, 1146 quartos, três restaurantes, loja de conveniência 24 horas, SPA, massagens, tudo devidamente acoplado a um shopping center do mesmo nome. Japão, a Fiel chegou... Em grande estilo!
Dentro do busão o clima era descontraído e até caliente, mas para entrarmos no hall do hotel era preciso atravessar um curto trajeto gelado. Tava frio na rua, bro! Coisa de uns 5 ou 6 graus. Convenientemente, o acesso de entrada para o Sunshine City tinha duas portas em seqüência, com um pequeno corredor entre elas, pra evitar que o frio estragasse o agradável clima da portaria, com seus 20 e poucos graus de calor. Quando uma porta abria, a outra ainda estava fechada. Quando a segunda abria, a anterior se fechava.
Muita gente, filas, bate papos, informações, preenchimentos, quartos. Eu e Adney fomos para o 911, Jorginho estava dois quartos pra direita, mas o andar estava tomado de corinthianos, assim como ficaria toda a cidade.
No Japão, até pela falta de espaço e excesso de gente, casas e cômodos são, em geral, bem compactos. O nosso quarto não era diferente. A primeira porta á esquerda é o banheiro. Depois o quarto propriamente dito, com um armário embutido, duas camas de solteiro, dois criados mudos, uma espécie de penteadeira, uma mesa com cadeira, uma mesa com TV em cima e frigobar embaixo. Era isso. Jogamos as malas eu dei uma arrumada nas coisas no armário, socando minhas 20 camisas do timão lá dentro. Sim, eu trouxe 20 camisas pra 11 dias de viagem. É demência de torcedor.  O lado de lá do quarto, perto da janela, ficou pro Adney. Acionei o lap top e coloquei-o sobre a mesa. Liguei pra Dex do telefone do quarto, disse que cheguei e que tava com saudades. Já havia feito isso pelo celular em Washington, mas aqui meu telefone móvel não tinha sinal. Depois descobri que meu celular não  estava habilitado a funcionar no Japão, sei lá por que. Livramo-nos de dejetos de várias consistências. O banheiro tinha uma banheira pequena (insuficiente pra que recebesse um adulto ocidental deitado), pia e uma privada high tech, com um painel ao lado direito do assento com uma série de botões. Pelo que percebi, havia um botão pra borrifar água no fiofó, outro que faria o mesmo nas partes íntimas femininas. Tinha um para parar o processo (Stop), mais um para graduar a pressão da água, outro para acertar a temperatura do assento e mais um para desodorizar o ambiente. Eu ia precisar aprofundar minhas experiências com aquilo, ora se ia! Jatinho d’água quente no olho da goiaba? Isso pode ser legal! Tomei um chuveiro rápido pra tirar a leseira e a nhaca da viagem. Adney idem. Todas aquelas horas exposto ao ar condicionado dentro do avião estavam acabando com minha voz, já lanhada por um ano inteiro de shows e bebedeiras. A julgar pelo frio do lado de fora e a persistência do ar condicionado em todos os ambientes fechados, a tendência é que eu ficasse praticamente mudo após o primeiro jogo. Fazer o quê? Vai Corinthians!
Descemos apressadamente, pois Mohamed havia programado uma reunião no salão do restaurante com todos seus pupilos para dar uma espécie de preleção sobre como se portar no Japão e no estádio. De novo aquele papo de não gritar na rua, não jogar sujeira no chão, não arrumar brigas com a torcida egípcia no estádio, compreender que todos representávamos o nosso país naquele momento e etc e tal. Mohamed lembrou que esta mesma torcida do Al Ahly havia se envolvido num incidente com outra torcida egípcia e o saldo foram 74 mortos, numa tragédia lamentável ocorrida no inicio de 2012 lá no país deles.
Após isso, Mohamed começou a vender seu peixe, falando dos passeios que poderíamos fazer nos dias em que não houvesse jogo. Como eu havia ido ao Japão pra ver o Timão e beber cerveja artesanal, pedi licença e me retirei seguido por meus fiéis parceiros. Os passeios em questão (que deveriam ser pagos à parte) incluíam visitas a templos fora de Tóquio (caguei!) e ao Monte Fuji que, segundo meu informante japonês Afonso, resulta em muito frio e pouco visual nesta época do ano. Tô fora! Na quinta feira, dia seguinte do primeiro jogo, eu sabia que haveria um city tour com almoço, tudo parte do pacote pré-pago no Brasil. Nesse, que já está pago, eu vou. De resto, é bebedeira sem fim na terra do sol demente.
Já eram quase nove da noite e tratei de verificar se Afonso estava na área. Percorri o hall com os olhos e vi que não estava. Bem, parecia não estar, uma vez que eu não o conhecia pessoalmente. Só havíamos falado pela Internet. Aproveitamos para fazer um reconhecimento nos arredores e notamos uma loja de conveniência no próprio hotel chamada Family Mart. E tinha muita coisa: itens de mercearia, doces, salgados, refrigerantes, cervejas, luvas, cabos de computador, toucas, empanados, sopas, camisetas,  enfim, toda sorte de coisas impossíveis de lembrar. Digamos que tinha “de um tudo”. Andamos mais um pouco e descobrimos um acesso direto entre o hotel e o shopping. O estômago roncava e não era de sono. Saímos procurando algo pra comer. Lojas, fontes, gente indo e voltando, bem, um shopping comum, como os shoppings no mundo todo. Lugar pra comer? Tinha restaurante típico japonês, cantina, sanduicheria, frutos do mar, carnes e mais um monte de opções. Tinha até um restaurante chamado Bambi. Olha só, os tricolores estiveram aqui e deixaram marcas! Eh, eh, eh. Numa atitude da mais deslavada covardia e falta de criatividade gastronômica, encaramos um McDonalds. No caminho do Mac e também lá dentro da lanchonete fomos notando que muita gente usava máscaras protegendo nariz e boca. Já as mocinhas nipônicas tinham cara de boneca, incluindo penteados adolescentes, uniforme escolar, micro saia ou shortinho, coxas bem á mostra, dentinhos tortos e pernas igualmente curvas, lembrando um pouco Garrincha.  Os cambitos dentro dos sapatos de salto alto faziam com que elas caminhassem de forma meio desengonçada, com as pernas arqueadas para dentro. E não eram uma ou duas, mas praticamente todas. Dentro do fast food notamos alguns japas doidões, com cabelos coloridos e até black power. Tinha um quase mulato (?). Falar inglês com a atendente se mostrou, como estava previsto, um pouco complicado. Fizemos o pedido pelo número, indicando combos com sanduíche, batata e refrigerante.
- Curi, curi, curi – disse ela.
Que porra esta japa está perguntando? Pedimos o combo dissemos o nome do refri e indicamos o tamanho das batatas. Que diabos ela está esticando o assunto, pensei!
- Curi, curi, curi! – reiterou a japa
Dissemos yes, ela riu e parece que a coisa andou. Levamos os sanduíches e a bebida. As batatas ela entregaria em seguida, com seu shortinho, coxas de fora, maria chiquinhas, sorriso aberto e dentinhos tortos. Periguete? Uma espécie de mangá humano.
Nossa presença ocidental não chegou a causar nenhuma comoção ali dentro. Isso pra não dizer que fomos totalmente ignorados. Entramos mudos e saímos em silêncio. Do lado de fora outros integrantes da gang alvi-negra caminhavam à procura de comida. Mais ousados que nós, alguns encararam cantinas e outros, comida japonesa. Eu ainda chego lá.
Barriga semi cheia, tomamos o caminho de volta pro Hotel. Ao adentrar ao hall, um idioma conhecido.
- Paulão?
Era o Afonso, todo encasacado, encachecolado, me reconhecendo. Ele já havia visto shows das Velhas Virgens na época de faculdade no Brasil e tinha uma noção do meu shape. Abraços e apresentações em andamento, pedimos a ele que esperasse a gente tirar água do joelho e pegar grana lá em cima “praquela” saída pré-agendada atrás de cerveja boa em terras nipônicas.
No quarto, eu e Adney tivemos dificuldade com o cofre, onde guardaríamos documentos e grana. Jorginho veio em nosso socorro e nos ajudou com a senha. Coloquei a tal da calça “segunda pele” sob o jeans. Confesso que me apertou o saco. Agasalhei-me ao máximo, pois a saída seria a pé e o frio estava de lascar. Simbora.
Afonso fala e escreve fluentemente em inglês e se vira bem em japonês, segundo ele. O cara é forte! Inicialmente estava bastante formal, meio que querendo saber qual nossa força pra encarar uma bebedeira, uma vez que vínhamos de mais de 28 horas de viagem. Pra beber, não tenho preguiça. Expliquei que queria ver um daqueles bares de cerveja artesanal e pelo adiantado do horário, talvez fosse mais conveniente irmos a pé a um bar perto, sem pegar metrô. A pedida era o Bar Vivo!, ali mesmo no bairro de Ikebukuro.
Fomos andando no frio, observando as redondezas, jogando conversa fora, lentamente nos pasmando com um viaduto ao lado do hotel com vários patamares encaixados milimetricamente como se fosse playmobil. A cidade toda era assim. Também ao lado do hotel havia uma espécie de delegacia do bairro. Na placa estava escrito Koban. Não era uma coisa de polícia, de investigadores, mas sim um serviço comunitário que, segundo Afonso, age preventivamente sobre a criminalidade. Afonso nos contou que se uma pessoa muda para o bairro, alguém daquela delegacia faz uma visita e procura ajudar, orientar, além de contabilizar a quantidade de moradores e fazer uma espécie de controle de segurança permanente para verificar se tudo está bem. Fala Wikipedia: “A kōban é um modelo de posto policial japonês, que remonta ao século XIX. É a base física da estrutura de polícia comunitária no Japão. Nestes pequenos postos urbanos, trabalham entre três a quatro oficiais de polícia, que agem preventivamente aconselhando a comunidade local sobre criminalidade, visitando domicílios habitados por pessoas que carecem de atenção especial e fomentando reuniões com os mais velhos e as lideranças da comunidade.” Num painel no muro da Koban havia fotos de pessoas procuradas. Provavelmente haviam roubado alguma coisa uma vez na vida, tipo um relógio ou um yakissoba. A criminalidade aqui é baixíssima. Também neste cartaz havia uma placa contabilizando o período de tempo sem nenhum tipo de ocorrência na região. 189 dias sem nenhum tipo de incidente, comprovando que, apesar do histórico guerreiro, estamos num país de paz.
A esta hora, próximo das dez da noite, já não havia mais tanto japa na rua. Mas muitos também usavam máscaras. Perguntei a Afonso se era pra não pegar algum vírus ou pra não contaminar os outros. Ele me disse que o mais provável era para não espalhar os próprios vírus, numa atitude pra lá de civilizada. Lixo no chão, como previsto, nenhum. À nossa aproximação da faixa de pedestres os carros param, desde que o sinal esteja aberto pra nós, claro. Descobri que há uma lei informal de trânsito segundo a qual os carros podem atravessar a faixa de segurança mesmo quando o farol está fechado pros automóveis, desde que não haja ninguém na travessia ou próximo. Bom senso!
Eu estava bêbado por causa da viagem e da loucura que são estes fusos horários e pretendia incluir muita cerveja boa neste pacote. Enquanto íamos seguindo Afonso, eu ia lembrando de algumas coisas que li sobre a cerveja japonesa. As primeiras cervejarias chegaram a estas ilhas no início do século 17, pelas mãos de marinheiros holandeses que comercializavam produtos com o Japão. Bom começo! No fim do século 19 chegaram os cervejeiros alemães. No Japão, além das cervejas comuns do tipo lager, sempre houve um segundo tipo com menor teor alcóolico e de malte que, por isso mesmo, com um nome diferente, happoushu, algo como espumante de bebida alcóolica. Estas cervejas mais fracas, que pagam menores impostos (o que torna sua fabricação bem rentável) usam arroz, milho, sorgo, batata, amido e açúcar em suas receitas ao invés de malte de cevada. E como no Japão a lei é levada a sério, bebidas que utilizam estes produtos não podem absolutamente usar a palavra cerveja em suas propagandas. Mantendo a coerência, se alguma cerveja estrangeira chegar ao Japão com menos de 67% de malte (este é o limite legal), tb não pode ser vendida como cerveja e deve ser chamada de happoushu. (Será que as cervejas comerciais brasileiras cumprem esta lei dos 67% de malte?). A partir de 2004 começaram a surgir cervejas que usam soja e outros ingredientes que não se encaixam em nenhuma das definições de cerveja ou Happoushu, o que fez surgir um terceiro tipo de cerveja, o Happousei, algo como licor.
As leis de consumo e comercialização de álcool no Japão são bem liberais, com a venda acontecendo em toda parte, incluindo supermercados, conveniências, quiosques e máquinas automatizadas. Já o consumo de álcool ao dirigir, sejam carros ou bicicletas, tem tolerância zero. Bebeu e dirigiu, cana, minha gente!
A palavra japonesa para micro cervejaria é Ji Biru, ou cerveja local. Também podemos chamar de Kurafuto Bia, cerveja artesanal. Kurafuto do inglês craft, artesanal, sacam? Após a liberação legal de 1994 em relação á quantidade mínima de litros que uma cervejaria deve produzir, as artesanais cresceram muito e hoje o montante gira acima de 200 microcervejarias no Japão.
Viajando em pensamentos cervejísticos, rapidamente chegamos a uma pequena escada que dava acesso a um pub no subsolo: Vivo! Beer+ Dinning. Ambiente claro, oito a dez mesas, um balcão de madeira parede-a-parede, com cadeiras na frente e uma passagem no meio. Muitas garrafas insinuantes pelas prateleiras atrás do balcão. Do lado esquerdo de quem entra, atrás do balcão, 20 simpáticas torneiras (dispostas horizontalmente em fileiras de 10) servindo beer on tap, cerveja do barril, ou para nós brasileiros, chopp. Não sei se já disse, mas esta definição de chopp para cerveja não pasteurizada, direto do barril, só existe no Brasil. Para espanhóis, por exemplo, é cerveza en la presion. Mas chopp só no Brasil.
Sentamos e Afonso começou a fazer as honras do grupo, acionando a garçonete em bom japonês. O cardápio tinha detalhes em inglês sobre as cervejas artesanais (a grande maioria japonesas) e tb uma lista de cervejas em garrafa. Entre as que eu conhecia, além da figurinha carimbada da Guinness, havia uma Ale japa que a mesma amiga que me apresentou Afonso já me havia presenteado no Brasil chamada Yona Yona, da Yo-ho Brewing. Esta cervejaria, que começou suas atividades em 1996, tem sua fábrica na cidade de Karuizawa, província de Nagano, num local montanhoso coberto de neve. Além desta Ale mais clássica, tem uma IPA chamada Aooni e uma Porter chamada Black Tokyo. Bebi todas. Delicia. Lembro-me de outra cervejaria que disponibilizava seus produtos nas torneiras abençoadas do Vivo! chamada Coedo, originaria do distrito de Iruma Gum, em Saitama. O leque de cervejas da Coedo vai desde Wit Beers, Pilseners, passando por Stouts, Ambers e Brown Ales, todas fabricadas com puro Malte (de cevada).
A carta de cervejas on tap é trocada a cada duas semanas, mas a base se mantém, pelo que pude compreender. Eu tava a fim é de beber e não ia ficar anotando nomes de cervejas e seus sabores. Quer saber o sabor das brejas? Vá lá provar! A única coisa curiosa é que a maioria das cervejas vinha com milímetros de colarinho ou sem colarinho nenhum. Sugeri ao Afonso que pedisse á moça pra trazer nossa cerveja com colarinho. Pra quem não sabe, a espuma da cerveja tem uma função importante, além de enfeitar. Ela serve de isolante entre o ar e a cerveja, prolongando a qualidade e o sabor do precioso líquido. Afonso não sabia como falar colarinho em japonês e acionou seu super computador . Awa (isso é colarinho em Japonês). Mas tem que pronunciar como se fosse um grito num golpe de karatê.
- AWAAAA!
Nossa garçonete argumentou que aquelas cervejas deveriam ser servidas sem Awwwa mesmo. E ponto final. Bitch!
A cada novo pedido ou duvida nossa sobre alguma coisa relativa ao bar ou à cerveja, Afonso chamava a atenção da nossa atendente dizendo “sumimasên” (com licença). Eu tava achando que garçonete em japonês é que era “sumimasên”. Ok. A cerveja corria solta a um preço médio de mil ienes, coisa de 26 reais. Havia dois tamanhos de copos: o maior com 360 ml, 150 ienes (mais caro) e o médio, com 285 ml. Nenhuma destas medidas corresponde a pint americano ou inglês. Deve ser o pint japonês. Menorzinho, saca?
Virava e mexia Jorginho e Adney saiam para fumar ao que Afonso se juntava a eles para dar umas tragadas, mesmo dando pinta de ter parado com o tabagismo. Com a cerveja fazendo efeito, Felipão foi se soltando e contando algumas de suas teorias e aprendizados sobre o enigmático Japão, este país tão distante e tão diferente do nosso, tão peculiar e tão milenar. Nossa curiosidade era grande e praticamente entrevistamos nosso host. 
Afonso tem um jeito muito pessoal de tirar o corpo fora de perguntas perigosas e apimentadas. Ele sempre diz que não sabe nada sobre o assunto, qualquer que seja, mas relata que “contaram” pra ele que a coisa funciona assim ou assado. Perguntado sobre como são as mulheres japonesas em relação a sexo, ele começou o assunto dizendo que na hora do rala e rola, “contaram pra ele” que as moças gostam de uma coisa que alguns japoneses chamam de “Maguro Style”.
- Mas que porra é isso? Sexo com peixe cru no meio? – mandei esta.
Ok. Explicando! Maguro, pra quem não é iniciado em cozinha nipônica, é um dos diferentes cortes do atum muito utilizado para fazer sushi. É o peixe preferido no Japão para este prato. Sushi, a grosso modo, é um punhado daquele arroz papa com peixe cru servido por cima. Nosso mestre nos informou que no Brasil o sushi costuma ir pra mesa com o peixe cortado em fatias, mas que no Japão ele é servido em postas inteiras e robustas, sobre o punhado de arroz, sobrando bastante nas pontas, cobrindo totalmente o arroz. Afonso “ouviu dizer” que as moças japonesas, especialmente as mais jovens, numa espécie de alegoria culinária, gostam de deitar-se sobre o travesseiro com o bumbum pra cima (hum!), como o Maguro se deita sobre o arroz. Este é o Maguro Style.
Isso me faz lembrar um papo que tive uma vez com outro amigo que tb viveu no Japão. Ele afirma que o fato da maioria da população japonesa ser agnóstica faz com que eles ajam sem a culpa cristã pesando em suas costas. Me deu até um exemplo que aconteceu com ele, quando uma moça japa bateu na porta de levando camisinha e propondo um sexo consensual, sem necessariamente haver uma ligação afetiva (adoro esta “mudernidade”!). Mas o que me deixou mais surpreso (e por que não dizer, excitado) foi quando este outro amigo relatou que mulheres casadas eventualmente aproveitam o excesso de trabalho dos maridos (quase sempre mais de doze horas por dia) para praticar sexo com outros homens sem culpa nenhuma (chifradinha básica). E eu? Tô só anotando, como bom cientista do absurdo.
A cerveja continuava comendo e Afonso já estava feliz da vida por poder falar português. Falava alto contrariando os mandamentos do guia do torcedor. E tava tudo certo. Quatro ou cinco japas estavam pelo bar, bebericando e nos ignorando com veemência. Em determinado momento, quando meu trio de amigos fumava no reservado, sacaneei Afonso dizendo que ele tava falando muito alto lá fora e a garçonete estava incomodada. Ele meteu a cara pra dentro do bar meio sem graça e pediu desculpas em bom japonês ao que os freqüentadores estranharam, uma vez que nenhum deles havia dito nada. Eh, eh, eh.
Ainda dissertando sobre aspectos sexuais do oriente, contei pros meus parceiros de mesa sobre uma outra teoria deste amigo meu que viveu no japão, teoria esta que coloca em duvida a masculinidade de alguns dos rapazes japoneses. O cara declarou com todas as letras que muitos dos japas tinham uma coisa meio efeminada natural, como um bando de emos com olhar perdido e modos por demais suaves e que por isso as moças japonesas muitas vezes preferiam atitudes mais viris e se sentiam pouco satisfeitas sexualmente.  Novamente a ausência da culpa cristã facilitaria, eu imagino,  esta atitude mais liberal feminina quanto a seus parceiros e tal, ainda que a sociedade japonesa seja aparentemente um tanto machista. Não sei se por excesso de breja ou por preferir não dar pitaco, Afonso nada comentou sobre mais esta “pimenta” que joguei na conversa. Papo de bar rola de tudo!
O papo tava ótimo. Já um pouco tomado pelo álcool, mas não menos lúcido, Afonso disse que a gentileza é nata no povo japonês. Se vc entrar num estabelecimento comercial japonês vai ouvir efusivas palavras de boas vindas. E tantas vezes vc repita a entrada, mesmo num curto espaço de tempo, tantas vezes o vendedor vai sauda-lo com a mesma intensidade.
Como convém a uma conversa de bebuns, mudamos de assunto sem grandes rodeios e passamos a falar de radiação, engatando numa discussão sobre os  desdobramentos do vazamento nuclear decorrente do acidente nuclear em Fukushima, ocorrido em março de 2011. Segundo nosso anfitrião, os níveis de radiação em todo o Japão subiram muito após o trágico episódio, mas segundo o governo japonês estariam sob controle. Afonso disse que um importante jornalista americano, Jake Adelstein, teria publicado algumas evidencias de que o acidente nuclear não foi ocasionado pelo tsunami e sim pelo terremoto que o antecedeu, que teria rompido dutos de resfriamento do reator em mau estado e com manutenção vencida. Tal irresponsabilidade governamental no cuidado com as instalações nucleares estaria sendo encoberta, segundo o tal jornalista, com ajuda da máfia japonesa (!), a Yakuza. Caraio! Aquela que os caras cortam o dedo dos inimigos? Essa é de foder.
Segundo Afonso, o povo japonês segue o governo por uma questão histórica e de sobrevivência da nação. A eficiência do governo tem sido evidenciada por muitas e muitas décadas, trazendo prosperidade, reconstruindo e melhorando as cidades periodicamente, desastre após desastre. Portanto, o povo parece dar crédito aos seus governantes.
Fui ao banheiro mijar pensando naquilo. Não “naquilo”! Naquilo que estávamos falando, porra! E tive grande dificuldade de encontrar meu “amigo”. Sob a égide da cerveja alcolatrada, imaginei que aquela diminuição peniana poderia ter ligações com a radiação. Pensei que talvez este excesso de radiação explicasse a fama dos japoneses de ter pinto pequeno. E se meu pinto encolhesse durante aquela estadia futebolística? Minha nossa senhora! Seriam apenas sete dias, mas era bom ficar atento. Chacoalhei (com uma pinça), guardei e voltei pra mesa. Lembrando que a última gota é sempre da cueca! Sim!
Desce mais cerveja dona Sumimasên, que agora o bicho pegou de vez.
- E todas estas meninas com perninhas e dentes tortos. Há uma razão para isso? Seria a radiação? - emendei
- Com relação aos dentes tortos ou as pernas tortas  - suspirou Afonso - existem também várias possíveis explicações. Muitas pessoas dizem que a estética ocidental não se aplica da mesma maneira por aqui, que as pernas tortas seriam algo "cultivado" pela cultura japonesa desde os ancestrais (?), etc. Por outro lado, a alimentação do japonês mudou drasticamente nos últimos anos. Leite passou a fazer parte, mais carne e produtos processados também. Hoje em dia o povo japonês possui gerações 10 cm mais altas que as anteriores. Esses alongamentos e mais cálcio podem contribuir para que o formato das pernas seja outro num futuro próximo. E mais: como o seguro de saúde no Japão não cobre tratamento dentário ou ortopédico, as japonesas paracem não cuidar de  tais “deformidades”, que parecem ter sido incorporadas a cultura do “kawaii” ou seja, como se fosse bonitinho e sexy ter tais “deformidades” (???). Bem, são só achismos. Não estudei nada disso profundamente, entendem?
Eu não sei se tava entendendo direito aqueles argumentos, mas aquele papo de “Hawaii” me pareceu meio doido. Na verdade eu não tava entendendo mais nada.  Bem, uma das características das cervejas Ale é o teor alcóolico mais alto. Já tínhamos bebido cinco copos daquilo. Ou foram seis? Sete? Hum! O clima tava pra lá de amigável. Heim? Uma da manhã? Porra.