Acordo sobressaltado no amplo quarto do hotel de Uberlândia, inversamente proporcional á pequenez do banheiro. A latinha de cerveja virou sobre meu peito. Sorte que só tinha um gole. Ajeito minhas tralhas e desço pro café. To bebendo cerveja e comendo salsicha, ovos, presunto, queijo. Puta esbórnia. Bora pro busão. Mais um gole. Apago. Acordo algumas vezes. O sono em ônibus pra mim é sempre assim: surtos de hora em hora. Heim? Mais de meio dia? Tamos em Bauru. Parada estratégica num Graal pra almoçar. Ligo pra Dex enquanto cago. Ela ta indo pra Praça Benedito Calixto, em Pinheiros, pra ver tranqueiras e antiguidades com a Carlota.
Ataco a feijoada do self service. A Coca Zero com muito gelo e limão vai salvando meu corpo. Pego mais uma macarronada tb. Como igual uma porca grávida. Depois não sei porque passo mal, né?
Du Coleone de Ibitinga já me ligou algumas vezes. Fiquei de gravar o programa de rádio dele e estamos combinando horário. Por conta do show na Locca de Bauru, temos que dar uma entrevista na rádio local, isso pelas cinco da tarde. Sendo assim, marco com a gang do Coleone de me pegarem no Aldeia Hospedaria por volta de seis. E tô aqui no meu quarto, nu, tentando dormir. Opa, cago novamente. E vai merda! Agora é bode.
Tão rolando milhares de clipes do Abba na Tv. Será que algupem da banda morreu? Abba é a maior celebração da coxinhagem do universo. As gostosas cantando aquelas baboseiras de "chiquitita", "I belive in angels", sei lá. Tem uma musiquinha mais rock, "Does your mother know". Não dá pra descer. Aí eu lembro do filme mais boiola de todos os tempos, "Mamma Mia", com trilha sonora deste lixo. Puta merda. Que merda. Sabem quem deveria cantar no Abba? Raí! Rogério Cenni! Kaká! A nata dos coxinhas do Brasil. Me deixa dormir!
Alguém bate á minha porta.
- Entrevista na rádio!
É o Roy. Mas ele não vai! Vamos eu, Cavalo, violão e Juju. A entrevista é bombástica. Chamo o governador de salafrário por conta desta lei nazista contra o cigarro nos bares. Aproveito e incluo o babaca do prefeito de sampa no pacote. Cretino! O papo vai bem. To inspirado. Modéstia á parte, sou bom nisso.
De volta ao hotel, to esperando a trupe do Coleone. Não lembro do nome do programa. Novas tendências? Todas as tendências? Ondas sonoras? Não lembro, caralho.
Mas ele me disse que já entrevistou algumas pessoas legais e tenho trocado papos com ele aqui mesmo no blog e gostado do papo. E ele é corinthiano. Mas é um atrasado de merda tb. Ibitinga fica a 70 km de Bauru. Isso dá cerca de uma hora de estrada pra ir e mais uma pra voltar. Mas uma hora de gravação são três. Se saísse ás seis, voltaria ás nove. Como são seis e meia e os filhos da puta ainda não deram as caras, vai atrasar tudo.
Opa, chegaram. Um carro preto de quatro lugares. Eu sempre esqueço de olhar a marca dos carros. Pode ser um importado, ou um Vectra, sei lá. Du Coleone vem me resgatar do hotel e eu já dou uma esculhambada por causa do atraso. Ele diz que se perderam e demoraram pra perguntar por que feria o orgulho sei lá de quê do motora. Alô, alô motora, vai tomar no cu! O motora é o Schell...ou será Scheel? Ou será Shell? Ou ainda Xéu? É Schell. O cara que ta no banco de trás, ao meu lado, é o Motta, com uma câmera que eu intuo está me filmando. Ta rolando Supertramp no som interno. Depois é Van Halen, "I Can't Stop Loving You". Caralho, como o Sammy Hagar canta pra caraio. A trilha dos caras é de responsa. Entra um Skylab que eu conheço de fama, mas não as músicas. Vamos falando merda no caminho. Vou latindo pela demora de chegarmos na cidade. A estrada tem mão dupla e pista única o que dificulta a ultrapassagem. O Du, que ta sentado na minha frente, dá aula em colégio, acho. E o Schel dá na faculdade. Olha só que dupla legal: um dá no colégio e outro na faculdade! Eh, eh, eh!
Demora. Demora. Que caralho de cidade longe. Se o Banas descobre que eu me afastei 70 km do local do show pruma entrevista ele me dá um tiro. Chegamos. Parada no posto para reabastecimento do carro. Du compra umas heinekens. Hum. Ta bom!
Rádio. A gravação vai começar. São quase oito da noite. Além do Motta gravando tudo, do Schel e do Du, do outro lado do vidro mais dois caras participam da mesa redonda que hoje debate Mainstream contra Underground. A coisa é organizada, os caras são professores, porra.
Tem um roteiro que começa explicando o significado de cada uma destas palavras gringas. Querem saber o que é mainstream contra underground? É a luta de quem está com a rapadura contra quem não está com a rapadura, ok? Quem está sem quer ter a rapadura. E quem está com a rapadura não quer largar. É isso.
Não vou aprofundar a conversa. Mais pra frente coloco um link pra vcs ouvirem o papo. Mas era pra durar uns quarenta minutos no máximo e talvez tenha sido uma das melhores entrevistas que eu já dei. Falei de tudo que me deu na telha sem papas na língua que é minha característica. Legal conversar com gente inteligente e que te respeita. A coisa durou bem mais do que o previsto com o cara responsável pela montagem e edição coçando a cabeça pensando em como cortar a conversa que se alongou entre política, música, caganeiras e sexo. E tb como colocar pis na saraivada de palavrões que eu emiti. É assim. Tudo regado a mais algumas Heinekens. Os caras haviam comprado um camarote no nosso show em Bauru e ao final da entrevista, devidamente ladeados por sua mulheres, zarpamos já prontos pra nossa apresentação educativa na Locca. Motta foi de moto. A mulher do Schell tá no banco da frente e chama-se Letícia. Ela é a moça que vez por outra me estende latinhas de breja. Grato, querida.
Ao meu lado está Du Coleone, um divisor de águas providencial (na opinião dele) que me separa da sua namorada, a bióloga e cachaceira (segundo me informaram e depois eu comprovei) Dri.
Voltamos sob a noite escura da estrada, bebericando brejas e conversando legal. Povo gente boa. Ah, esqueci de dizer que antes de sairmos de Ibitinga City passamos no bar do sogro do Du, um muçulmano simpático que, como convém á sua crença religiosa, não bebe. Não bebe, mas vende ótimas pingas. Du aplicou um golpe no sogro e furtou dele uma pinga com mais de 25 anos de prateleira. E me deu! Obrigado gente! Esqueci, claro, o nome do sogrão.
Estou eu já bem entretido com minhas pasmaceiras verbais quando leio no negrume exterior numa placa o nome Iacanga, local onde ocorreu na década de 70 o lendário "festival de águas claras", uma espécie de Woodstock brasileiro onde muita gente garante ter nos visto tocar. Difícil, pois a banda é de 86 e eu não tinha nem quinze anos na época do show.
Peço pra galera parar e as moças, lavadas em enxaguadas na gentileza, prontificam-se a me fotografar na frente da placa lendária envolta em alto teor de simbolismo.
Fotos tiradas, seguimos por este mundo de meu Deus e fui deixado de novo no hotel. Uma vez que, em função da entrevista em Ibitinga fui incluído fora do jantar da banda, providenciei na recepção um x-salada e uma coca cola. Comi. Cochilei. Me arrumei. Aprontei a mala.
To aqui na portaria com a galera. Tamos na Van. Chegamos á Locca. Que bela estrutura. Camarim amplo, com bebidas variadas, salgadinhos idem, espaço, banheiro próximo, atenção dos contratantes. O palco, visível de onde estamos, tem cerca de um metro e meio de altura. Pé direito alto, som operante e casa lotada. Receita prum bom show. Será a redenção da noite anterior. Tudo perfeito.
Até a música nova sai direito. Show redondo, trocas de roupas, tudo.
Em determinado momento quase que eu arrumo uma confusão geral acendendo um cigarro em pleno palco. É proibido, vcs sabem. Então, um momento único se sucede. À frente do palco uma porção de fãs sedentos por nicotina faz a mesma coisa que eu, pondo fogo na madeira. Maconha, não! Marlboro! A que ponto chegamos.
A segurança se mobiliza sem saber se tenta apagar o meu cigarro e o de todo mundo ou se simplesmente finge de morta. Daqui por diante em shows no estado de São Paulo vai ser assim. Acender um cigarro, mais que um hábito ou um vício, será uma atitude política punível com a lei. E eu repito: a que ponto chegamos?
Fim de show, saio perambulando pelo meio da galera tirando fotos, dando abraços amigos, autografando cds e camisetas. Cruzo ainda a galera de Ibitinga. Dri deu petê. O resto do pessoal ta ótimo. Boa viagem meninos. Prazer conhecê-los.
Volto pro Hotel. Banho. Bronha. Malas arrumadas. Café mal tomado. Busão. Preciso cochilar estas quatro ou cinco horas de estrada. Quando acordar, tenho quatro horas de programa ao vivo pra fazer no Domingo Legal. Lerê, lerê, lerererererê!Vida de negro é difícil.