sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

TREME JAPÃO – CAPÍTULO 5 – BEBEDEIRA INACREDITÁVEL DO OUTRO LADO DO MUNDO



Japão - 13 de dezembro de 2012 –  Sunshine City Prince Hotel – Tóquio – Quinta feira

Acordei pelas 8h30 classificado para final do mundial interclubes e iniciei meu processo de assepsia matutino. A ideia era tomar café e estar no busão pelas 10 e pouco pro city tour que incluía tb almoço. Adney ficou na cama. Nesta quinta feira ele, que trabalha com seguros no grupo SBT, tem um encontro com o povo da seguradora Tokyo Marine. Ao que parece será um jantar de boas vindas, comes e bebes. Como o city tour prometia se estender até o fim da tarde, não daria tempo pra fazer as duas coisas. Apartei-me do meu parceiro e mergulhei no café da manhã macarrônico, com salsicha alemã, peixe defumado e todo tipo de mistura. Meu intestino que se vire. No saguão do café estava toda a gang. Praticamente todo mundo vai no tal city tour que inclui o Palácio Imperial, almoço típico, templo budista, compras e uma torre chamada Tokyo Skytree com 634 metros. Café finalizado, subi pra dar aquele barro enquanto Jorginho foi fumar. Quando cheguei na porta do busão notei que havia novidades! Incomodado com a quantidade de agitadores por metro quadrado que nosso ônibus reunira no dia anterior, Mohamed realizou alterações e distribuiu os “maus elementos” pelos outros veículos.
Foi assim que conheci uma dupla impagável. Seu Adilson, com idade mais avançada, e seu amigo Roberto.
- Roberto...vc fica pegando no meu pé porque eu to bebendo...tá parecendo minha mulher!
Seu Adilson tinha um sotaque italianado que parecia ter vindo da Mooca. Roberto só ria das peripécias do parceiro. E olha que daquele dia até a final seo Adilson ia aprontar poucas e boas, uma vez que a distancia temporária da esposa fazia aumentar e muito sua sede. Que figura! Tava igual pinto no lixo! Neste mesmo ônibus onde fomos alocados eu e Jorginho, havia agora vários casais, que parecia ser garantia de mais calmaria. Rivelino, o cozinheiro cearense, tb tava com a gente. Como se tivesse sido tolhido nas suas manifestações no dia anterior, Rivelino estava com o falador aberto. Começou a contar sobre seu trabalho no Brasil, sobre seus colegas de cozinha que torcem para outros times a quem ele gostaria de sacanear ao vivo naquele momento. Comentou sobre a demora no atendimento em algum restaurante em que estivera em Tokyo e disse que se fosse no Brasil o cozinheiro era capaz de apanhar, elogiando a educação e a paciência orientais. Antes mesmo do ônibus sair e falando pelos cotovelos, Rivellino fez questão de mostrar uma tatuagem com o brasão da Republica Popular do Corinthians que tomava suas costas quase que por inteiro. Lendo sobre o assunto num livro de Anthony Bourdain, descobri que cozinheiros são todos malucos, chapados e incontroláveis e é raro que um deles não tenha tatuagem. Ao avistar um velhinho japonês atravessando a rua, Riva emendou mais uma pérola:
- Tem muito senhor de idade aqui no Japão, não é? É que aqui demora um pouco pra pessoa morrer, né?
Figuraça. Simbora.
Nosso primeiro destino era o palácio imperial. Yuki foi dando suas informações turísticas enquanto a gente ia observando o Japão do lado de fora da janela do ônibus. Segundo ele, uma lei de 1947 acabou com os poderes do Imperador enquanto chefe de estado. Ou seja, hoje em dia ele tem uma função decorativa. Não apita nada! O atual chama-se Tsegu Akihito e é filho do imperador Hiroíto. Está no cargo desde 1989, quando seu pai morreu. Dizem as boas línguas que Akihito, quando jovem, era todo malandrão e gostava de quebrar regras tradicionais da monarquia como fumar em público, além de ter casado com uma plebeia, Michiko Shoda. Não sei se entendi direito, mas parece que Yuki, no seu portunhol nipônico, disse que o imperador só dá as caras em público duas vezes por ano: uma em seu aniversário, no dia 23 de dezembro, e outra no ano novo, 2 de janeiro. Claro que um de nós se apressou em perguntar se ele não poderia aparecer no estádio pra ver o Timão ser campeão. Yuki, sempre paciente e bem humorado, observou que seria difícil que isso acontecesse. Enquanto nosso guia ia despejando seus conhecimentos sobre o  império, Darth Vader, Obi-Wan Kenobi e Jar Jar Binks,  alguns combinavam ir ao estádio de Yokohama naquela noite pra ver Chelsea e Monterrey. Por outro lado, informações vindas do Brasil davam conta que em um jogo que não teve segundo tempo (por conta de uma pancadaria com o time adversário), o São Paulo teria se sagrado campeão da Copa Sul-Americana. Isso, entre outras coisas, faria com que em 2013 eles nos enfrentassem pela Recopa sul-americana, que reúne o campeão da libertadores e o campeão da própria sul-americana. Óia os bambis no nosso caminho, aeh! Ao saber da vitória são-paulina comecei a conjeturar que, caso fôssemos campeões domingo (e íamos ser, porra!), este título deles perderia muito de sua importância. Além do mais, lembrando do primeiro jogo, na Argentina, e do fraco...fraquíssimo...paupérrimo futebol apresentado pelo Tigres, conclui que não havia outro resultado possível que não a vitória do São Paulo. A verdade é que os caras estavam se roendo de inveja da gente e iriam valorizar o título recém conquistado ao máximo. Mas bastava a gente fazer nossa parte no domingo que eles iam simplesmente ser esquecidos. Mais lenha na fogueira da rivalidade, rapaziada!
Voltei dos meus devaneios futebolísticos com a imagem de uma imensa roda gigante circundada por uma sinuosa montanha russa, ambas localizadas sobre um prédio. Cumé? Que coisa mais estranha! Ao lado deste parque de diversões aéreo, um grande domo. Yuki se apressou em informar que  aquele era o Tokyo Dome, um ginásio de esportes com capacidade para 55 mil pessoas, onde o Yomiuri Giants, o time de baseball de Tóquio, manda seus jogos. Ao lado do Tokyo Dome fica justamente o Tokyo Dome City, uma espécie de shopping center com o tal parque de diversões inserido no alto. Além de jogos de baseball, o tal ginásio, em funcionamento desde 1988, tb foi palco de jogos de futebol americano, lutas marciais e shows musicais. Sabe quem já  se apresentou no Tokyo Dome? Madonna, Beyoncé, Mariah Carey, Britney Spears, Rihanna, t.A.T.u., Linkin Park, Avril Lavigne e Guns N' Roses.  Mas o recordista de shows aqui é ninguém menos que Michael Jackson. Ele fez 21 apresentações no local. É mole?
Segue o enterro. Estamos  ao lado de uma grande praça onde a quantidade de ônibus estacionados indica a proximidade de algum local de grande interesse turístico. É isso aí: senhoras e senhores, eis o palácio imperial. Seu nome em japonês é Kôkyo e está localizado no centro de Tóquio, no bairro de Chyoda, que quer dizer “campo de milhares de gerações”.  Tb conhecida como Castelo de Edo, a residência da família imperial tem praticamente o mesmo tamanho do Central Park.
Apesar da existência de um sol tímido a nos iluminar cá fora, o vento frio deu o tom da caminhada assim que pusemos os pés no chão da praça coalhada de pombos. Havia tb excursões com muitas crianças pra cá e pra lá. A todos nós cumprimentávamos com “Vai Corinthians” e a receptividade era cada vez maior. É tudo nosso, mano!
Voltemos ao mocó do imperador. Destruído pelos bombardeios da 2ª guerra mundial, o palácio foi reconstruído em 1968. Tivemos acesso ao portão principal e ao fosso que contorna a construção e ali tiramos algumas fotos. Imperador mesmo que é bom, ninguém viu. Nem sequer uma princesa, uma aia, nada! Yuki apontou um grande edifício do outro lado da rua dizendo que era dali que, depois do fim da segunda guerra, os americanos comandavam o Japão. Alheio ao aspecto sangrento da presença americana no Japão, me deu uma sede e tentei comprar uma cerveja numa barraquinha da praça. Não tinha cerveja. Pensei em comprar água. Mas preferi esperar pelo almoço típico japonês que seria a próxima atração daquela tour. Não gosto de gastar dinheiro com água.
Voltamos pro busão e nosso destino seguinte era justamente o bairro dos eletro-eletrônicos, Akihabara, onde aconteceria o tal almoço típico. Porra, será que agora teríamos mesmo que comer as malditas enguias? Será que o Rivellino não podia fritar um ovo pra gente escapar dessa?
Rodamos pouco mais de 15 minutos pelo centro de Tóquio. Do lado de fora da janela muitos japoneses de máscara, muitas japonesinhas com pernas tortas mas, acima de tudo, muita gente. Muvuca geral. O ônibus estacionou precariamente numa esquina e tivemos que desembarcar com rapidez. Pelo que entendi, o restaurante ficava no segundo andar de um edifício comercial, cujo acesso só era possível por elevador. Embaixo, na nossa frente, uma loja de roupas e bugigangas pseudo típicas japonesas com preços pouco saborosos. Ainda que fosse um grande elevador, dada a quantidade de pessoas, foram várias e várias viagens até que chegássemos em cima. Podia até ser um restaurante típico, mas o sistema era mesmo o conhecido self service, com muitas panelas e pratos dispostos em mesas centrais e os fariseus from Brasil desfilando ao redor. De fato, as garçonetes e funcionários da casa vestiam quimonos marrons. A decoração tb era bastante oriental aos meus olhos. Mas ninguém tirou o sapato! Depois, quando fui ao banheiro, descobri nos fundos do restaurante salas com  aquelas mesas mais baixas e ambientes onde o povo, ai sim, tira os sapatos para comer. Nós comemos calçados mesmo! No cardápio, muitas verduras, algumas de visual estranho, batatas, sopas, missoshiro, arroz papa, molhos, carne ensopada (será de enguia?) e empanados em geral. Hashi? Não, garfo e faca! Não tive problema em provar nada, mesmo a carne ensopada. No pacote self service estavam incluídos, aparentemente à vontade, refrigerantes, chás, sucos e água. Aliás, assim que sentamos à mesa a linda garçonete serviu a cada um de nós um copo d’água com gelo. Este fato se repetiria em todas as refeições públicas no Japão: como cortesia, água gelada para abrir o apetite. Eu já tava bem a fim de uma cerveja, mas ela não estava incluída na refeição. Peguei Mohamed de lado e intimei-o a pagar uma breja. Ele tirou o corpo fora, dizendo que não podia e tal. Miserento mão de vaca! Perdi até a sede. Mas antes do sol se despedir destas terras nipônicas, eu estarei sentado num bar me embriagando. Anote isso aí, caro leitor! Que seja escrito e que se cumpra!
Havia várias garçonetes, algumas mais velhas, mas esta que nos servia era realmente muito bonita. Sou casado e é capaz de deixar minha mulher enciumada, mas não posso evitar. A japonesinha usava aqueles palitos pra manter o cabelo, muito preto, preso. Era bem jovem. 22? O rosto branco não tinha maquiagem. Os dentinhos, como manda o figurino oriental, eram tortos. Seu quimono era muito grande e só dava pra ver o rosto, as mãos e os pés. Eu gosto de pés femininos! Muito! Apesar dos dedos menores serem meio zambetas, eram pezinhos delicados, com os outros dedos bastante simétricos e unhas pequenas sem fazer. Uma moça muito bela mesmo! Ok. Tirei uma foto dela. Pensei que, para evitar confusões matrimoniais, seria mais prudente apagar. Depois eu penso nisso. Eu provavelmente nunca mais iria vê-la. E, devido à semelhança entre elas, talvez nem a reconhecesse caso a visse novamente. Já pensou nisso alguma vez? Vc está num trem, num local público, vê alguém e sabe que nunca mais vai pousar os olhos naquela pessoa. Num país distante e populoso como o Japão isso era mais que certo. Divaguei, né? E sem beber saquê nenhum. É a falta de álcool no sangue. Preciso de uma cerveja. Sentei-me para comer (o almoço, não a japinha) e o papo na mesa, que dividi com Jorginho, Tabajara e um cara que desconheço, girou em torno das mulheres japonesas, especialmente aquela que nos servia. Gueixas? Comi bem (apenas comida!) e, já satisfeito, peguei o elevador de volta ao solo antes que a turba lotasse aquela porra.
Pensei em correr numa Family Mart e comprar uma lata só de birra, mas todo mundo começou a descer, os ônibus encostaram e partimos a seco para o bairro de Asakusa para conhecer um típico templo Budista, o Sensô-ji, o templo mais antigo de Tóquio. À aproximação do local dava pra notar uma área comercial bastante rústica, vendendo artigos de cozinha, pratos, panelas. Estacionamos numa quebrada certamente proibida para ônibus, correndo risco de guinchamento. Era Mohamed dando um jeitinho brasileiro de economizar tostões. Ok. Caminhamos dois ou três quarteirões chamando a atenção de todo mundo. Pelos uniformes, pelos gritos de guerra do Timão e pelo fato de sermos cento e poucos brasileiros navegando num oceano de japas. Este bairro é uma espécie de Brás aqui de São Paulo. Além de ser sede de algumas escolas de samba e ter dois distritos de gueixas (hum!), também é famoso por ter acomodações baratas para turistas duros. Fica ás margens do Rio Sumida onde encontraram uma imagem sagrada que tem relação com o tal templo que vamos visitar. Mas que é uma bocada, isso é! Opa, olha só uns riquixás levando mocinhas pra passear. Mas isso não é na China? Hum!
A primeira visão do templo que tivemos era uma espécie de portal que só depois, pesquisando na internet, eu descobri se chamar Nintenmon. Ao invés de pesquisar na internet, eu poderia ter seguido o Yuki e ouvido suas explicações portunholicas. Mas, sinceramente, tava a fim de caminhar sem rumo e curtir o local. As duas estatuas gigantes que adornam as laterais do tal portão eu descobri serem duas divindades budistas chamadas Zochoten e Jikokuten. As estátuas originais datam do século 19, mas estas foram colocadas ai mais recentemente. A verdade é que  maioria deste complexo budisto-xintoista  foi destruída por muitos incêndios ao longo de sua história e principalmente durante os bombardeios da 2ª guerra mundial. Yuki nos deu pouco mais de 20 minutos pra rodar o local, o que foi um acinte. Era muita coisa disposta num espaço bastante grande e com uma espécie de feirinha no lado oposto ao que chegamos. Porra, Yuki, assim não dá!
Minhas pesquisas posteriores na web indicaram que entramos por uma passagem secundária lateral. A estrada principal mesmo ficava do outro lado, numa espécie de entroncamento com a tal feirinha. Ok. Entramos errado, vamos seguir na nossa toada. Fomos eu e Jorginho, ambos já bem sedentos de uma breja, caminhando e nos espantando com a grandeza e o coloridos das formas e imagens. Do nosso lado direito surgiu a maior de todas as construções da área, o Konnondo Hall, um espaço também destruído durante a segunda guerra e reerguido em 1958. O pé direito interno é bem grande. Consegui distinguir dois planos diferentes: primeiro este onde estamos, onde as pessoas jogam moedas no chão, num espaço reservado a isso, sempre fazendo um desejo. Mandei um real brasileiro, pedi proteção pra minha família e que o Timão fosse campeão. Foi irresistível. É a Fontana de Trevi deles.  Circundei o local tentando ir a um outro pavimento  que ficava atrás, mas fui interrompido por um monge ou sei lá o que. Eu já estava tirando os sapatos segundo indicava uma placa quando ele me perguntou friamente:
- buddhist?
Eu falei que não e ele me disse que eu não poderia entrar. Fiquei puto! Havia uma multidão sem sapatos, responsável por uma leve chulezeira atenuada pelos incensos e vários dos nossos companheiros de viagem. Muitos já haviam entrado naquele local e certamente não eram todos budistas. Por que logo eu não poderia entrar?
- And all these people without shoes? Is everybody buddhist? (e todo este povo sem sapatos. São todos budistas?) - perguntei
Ele deu de ombros que sim e me indicou a saída. Monge de merda! Encanou com a minha cara, isso sim. Ok.
Segui minha caminhada com Jorginho ao meu lado.  Avistei do lado direito um templo com 5 andares (me ajude São Bill Gates) chamado  Five Storied Pagode que, claro, tb foi detonado durante a 2ª guerra. Hum! Tá visto! Opa, mais um portal gigantesco á frente, este com uns vasos dourados enormes nas laterais e uma luminária típica japonesa (aquelas que parecem uns balões), mas em tamanho absurdo. O nome deste portal? Hozomon ou Niomon, vc escolhe. Mais alguns passos e a verdadeira entrada do tal templo Sensô-Ji. O nome do portal é que é de fuder pra falar e até pra escrever: Kaminarimon ou Furaijinmon. Beleza? Aqui temos novamente a luminária gigante ao centro e nas laterais duas estátuas monumentais de samurais (ou coisa parecida) que representam dois deuses xintoistas: Fujin, o deus do vento, e Raijin, o deus do trovão. Bem, se estes caras são os protetores do Japão contra desastres naturais tipo furacões, tsunamis e vulcões, tenho que dizer que ou estão sobrecarregados ou são ruins de serviço, por que o bagulho é zuado aqui nessa ilha, mano! O negócio é pedir uma força pra São Jorge, Santo Expedito e São Judas. E tenho dito!
Passamos sob o tal portal cujas estátuas estão protegidas por grades de metal e entramos num feirinha com muitas barracas. Ali, sim, era a 25 de março da japaiada. Ou nossa, pensando bem, uma vez que era para visitantes estrangeiros como nós. Numa área claramente voltada para turistas, seguíamos por uma espécie corredor onde primeiro havia várias barraquinhas de comida. Na sequência tinha de tudo, desde máscaras, quimonos, camisetas, chapéus, óculos, brinquedos, lenços, tudo. Os preços? De 4 a 8 dólares. Dava pra torrar uma grana, nénão?
Como aquela era a entrada e estávamos caminhando no contra fluxo, íamos trombando com toda sorte de pessoas, desde japas até gente do mundo inteiro. Fomos pesquisando, pechinchando e acabei comprando um quimono pra Dex e outro mini pra Maju. Comprei uma faixa de samurai pra minha testa escrito vitória, em japonês, claro. Poderia estar escrito sou um filho da puta que eu não saberia, pois a escrita usava as enigmáticas “arvorezinhas”. Coloquei na testa, acompanhei Jorginho em suas compras de badulaques e começamos a caminhar de volta pro ponto de encontro. Algumas mocinhas começaram a passar por mim rindo. Serei algum tipo de palhaço? Estarei urinado? Não. A faixa é que estava de cabeça pra baixo, como me corrigiu uma senhora vestida de gentileza.
- Brasileiro burro, né! - Ela deve ter pensado.
Tamos prontos pra ir embora e cadê o povo? Só mesmo Yuki massa e sua tropa. Não sei porque acredito nestes malditos horários. As pessoas chegaram lentamente e dentro em pouco estávamos alojados novamente no busão. E agora? Vamos beber? Não. Vamos ao tal Skythree, a segunda maior torre do mundo, ali mesmo na área, no bairro de Sumida. Inaugurada recentemente (22 de maio de 2012) ela custou cerca de 800 milhões de dólares e estava acoplada a um complexo comercial que incluía lojas e bares. Além do mais, pra subir na torre e ter uma visão privilegiada de Tóquio era preciso desembolsar entre 1000 e 2500 ienes (entre 13 e 32 dólares ou 26 e 64 reais). Não era muito. Mas transformar aquela grana em cerveja parecia mais interessante àquela altura do dia e da nossa sede.
O busão parou, caminhamos um pouco, atravessamos uma pequena ponte sobre um riacho e começamos a fotografar o espigão japonês. Sobe, desce, entra, sai e chegamos a um elevador no qual só embarcaria que tava a fim de subir. Havia dois patamares, pelo que saquei: 350 metros de altura ou 450 metros de altura. Eu e Jorginho pedimos baixa e saímos a procura delas? De quem? Das cervejas! Eu queria um daqueles bares com cerveja artesanal japonesa, o que não ia ser muito fácil. A parte de baixo da Sky Three é um shopping e começamos a explorar subindo as escadas rolantes. Chegamos a uma espécie de Mezanino ao ar livre onde havia uma feirinha e, adivinhem: uma barraca com cervejas alemãs. Nada, nada, seria uma boa saída. Trocamos ideia com a vendedora japa vestida de alemã, deixando aquele local em stand by. A cerveja era realmente tentadora, mas queríamos sentar e beber relaxadamente. Ali era em pé!
Seguimos nossa exploração e acabamos num bar chinês. Hum. Nada de cerveja rara, só as comerciais de sempre. Agarramos na conversa e fomos mandando descer chopp Kirin. Tava gelado e tava bom. Estávamos no Japão e seríamos campeões do mundo. Dava pra estar ruim? Eu já tava bem feliz da vida e arregacei minhas mangas, exibindo as tatoos de garrafas. Percebi garçons e garçonetes rindo ao notar minhas tatuagens. Ninguém sequer falava inglês. Na verdade, a maioria do povo era mesmo chinesa. Fomos pedindo com o dedo, apontando para o cardápio. O papo com Jorginho flutuou entre a vida no Brasil, trabalho, família e, claro, Corinthians. Ele me disse que é filho de mãe paraguaia, pai brasileiro e neto de armênios e como a maioria dos armênios torce pro timão, ele entrou nessa por osmose. Como eu, Jorginho disse que não usa roupa verde e que já chegou a devolver presentes dessa cor. Eh,eh,eh. Eu tb. Fiquei surpreso em saber que ele foi a praticamente todas as decisões de campeonato das quais o Corinthians participou, inclusive nos jogos do mundial de 2000. O mais engraçado é que desde moleque, sempre que ia nos jogos, ele simplesmente não pedia permissão. Ao chegar no locais apenas ligava do estádio e avisava, deixando a mãe louca. Depois de casado, a mesma coisa.
- Quer saber Paulão: por mais que a mulher fique brava, depois a gente se acerta. Mas o jogo é uma chance única. Eu sempre vou e depois resolvo com a patroa.
Entre outras relíquias, Jorginho comprou réplicas da taça e da medalha de campeão da libertadores, além de ter uma camisa autografada por todos os jogadores.
- E agora tenho os ingressos de Tóquio. – completou feliz da vida
Saúde, parceiro. Simbora beber mais e mais. Teremos lembranças inesquecíveis destes dias orientais.
Numa mesa ao lado, duas senhoras ( e bota senhora nisso) começaram a lançar olhares estranhos. Velhinhas taradas, sim senhor. Seguimos bebendo. Deu. Tiramos fotos com alguns funcionários e vazamos. Fomos procurar outro bar. Tínhamos marcado um horário na parte de baixo do prédio para reencontrar o povo que subiu a torre e ainda queríamos bebericar brejas alemãs. Primeiro uma boa mijada. Louças Toto.
Cervejas alemãs sendo consumidas. Compramos duas Weihenstephaner, simplesmente  a cerveja mais antiga em fabricação no mundo, em atividade desde 1040 na região da Baviera, Alemanha. Pra mim, a melhor das alemãs de trigo. Jorginho é tabagista juramentado e acabamos indo beber numa área de fumantes, ali naquele grande mezanino do Sky three. Com vários chopps na cabeça e falando mais que o homem das cobras comecei a bater papo com dois japas de jaqueta de couro que tb davam suas baforadas. Os dois deram uma desmunhecada louca e meio que  “cantaram” na gente. Ui! Não houve necessidade de cortes agressivos. Apenas fingimos não entender e nos mandamos, entornado as german biers. Descemos dois ou três andares de escada rolante e nada dos nossos parceiros.
Mais uma dose? É claro que eu tô a fim! Fomos a um bar na entrada térrea do edifício e ali mandamos cada um mais duas boas  talagadas de saquê. Aquele dia/noite definitivamente não ia acabar tão cedo. Papo vem, saquê vai, avistamos alguns amigos através da fachada do bar e entornamos os copos. De volta ao busão, o lance agora era pegar os ingressos com Mohamed no hotel e descobrir um bar próximo (que nos permitisse ir a pé) para assistir Chelsea e  Monterrey. E, claro, beber muito mais. Como se bebe neste mundo, meu Deus! O efeito do saquê misturado á cerveja deixa aquela euforia deliciosa. O álcool faz isso. Se a gente souber beber com equilíbrio, completando o tanque na hora certa, é certeza de diversão. Porém, esta lucidez geralmente nos abandona depois do 3º, 4º copo. E eu e Jorginho já estávamos pra lá de Kyoto. Pegamos nossos ingressos e o do Adney tb, uma vez que ele estava na tal reunião da seguradora.
Banho, troca de roupa e resolvemos ir a um bar de futebol chamado HUB, que fica ao lado da estação do metrô mais próxima, Ikebukuro ST. O povo da recepção do hotel disse que era um British pub. Certamente não era o local ideal para “secar” um time inglês e torcer pro Monterrey. Mas estávamos numa tropa bastante grande e a farra parecia garantida. Éramos eu, Jorginho, Edu, Tabajara, Dalmir, Falconi e mais alguns que eu realmente não sabia o nome. Nem por isso menos animados. Deixamos um bilhete pro Adney com um mapa da área. Simbora singrar os mares alcoólicos desta quinta feira gorda em Tóquio. #Vai Monterrey!
Saiu o bonde do Timão pelas ruas abarrotadas de Ikebukuro. Eram 6, 7 quarteirões até o local. Batiam nove da noite e estávamos no contrafluxo da galera que vinha da estação do metrô da área. Coxas de fora e máscaras em profusão, vcs sabem. Eu e Jorginho já bem calibrados, apesar do banho.
A noite em Tóquio nestas áreas comerciais é iluminada pelas fachadas das lojas. E tem uns malucos sobre caixas de madeira anunciando promoções e ofertas na frente das lojas. Há muita gente de bicicleta pelas ruas tb. Passamos por um grupo grande de mocinhas que se arrumavam para a balada, todas em grupo, numa praça pública.
Seguimos as indicações do povo do hotel, mas não achamos o Hub. Eu já estava praticamente mudo e minha voz se assemelhava mais a um grunhido que à fala humana. Mesmo assim, fui tentando achar nosso destino perguntando. E, claro, o álcool que desfilava pelas minhas veias me dava a certeza de falar inglês perfeito. E não iam ser os japoneses que iriam dizer o contrário. Vira pra cá, tira foto com japoneses malucos de lá, chegamos ao tal Hub. Um pub bastante iluminado por dentro, com várias chopeiras e garrafas de bebidas de todo o mundo. Um típico pub britânico, na verdade, com muita japonesada enchendo a cara. E nós. Arranjamos uma mesa grande que nos acomodou a todos. As bebidas giravam em torno de 1000 a 2500 ienes. Fui até o caixa, pedi um chopp e verifiquei a capacidade do povo de nos entender e os preços. Não dava pra fazer uma conta geral na mesa, senão alguém ia morrer com dinheiro demais. Orientei cada um a ir até o balcão, pagar e apontar no cardápio o que quisesse, uma vez que estávamos naquele esquema, bebeu-pagou.
O jogo entre Chelsea e Monterrey já estava comendo e os ingleses dando baile. Tentamos o máximo que pudemos apoiar nossos amigos mexicanos, mas não deu. Os ingleses mandaram no jogo e meteram 3 a 0. No finzinho o Monterrey fez unzinho, mas não fez nem fumaça. Na verdade, não ficamos muito preocupados com o jogo. Estávamos com uma sede imensa e a cerveja corria a rodo. De repente uma tequila. Uma cuba. Saquê. Olha quem chegou: Adney, também calibrado e sedento. Ao final do jogo do Chelsea iniciamos uma cantoria absurda de gritos de guerra do timão. O bar chacoalhava e os garçons, desesperados, tentavam colocar ordem na turba bêbada brasileira. Como se tratava de um bar com temática de futebol, um garçom vestido de juiz me deu cartão amarelo. Segui  tocando o puteiro. Levei o segundo amarelo e fui expulso. Na verdade, todos fomos convidados a deixar o recinto. Saímos pra rua numa empolgação movida a muito, mas muito álcool mesmo.  Ali mesmo na calçada, juntei meus comparsas numa posição de coral e, colocando-me como um maestro, regi o hino do Corinthians, para espanto dos japas que passavam. Adney me disse que havia um outro Hub por perto. Na verdade há vários em Tóquio e em todo o Japão. Depois descobri que Adney havia se enganado e ido ao outro Hub antes de nos encontrar. Ok, ok, bora pro outro Hub. Fazer o quê? Beber mais. Tocar o puteiro!
Foi o que aconteceu. Em algum momento encontramos Beavis, Butt-Head, Rochinha e Rapha. Exército reforçado. Neste segundo Hub havia uma garçonete brasileira. Seu nome? Não lembro, claro. Neste momento cerveja, tequila e saquê eram virados como água. Pelo menos por mim. Nossa garçonete brazuca servia um drink esbranquiçado nuns copinhos verdes. Eu não sei o que era, mas virei alguns e comecei a equilibrar os copos na cabeça. Não posso definir que língua estava falando neste momento. É provável que passasse da meia noite. Em algum lugar do mundo. Pedi uma tequila e me invoquei com o tamanho miserável da dose. Talvez eles estivessem tentando nos mandar embora tb. Talvez eu só estivesse absurdamente bêbado e querendo confusão. Fui até o balcão e reclamei. A mocinha japa disse que era aquilo mesmo. Em protesto, peguei um pano de limpar balcão e coloquei sobre a cabeça. Ela se aproximou e disse que eu não podia colocar o pano na cabeça.
- E quem é que vai me impedir? O Imperador?
A bravata soou solitária. Adney se aproximou e bebeu a tequila que era a razão da minha revolta. Na verdade, a razão da minha revolta era o tsunami alcoólico que estava instalado no meu ser. Já tomei muitos porres na vida, mas não me lembro de ter continuado em pé numa situação semelhante. Antes de sair de vez ainda tentei convencer dois japas magricelos que me foram apresentados como donos do bar. Tinham cara de mafiosos e simplesmente me ignoraram. Eu não posso dizer que estava no melhor momento para argumentar com classe.
Rua pra nós todos pela segunda vez na noite. A maioria achou melhor ir pro hotel, mas o caminho se mostraria bem longo e cheio de doideiras. Primeiro dei um perdido na galera e sai correndo atravessando uma avenida movimentada. Depois convenci Falconi, Tabajara e Adney  a fazer uma foto beatlemaníaca sobre a faixa de segurança a lá Abbey Road. A cada esquina trombávamos com japas tão chapados quanto nós e mais gritos de guerra do Timão ecoavam. Fizemos tanta zona que um carro da polícia passou a nos acompanhar de perto. Não chegaram a nos abordar, mas ficaram vigiando pra ver o que iríamos aprontar. Já nas proximidades do hotel, eu, Falcony, Tabajara e Adney emendamos a milésima saideira na já tradicional Family Mart da esquina onde havíamos bebido com mestre Yoda, digo, Afonso, no período jurássico. Entre outras pasmaceiras, reeditamos a famosa jogada em que Cássio, no jogo da Libertadores contra o Vasco no Pacaembu, defendeu uma bola cara a cara chutada por Diego Souza. Chega? Não.
Entramos no hotel e demos com a torcida do Monterrey se embebedando. Imediatamente nos unimos num esforço pan-americano alcoólico e seguimos entornando mais. Eu já não estava mais neste planeta, e hablava uma língua inumana. Fui até a conveniência de dentro do hotel comprar mais cerveja e achei mais amigos mexicanos e brasileiros. E mais e mais foi bebido. Esqueci de voltar com a cerveja que fora comprar pra beber com os hemanos mexicanos. Havia um cidadão neozelandês, se não me engano, com quem troquei muitas palavras em inglês. Não sei como. O tal neozelandês começou a provocar e tirar sarro de alguns amigos da torcida do Monterrey (que a esta altura foram à minha procura na conveniência)  e quase que Adney cola o brinco dele. Em meio a tanta chapação, fui pro quarto temendo dar óbito ali mesmo. Tranquei a porta e abandonei meu corpo. Adney notou minha falta e lembrou de uma promessa bêbada minha de dormir na rua naquela noite. Saiu me procurando e após esmurrar a porta do quarto sem resposta concluiu que eu havia mesmo ido dormir na rua. E com a  temperatura que fazia, eu certamente já havia virado presunto. Ou picolé. Com a ajuda de um funcionário do hotel, meu parceiro conseguiu abrir a porta do quarto e deu comigo dormindo de roupa e sentado, abraçado na pochete que continha documentos e grana. Disse Adney (e no estado em que eu estava não havia como contesta-lo) que eu me recusei a tirar a roupa e apenas deitei-me com a cabeça pendendo para fora da cama e assim adormeci. Lembro de ter acordado ao amanhecer com dor de cabeça e muita sede além de uma ressaca maior que o Godzilla sobre mim. Ai tirei a roupa e dormi de novo. A noite de quinta feira havia sido a mais louca de todas. Em compensação, a sexta feira, pelo visto estava perdida.