quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Treme Japão - Capítulo 4 - O 1º Jogo

Japão - 12 de dezembro de 2012 – Bar Vivo!–  Ikebukuro – Tóquio – quarta feira

O bar ia fechar e ao amanhecer deste dia teríamos nossa primeira batalha pelo título. Vamos embora, minha gente.
A caminhada pro hotel não pareceu tão fria o que me fez raciocinar que eu tava mesmo breaco, pois a madrugada se iniciava e logicamente a temperatura havia caído. Nas proximidades do hotel resolvemos tomar mais uma saideira e mastigar alguma coisa numa Family Mart que ficava bem próxima. À nossa entrada o atendente noturno, aparentemente solitário, pronunciou uma frase de boas vindas daquelas que o Afonso disse que eles sempre falam. Eu ouvi “curi-curi-curi”. Ao lado do caixa havia sopas, espetos que pareciam ser de linguiça, pedaços de frango, umas algas estranhas e outros trecos que resolvemos dizer que eram enguias. Não sei o que era e não me lembro se Afonso identificou aquilo pra nós. As opções de cerveja, ainda que fossem apenas as latinhas comerciais (como as servidas na ANA), eram grandes. Procurei uma diferente e mesmo não entendendo aquelas malditas arvorezinhas da escrita japonesa, encontrei uma latinha verde de Kirin, uma premium lager  com um aroma de lúpulo bem interessante.
Quando percebeu que estávamos propensos a comer hambúrgueres, Afonso nos interrompeu com um discurso inflamado de quem já visitou mais de 20 países e viveu na Suíça, Bélgica e Japão. Disse que deveríamos experimentar alimentos tipicamente japoneses, correr riscos, aprender através da comida um pouco do que é o Japão. Correu até uma gôndola como um maratonista insano e veio com uma espécie de esfiha triangular verde. O nome daquilo era Onigiri, um bolinho de arroz revestido com uma folha de alga muito fina e com um recheio interno de atum com maionese, Tuna Maio. O tal folha de alga chama-se Nori e, diz a internet, é feita a partir de várias folhas de algas. Contém o dobro de proteína de muitos tipos de carne e pode tb ser polvilhada sobre a comida, como queijo ralado. Já o Onigiri também recebe o nome de Omusubi e era, originalmente, encontrado em formato oval ou esférico. Nosso mestre em assuntos japas disse que há trocentos tipos de recheio para o Onigiri, entre eles peixe, salmão, enguia, atum, picles, frutos do mar, ouriço-do-mar, camarão e muitos outros. É tipo um pão de queijo de lá, saca? Foi inventado antes mesmo dos pauzinhos (hashi) pra facilitar o manuseio pra comer. Nos anos 80 algum japa espertinho inventou uma máquina que produz estes Onigiris triangulares e os recheia automaticamente, exatamente como pães de queijo. Inicialmente houve rejeição popular, mas no fim das contas todo mundo aprovou a novidade.
Tanto papo furado me deixou faminto. Sabe-se lá se por não ter jantado ou por estar mamado, gostei do sabor daquele salgado servido frio. Jorginho relutou, mas no fim todo mundo experimentou e lambeu os beiços. Cada um pegou a sua cerveja e fomos pra porta da conveniência, beber e trocar mais ideias malucas observando a silenciosa noite japonesa.
Uma menina passou com as pernas de fora e perguntei a Afonso uma frase em japonês pra “mexer” com ela... Ele falou um “curi curi curi” e eu repeti... Ela riu.
- Mas o que eu falei pra ela, mentor? - perguntei
- Disse que ela tem pernas bonitas!!! – respondeu o mestre.
Um gato gordo passou por nós e notei que não havia visto animais pelas ruas, nem cachorros e nem felinos. Os olhos de Afonso brilharam e ele sacou mais uma empolgada explicação. Disse que povo japonês é louco por animais de estimação, que existem inclusive cafés para gatos e cachorros.
- Já vi até notícias sobre spas e restaurantes onde o dono não entra, fica de fora olhando – explicou. Existem ainda cafés onde os gatos andam soltos, e você, enquanto toma o café, pode brincar com os animais no ambiente.
- E insetos? A radiação matou todos os insetos? – perguntei inebriado
- Mosca e mosquito tem sim, mas no verão – disse o homem do momento. Vocês vieram no outono/inverno e agora não tem.
Perguntamos ao Afonso se ele não ia perder sua condução. Ele respondeu que o ultimo trem já tinha saído faz tempo e que ele pretendia ir a pé. Até sua casa seriam 40, 50 minutos de caminhada. Nos oferecemos pra pagar um táxi, já que ele havia se atrasado pra nos ciceronear. O cara tava mesmo animado e pediu pra tomarmos mais uma rodada que ele queria por que queria pagar. Bebemos mais uma lata cada um, sentados na calçada, com o frio zunindo. Estávamos a duas quadras do hotel e completamente chapados.
Começamos a procurar a porta de entrada e, de uma maneira que beirava o impossível, nos perdemos. Rodeamos o hotel pelo lado errado, subimos escadas e chegamos a uma praça de onde dava pra ver meu quarto e do Adney, mas sem acesso aparente. Por mais que andássemos não achávamos a portaria do hotel. Parecia um pesadelo interminável. Veio uma vontade desgraçada de mijar. Jorginho encostou-se a uma parede. Eu em outra. Afonso começou a pular em frente da câmera de segurança temendo que fôssemos presos por atentado ao pudor. Aquele drama alcoolizado durou bons 20 minutos que pareceram 20 horas, com a gente vendo o hotel, sua torre e dando voltas e mais voltas sem achar a entrada. Surreal! Coisa de bebum! Depois de muito custo e com o esqueleto completamente gelado encontramos a maldita portaria. Nos despedimos do nosso dileto amigo e marcamos uma nova saída pra sexta feira, provavelmente pra ir a um bar de Jazz ou Blues. Na quinta o cara tinha que estudar. E naquela quarta nós estaríamos em uma batalha contra o time egípcio. Vai com Deus, bro, boa caminhada!
Como num passe de mágica estávamos jogados, cada um de nós, em suas devidas camas. Jorginho estava num quarto sozinho, pois seu parceiro de viagem havia desistido na última hora, ficando no Brasil.
A embriaguez não permitiu grandes assepsias bucais e genitais. Mesmo bebum, demorei um pouquinho pra dormir e descobri que havia um monstro na cama ao lado: Adney não roncava, urrava como um bárbaro com diarreia. Heim? Certamente vcs acham que estou exagerando, uma vez que eu mesmo sou um roncador emérito. Já conheci várias espécies de seres humanos noturnos barulhentos. Uns constantes, mas comedidos, outro intensos mas intermitentes. Já ouvi gemedores, risonhos, assopradores, sonâmbulos, falantes, narradores de futebol, confessionistas, cantores, enfim, toda espécie de barulhentos da madrugada. Mas nunca, em toda minha bêbada existência, estive exposto a um ronco tão intenso, alto e incessante como o que saia daquele tórax magricelo. Puta que pariu! Mesmo anestesiado não dava pra dormir. Deitei pelas quatro da manhã, batiam cinco e o homem não diminuía um só decibel em sua performance de deus do trovão. Como diabo vou passar 10 dias dormindo com este bisonte? O despertador estava marcado pras oito e meia, uma vez que nove e meia sairíamos em caravana em direção a Toyota. Mas antes queríamos tomar café, que estava no pacote.
Tecnicamente, Toyota fica a 247 km, mais perto que Nagoya, que fica 100 km à frente. Mas, pelo que entendi, iríamos primeiro a Nagoya, para um city tour e depois encararíamos mais 30 km, voltando até o estádio de Toyota, pro jogo. Que porra íamos fazer em Nagoya, eu não sei. Estávamos no Japão pra ver o Corinthians. Por que não ir direto pro local do jogo? Turismo de cu é rola! Opa! Bateram cinco e meia e o homem parou de roncar. Simples assim, sem aviso prévio. Me assustei. Teria morrido? Levantei e chequei e o viking respirava. Aproveitei o silencio e busquei paz. Naquela confusão de cansaço, fusos horários, roncos e muita cerveja, qualquer repouso seria um prêmio. Té já!
Olá. Oito e meia da matina. Gosto de cabo de guarda-chuva na boca. O urso ronca ao meu lado. Acorda desgraçado. Vou pro chuveiro. Primeiro é hora de expelir dejetos no trono tecnológico. Enquanto faço o serviço, vou brincando com a botoneira do vaso sanitário. Água quente... Uhu! Tá meio quente demais. Vou diminuir a temperatura. Hum. Vamos experimentar... Agora sim! E este para o asseio feminino? Vamos ver... Uau! Água quente no saco. Hum... O ângulo é diferente do outro jato... Olha só! O jato do “furuvió” é mais pra cá. O das bolas e mais pra lá. Divertido! Opa, a descarga acionou automaticamente. Gente, que parque de diversões!
Simbora pro chuveiro. Tubões de sabonete líquido, shampoo e condicionador. A merda do chuveiro é daquele que vc pode usar como portátil ou pendurado na parede, graduando a altura. Por mais alto que a gente coloque, o jato atinge no máximo meu peito. Pra lavar a cabeça ou me agacho ou trabalho manualmente. Mas aí só resta uma das mãos para apertar o botão e borrifar o sabonete líquido. Caraio, esta porra caiu na banheira. Bem, pelo menos a água é quente. Uau... Que sensação é esta? Será a ressaquinha de ontem ou um terremoto? Puta merda! Este negócio tá chacoalhando? Ou eu é que to zuado?
Chega de banho.
Substituição no banheiro do quarto 911: sai Paulão, entra Adney “Urso Roncador”. Enquanto isso eu aciono meu Lap Top e mando pau no hino do Corinthians, com direito a repeat eterno. Os primeiros acordes soam e arrepios sobem pela espinha, enquanto os olhos enchem d’água. Este hino é de foder. Deito na cama pra viajar no som como se fosse Pink Floyd. Aí sim!
Velho... De repente o prédio começa a chacoalhar...Será a ressaca de novo? Não! O bagulho é muito mais intenso. Lustre no teto pra lá e pra cá. Será mais um daqueles terremotos imperceptíveis? Porra, mas este tá muito perceptível... O mundo vai acabar no dia da estreia do Timão no mundial interclubes? Mas, que eu saiba, a data certa do mundo acabar é 21 de 12 de 2012. Hoje é 12? Terão os Maias adiantado a balbúrdia? Me levanto assustado, ao som de “...és do Brasil, o clube mais brasileiro”. Com dificuldade me movo até a janela. Preciso ver o que está acontecendo lá fora. Abro a cortina e dou de cara com um monstro daqueles de filmes japoneses destruindo tudo. Godzilla miserável. Um Godzilla com o cabelo moicano do Neymar. Até parece com ele. Não é possível que os santistas vão acabar com o mundo pra gente não ganhar o bi-mundial igual ao deles. Porra, assim não dá!
- Apagou, velho bebum?
É o Adney, que me cutuca, me acordando do pesadelo. Mais um. Primeiro foram os parmeristas no avião. Agora Neymarzilla. Assim este coração corinthiano num ‘guenta! Colocaram alguma coisa na minha cerveja ontem!
Ok, hora de se acalmar, esquecer os encostos e vestir a armadura contra o frio. O dia vai ser longo e terminará com vitória. Porra! Acionamos a tal da segunda pele. Não sei se comprei um número pequeno, mas esta merda está enforcando meu saco. E a parte de cima? Meus peitinhos tão mais duros que pedra. Acomodei a doleira no pescoço com grana e o passaporte. Celular não funciona mesmo, então vou deixar. Cachecol, touca, tudo do timão. Luvas. Boné tb. Simbora descer e encarar o café da manhã.
É no mesmo salão da reunião do Mohamed de ontem. E o lugar é grande. Mesas pra todos os lados, quase todas povoadas de pessoas vestidas de alvi-negro. Que puta emoção fazer parte deste exército! As opções de café são variadíssimas. Vou atacar estas salsichas alemãs. Tem macarrão tb. Algumas opções de salada. Sopas, caldos, arroz, peixe defumado, peixe cru, pães, bolachas e uma infinidade de coisas da culinária japonesa. Porra, eu que não curto comer nada de manhã estou escondido atrás do prato.
Gente: estamos do outro lado do mundo pra ver o timão! Ca-ra-lho!
Perto das nove e meia da manhã e antes de ir pro yellow bus, corro até a Family Mart do hotel e como não sou menino, compro meia dúzia de três ou quatro latões de cerveja japonesa variada.  Ainda que a ressaca já sapateie ao meu redor, sei que precisarei delas. Nada de mais. As comerciais que tinha bebido no avião e nas conveniências da vida, cá em terras japonesas.
Tá frio, claro. Mas assim que colocamos os pés dentro do busão é preciso retirar a armadura anti-frio. O ar condicionado, saca? Mohamed fez listas com a escalação dos ônibus. Eu, Jorginho e Adney tamos neste que é o terceiro. Tem muito mais gente. Só figura. O cearense Rivelino, cozinheiro que tem uma tatoo gigante do timão nas costas. Rapha, o paulistano que trabalha no sul e por isso deve ouvir piadas sobre gaúchos durante todo o trajeto. Falconi, que tem uma banda de rock em sampa tb. Dois irmãos que ainda não sei os nomes. São bem jovens. Beavis e Butt Head vai servir pra identifica-los até que eu saiba como se chamam. Tem um negrão, careca, de nariz e sorriso largos e óculos escuros chamado Dalmir. Tem um pai e um filho, que o povo chama de Bob pai e Bob filho, o pai de bigode, o filho mais baixo.
Tem o Rodrigo Preto, o Rochinha, o Edu e o Tabajara. Tem um cidadão vestido de Mosqueteiro que fala pra caraio. Contador de piadas.  Ao que parece ele está viajando com o sogro do filho ou filha dele, o Wilson. Já soltou algumas de gaúcho, todas inspiradas no Rapha. A todo momento ele pede a anuência do pobre Wilson que, ao contrário dele, não é muito de falar. Mas a falação está instalada dentro da condução. Dou uma observada na rua e vejo na frente do nosso hotel uma espécie de estacionamento de shopping. Tá escrito com aquelas arvorezinhas alguma coisa que não entendo. Mas tem inglês tb: “driving school”. Porra! É tipo um autoescola em que as pessoas ficam dirigindo dentro de um grande estacionamento. Sobe, desce e vira, mas não saem pra rua. Interessante! Minha investigação ocular das redondezas é interrompida pela fala de Mohamed que nos apresenta nosso guia. Um japa gordinho de óculos, cabelos curtos e espetados.
- Meu nombre és Yuki “curi-curi-curi” Massaioshi, ou algo assim – diz ele
A galera o saúda:
- Yuki Massa, Yuki Massa, olê, olê, olê!
Aí os gritos de guerra corinthianos tomam conta do ambiente, aumentando a adrenalina. Minha voz vai indo pra cucuia. A tendência é que a mudez total chegue no domingo da final. Não importa. O que vale é o timão ganhar esta bagaça. O Yuki fala mesmo é espanhol, mas diz que tá aprendendo português. O povo exige e a cada pronunciamento ele precisa finalizar com “Vai, Corinthians”.
Yuki tem um assessor, mais jovem, magrinho, tipo um emo de olhos puxados chamado Rari. Na verdade acho que é Harry, mas eles falam Rari e Rari será. Yuki diz que vamos primeiro a Nagoya, conhecer um tal dum castelo e na sequência o destino é o estádio. Como já disse, Nagoya fica pra frente de Toyota, onde será o jogo. Pra mim tá tudo certo. Passa pouco das dez da manhã e enquanto nosso guia diz que vamos avistar e passar bastante perto do Monte Fuji no trajeto, abro minha primeira cerveja. O ônibus começa a se movimentar e vamos bebericando a cerveja em rodízio, numa fraternidade semelhante à de acampamentos adolescentes.  Tóquio se mostra de dia para nós. Seguimos por um viaduto que se desdobra em e outro. Há placas luminosas sobre as vias indicando caminhos congestionados. Os carros são todos muito novos e bonitos. Os prédios não parecem ser tão altos. Há alguns condomínios baixos com varais nas sacadas, semelhantes aos que vemos em cidades praianas. Não to vendo nenhuma ave no ar. Há lugares onde a concentração de prédios altos é maior. As mocinhas de micro saia e pernas arqueadas estão pelas ruas. Tem japonês pra caraio! Vamos indo, ouvindo as piadas do Mosqueteiro.
- O Gaúcho faz o pedido de casamento para o pai da prenda. Mas bah tche, porque queres casar com minha filha? Mas bah tche, tens alguma dúvida? Olha que minha filha gosta de pinto grande e grosso. Mas bah, quem não gosta tche?
O cara tem um arsenal digno do Ary Toledo, ainda que peque um pouco pela originalidade. Mas o povo ri, o que leva a crer que minha ressaca associada à minha ranzinzice explicam o fato de eu não acha-lo tão engraçado quanto os outros. De repente Yuki Massa interrompe o show do Mosqueteiro e informa que já podemos ver, lá no horizonte, entre este e aquele prédio, o fabuloso Monte Fuji. Tá longe pra caraio. Yuki diz que aquela será uma das melhores visões do vulcão momentaneamente adormecido, ao que os fotógrafos de plantão preparam celulares e máquinas. Eu não gosto de fotos. Tô com esta câmera aqui por que se eu não registrar a parada a Dex vai me matar.
- Mas Yuki, vai dar pra ver tudo do Monte Fuji? - alguém pergunta.
- Tudo, tudo, non – enrola-se Yuki – Case tudo! – caprichando no sotaque, implementando gargalhadas na galera.
Não vi um só posto de combustível em Tóquio. Ok, o povo dá preferência ao transporte público. Mas nenhum posto?
Saímos da cidade, sempre mantendo o Monte Fuji no horizonte, cada vez mais perto e visível, ao contrário do que Yuki previu.
Seguindo pela estrada, atravessamos algumas serras, rodando sobre asfalto sempre muito lisinho, eventualmente cruzando viadutos, tendo lá embaixo rios secos ou pequenos e magros cursos d’água. O oceano Pacífico nos acompanha á esquerda. Há anteparos ao lado da estrada, com 3 a 4 metros de altura, curvos pra dentro, aparentemente de vidro ou coisa parecida, implantados com a função de conter o ruído da passagem dos veículos. No sentido contrário, lembrando que estamos na mão inglesa (é o passageiro quem dirige), filas de caminhões sugerem que possa haver algum tipo de rodízio ou limitação de horário para o acesso ao centro de Tóquio.
Olha o vulcão ai, gente! Falemos dele, então! Conhecido no Japão como Fuji-San, o Monte Fuji tem 3.776 metros de altura e é considerado um vulcão ativo, porém de baixo risco. Sua última erupção realmente intensa aconteceu no início do século dezoito. O primeiro cidadão que subiu ao seu topo de que se tem notícia teria sido um monge anônimo, no ano de 663. Hoje a frequência turística anual ultrapassa os 200 mil visitantes, geralmente entre os meses de julho e agosto, quando as condições climáticas são mais favoráveis. O topo do Fuji já foi considerado sagrado e houve um tempo em que as mulheres eram proibidas de subir lá. Hum. Isso tá me cheirando a “bunga bunga” da japonesada.
A subida costuma levar de 3 a 7 horas. Já a descida, quando todo santo ajuda, varia de 2 a 5 horas. As temperaturas lá em cima podem variar de cinco graus positivos a 18 negativos, dependendo a época do ano. Um dos maiores temores dos alpinistas é dar de cara com um dos muitos ursos que habitam a região.
O Monte Fuji é tão importante e imponente que tem até mesmo um dublê. Não acredita? Pois há na Nova Zelândia um monte chamado Monte Taranaki que de tão semelhante com o primo japonês já teve suas imagens inseridas no filme “O último samurai” como se fosse mesmo o Monte Fuji.
Ele segue ao nosso lado, inteiro na janela do busão. É mesmo uma visão impressionante e devo dizer que já faz valer à pena ter vindo até aqui. O que, subir lá? De jeito nenhum. Eu vou é ver o timão, mano!
A conversa dentro do ônibus é inevitavelmente pautada em futebol. Histórias de viagens, comentários sobre a escalação, lembranças de vitórias e por aí vai. Mas ninguém aqui havia chegado tão longe.
O cenário da autoestrada se repete lá fora e conversa vem, Monte Fuji vai, passaram-se duas horas. Cumprindo a lei japonesa, o motorista encosta numa conveniência para seu descanso regulamentar após 120 minutos de pilotagem. Os fumantes, Jorginho e Adney incluídos, se apressam em correr para o espaço designado para saciarem seu vício esfumaçado. Vamos ver o que diabo tem nesse lugar. Há muitos ônibus mais que os nossos três, todos lotados de corinthianos. Porra, tô achando que vamos invadir mesmo esta terra.
O posto de parada consta de várias lojas de conveniência, com praça de alimentação e etc e tal. Nada de álcool, que eu tenha visto. Encontrei o ex-repórter e produtor e atualmente hipnólogo Rogério Castilho, conhecido de SBT. Fui ao banheiro e descobri que o nome da empresa de louças é Toto. Piada pronta, comentei com meus colegas mijões que ali não poderíamos mijar, pois só era permitido Toto. Sacou? Eh, eh, eh. Yuki havia berrado que não nos demorássemos mais de 10 minutos, mas claro que ninguém obedeceu. Caminhei pra lá e pra cá, sob um sol que não aquecia o vento frio e vi uma galera estendendo uma bandeira do timão com a cara do Senna. Estávamos na baía de Numazu, pequena cidade japonesa. Fui até perto de uma mureta de onde dava pra ver bem o litoral do Pacífico refletindo o sol japonês. Bonito! Acho até que tirei uma foto. Tava próximo do meio dia, coisa de uma da manhã no Brasil. Esta coisa de ser dia aqui e noite noutro lugar do planeta é muito louca. Enquanto você tá acordado aqui no Japão, aprendendo e conhecendo um monte de coisas, a vida está em pause no Brasil, com o povo dormindo. Ai vagabundo acorda pela manhã lá e aqui tudo adormece. Dá pra entender? Deixa-me explicar melhor: se eu falar com a Dex ás 11h da noite lá (aqui meio dia) ela vai me falar sobre determinadas novidades do dia que ela viveu. Quando eu falar com ela de novo ao anoitecer aqui, amanhecer lá, ainda serão as mesmas novidades, pois ela terá passado todo este tempo que eu vivi aqui no Japão dormindo. Eu é que terei novidades. E quando a gente dorme, a vida para. Para? Para, porra! Puta merda, que conversa de maconheiro! Vou voltar pro busão que já vai partir.
Estrada novamente. As piadas do Mosqueteiro voltaram. Eu tô meio sonolento. Tomei mais uma cerveja e voltei a observar a paisagem. Beavis e Butt-Head sacaram uma garrafa de Stolichnaya, copos com gelo e algumas latas de energético. Já fui bom nisso. Dou até um gole, mas como tenho mesmo tentado beber só cerveja, contenho meu arrebatamento alcoólico aos destilados. Pelo menos por enquanto.
Opa. Cochilei forte e graças a Deus não tive nenhum daqueles pesadelos com outras torcidas tentando acabar com nosso sonho de bicampeonato mundial. Paramos de novo. Duas da tarde, por aí.
- Armoço – era o Yuki anunciado a hora da refeição ao estilo de Indaiatuba, como salientou o Mosqueteiro, emendando mais um chiste.
A conveniência agora era próxima de Hamamatsu, uma cidade maior que a da parada anterior e que abriga as sedes da Honda, da Suzuki e da Yamaha. A configuração do local era idêntica à parada anterior. Enquanto fumadores davam vazão ao seu vício eu fui me aliviar e novamente soltei a piada do Totô no banheiro. Público rotativo, risadas renovadas, saca? Entrei numa das lojas, completamente tomada pelos excursionistas corinthianos e uma vendedora me ofereceu uma espécie de Maria mole redondinha e salgada, com recheio meio gosmento. Sei lá eu que porra era aquilo. Mas pus na boca, engoli e até hoje não morri. Proporcionalmente pequena para cerca de 300 corinthianos de pelos menos 10 ônibus, a praça de alimentação logo virou palco de várias filas. Num dos restaurantes, que oferecia pratos montados com macarrão, carne e salada, a concentração foi maior. É aquela coisa de siga o líder. Um parou ali. Mais um e daqui a pouco eram dezenas na mesma fila enquanto os outros restaurantes ficavam ás moscas. O negócio era escolher pela foto, uma vez que os dizeres estavam todos escritos com as tais arvorezinhas incompreensíveis. Vi um treco que parecia um macarrão à bolonhesa, mais salada e uma espécie de bisteca de porco. Bem, era bisteca de algum animal. De baleia, quem sabe? Sei lá! Certamente, pelo tamanho do osso, não era bisteca de enguia. Sentamos, eu e Adney, e esperamos bebericando coca cola que, graças a Deus, tem em toda parte do mundo e mesmo os japoneses entendem quando pedimos. Curti o rango. A bisteca de porco tava macia e era bem grossa. Tive um pouco de receio daquilo se tornar uma severa diarreia no trajeto, problema agravado pelo fato do busão não ter banheiro. Andanças pra lá e pra cá, cumprimentos de “Vai Corinthians” sempre que nos encontrávamos, alguns gritos de guerra e já tava batendo umas três da tarde. Instintivamente eu calculei que havíamos vencido dois terços do trajeto e agora deveríamos estar a uns 100, 120 km de Nagoya. Eu seguia sem entender que diabos íamos ver nesta merda de castelo de Nagoya. Pesquisando na Internet descobri que foi erguido em 1525 e que  ele tem dois golfinhos dourados sobre uma das cúpulas, simbolizando a autoridade feudal que comandava o lugar em tempos remotos. Durante a segunda guerra mundial o lugar virou pó por conta dos bombardeios, sendo reconstruído posteriormente. E é só.
O meio da tarde no Japão significava meio da madrugada no Brasil. Meu corpo movido a álcool e mediamente acostumado a não ter horários específicos para descanso acusava os exageros dos últimos dias e queria desligar. Era um dia especial demais pra sucumbir ao sono. Resolvi virar com rapidez dois latões de cerveja pra ver se pegava no tranco, seguindo um antigo conselho de minha autoria: "quando não souber o que fazer, dê goles grandes”. Dei também uns pegas na vodka com energético dos meninos e recuperei parte do controle da minha extenuada situação física. O povo deu uma trégua nos gritos de guerra e no conversê. Liguei o Ipod e mergulhei nuns Deep Purples violentos. Chacoalhei a cabeça assustando minimamente as outras pessoas. De certa forma alguns ali me olhavam como algum tipo de celebridade. Convivo comigo mesmo desde que nasci e garanto que não sou celebridade porra nenhuma. Mas faz algum tempo deixei de perder tempo discutindo com quem resolve me incluir neste contingente de pseudo famosos. Sempre lembrando que celebridade de cu é rola! Tirei o fone e notei que Black Rodrigo falava aos fariseus sobre minha música em homenagem ao timão, “Todo Poderoso Timão”, através da qual ele teve seu primeiro contato com as Velhas Virgens. Lembro-me de ter escrito esta canção quando o time, curiosamente, não estava numa fase boa. Aliás, a fase era péssima e havíamos caído pra segundona, em 2007. É um hard rock que nunca foi registrado em Cd ou DVD. Ele só existe no youtube e é uma declaração de amor descarada ao meu time. Segue a letra:

Todo Poderoso Timão

“Essa lição que tive, trago do berço. A tradição que aprendi com meu pai. De amar meu time, acima das coisas do mundo. Uma paixão que não muda, um amor que não trai.
Abaixo apenas do São Jorge e do nosso Senhor. Meu alvinegro apressa o meu coração.
Mais duradouro que o dinheiro e o tesão, desde menino eu sou do Todo Poderoso Timão,
Coringão, meu amor.

Ruço, Casão, Wladimir, Sócrates, Edilson, Palhinha, Marcelinho.
Rivelino, Zé Maria, Amaral, Zenon, Viola, Paulo Sérgio, Vaguinho, Geraldão.
Ronaldo, Ronaldo Fenômeno, Neto, Rincón, Márcio, Zé da Fiel, Tupãzinho.
Vampeta, Ricardinho, Tevez, Gamarra, Biro-Biro, Carlos, Luizão.

Da Fazendinha pro Brasil, o 1° dono do mundo. De São Basílio, São Matheus e São Brandão.
Correm as lágrimas quando ouço esse hino. Desde menino eu sou do
Todo Poderoso Timão. Coringão, meu amor.

Eu já troquei de cerveja, eu já troquei de mulher, eu já mudei de partido e até de religião.
Eu já te vi cair sem nunca perder a fé. Eu já te vi levantar e ser de novo campeão.
Maracanã dividido em 76, quem já vez? Meu time me emociona, a Fiel me carrega pela mão.
Sport Club Corinthians Paulista, pra toda vida eu sou do Todo Poderoso Timão.
Coringão, meu amor”.
E de fato, meus olhos estavam cheios d’água quando acabei de cochichar aquela letra, baixinho, pra mim mesmo, ali, naquela estrada japonesa rumo à semifinal do mundial interclubes. Meu pai era corinthiano, mas nunca me disse pra ser. Ele era. E eu virei tb.
Ele havia visto o esquadrão alvinegro vencer o famoso paulistão do quarto centenário, em 1954. E de lá até 77 ele amargou os anos de humilhação diante do Santos e os anos sem título. Ser corinthiano, pro meu pai, era um peso. Quando comecei a curtir futebol, em 75, levou apenas dois anos pra voltarmos a ganhar. Eu sou um privilegiado. Talvez por isso tenha trazido na mala uma camisa do meu pai, falecido em 1989. E ela estará comigo na final de domingo. Não vou gastar sua magia hoje. Mas de domingo, não passa. Nunca assisti a jogo com meu pai no estádio. Mas na final, que virá, mais que nunca ele estará comigo. Amém.
Não conheço modo mais adequado de terminar uma prece. Amém. Aquele jogo contra o time egípcio era como, mal comparando,  brigar com bêbado. Se vc bate, bateu num bêbado, qualquer um bateria. Se vc apanha, apanhou até de um bêbado. Temos que passar por este jogo de hoje, nem que seja de meio a zero.
Meu raciocínio emocionado foi interrompido por uma necessidade premente de aliviar fluídos e sólidos internos. E parece que o piriri foi geral, pois mal adentramos à cidade de Nagoya propriamente dita, uma comoção fez com que o busão parasse na primeira estação de metrô para que a turba se aliviasse. Foi um corre-corre geral em direção ao banheiro. Rapidamente filas se formaram diante dos 3 boxes insuficientes do mictório mais próximo. Alguns vagabundos trocaram o piriri por compras de bebidas numa loja especializada próxima. Aos poucos os vingadores foram retornando a seus respectivos ônibus que lentamente retomaram seus trajetos. O nosso foi o último. Seguíamos pelas ruas movimentadas de Nagoya. Ví um restaurante aparentemente de frutos do mar com um caranguejo animado gigante pendurado na fachada. Mais adiante ví uns pica-paus vestidos de turbante e desfraldando uma bandeira do Egito. Eram pouco mais de 30 pessoas que compunham a torcida do Al Ahly. O caras estavam batucando e festejando e logo foram saudados por por um “ei Al Ahly, vai tomar no cu” e outros cânticos de louvor à valorosa gente das pirâmides. Torcida é torcida. Fair play é o caralho, todo mundo é inimigo! Que a animosidade ficasse apenas na gritaria. Os últimos raios do sol pintavam o fim de tarde e Yuki insistia em nos levar ao castelo maldito. Todos estavam revoltados, querendo ingressos e chegar ao estádio. Beavis e Butt-Head pareciam ainda mais tensos que os outros. Depois eu viria a saber que eles não haviam sequer comprado ingressos para o jogo e pretendiam faze-lo nas bilheterias. Nós, apesar de termos fechado nosso pacote ainda no Brasil com ingressos incluídos, a bem da verdade,  estávamos tão sem ingresso quanto eles. Já á beira de um linchamento, Yuki apontou o tal castelo de Nagoya.
- Yuki: ninguém quer ver porra de castelo de Nagoya nenhum! Leva a gente pro estádio, caraio!
O relógio marcava aproximadamente cinco da tarde, horário japonês. E não foi à toa que nosso guia de olhos puxados levou esta frase ofensiva pela fuça. Faltavam duas horas e meia pro jogo e nós já estávamos rodando desde as 9 da manhã pelas estradas milimetricamente asfaltadas da terra do sol nascente. Eram apenas 348km entre Tóquio e Nagoya, mais cerca de 30 km até o Toyota Stadium. Mais perto que São Paulo do Rio de Janeiro. Não deveria demorar tanto. Ninguém queria saber de turismo. Os nervos pela estréia no Mundial Inter Clubes diante dos egípcios do Al-Ahly estavam muito além da flor da pele. A questão não era superar o campeão da África. A questão era vencer a ansiedade da estreia e do pseudo favoritismo que persegue europeus e sul-americanos neste torneio. A questão é que somos corinthianos e nada vem pra nós sem sofrimento. Muito sofrimento!
A noite caiu de vez pouco antes das 18h, quando nos vimos frente á frente com uma construção enorme, iluminada, de onde saltavam grandes mastros como os de um barco afundado. Estávamos sobre uma ponte cheia de arcos ao lado do estádio. Todos desceram dos ônibus e após uma curta caminhada num breu digno das redondezas de um campo de várzea, surgiram á nossa frente stands com o emblema da FIFA, tendas com as taças continentais dos clubes participantes, barracas com sanduíches, refrigerante, tira-gostos variados, um palquinho com algum mané discotecando world music (Michel  Teló incluído) e lojas de lembranças e presentes. Tudo FIFA! Ao fundo, glorioso, lá estava o Toyota Stadium!
Mas havia um problema ainda maior que ansiedades e históricos de sofrimento do nosso time. Estávamos a 19 mil quilômetros de casa, numa terra que mal falava a língua dos Beatles (muito menos a nossa), após quase 28 horas sobrevoando céus americanos e asiáticos e nenhum de nós, 90, 100 fariseus integrantes do bando de loucos, tinha posse do ingresso para a partida. Nosso manager, Mohamed, não fora visto desde a saída do hotel em Tóquio, na manhã daquele dia. E até então, nada de Mohamed. E nada de ingressos!
18h30. 18h31. O frio zunia e a euforia das fotos em frente ao shopping Fifa e do estádio ia sendo substituída por um certo desespero. Um puta desespero: ingressos! Cadê o Mohamed?
18h39.18h40. Eu precisava mijar. Mas as pessoas, nem todas conhecidas, estavam meio dispersas e eu tinha medo de sair pra tirar água do joelho e me perder daquele povo que tremia de frio e temia o mesmo que eu. Cadê o Mohamed, caralho?
18h43.18h44. O povo ia para lá e para cá. Lá dentro, ruídos da torcida davam pinta de que os times se aqueciam no gramado. A Fiel dava o tom. Estaríamos em maioria, certamente. Aquele momento de concentração, de curtição, com o qual eu havia sonhado, estava acontecendo a metros de mim e eu não tinha acesso a ele, mesmo já tendo pago por isso. Puta, que pariu, Mohamed onde vc está com nossos ingressos, c-a-r-a-l-h-o?
18h48.18h49. Eu estava pra mijar nas calças na porta do estádio e sem ingresso. Dali 41 minutos ia começar o jogo. Pedi ajuda a São Jorge, nosso padroeiro. Santo guerreiro: encontre o Mohamed, puta que pariu!
19h02.19h03. Me perdi em preces e já havia acionado Santo Expedito, São Judas, Nossa Senhora de Aparecida, De Fátima, De Lurdes, Da Conceição, até Nossa Senhora do Bom Parto. Fui no chefe: “ Jesus Cristo, traga este desgraçado deste egípcio aqui com meu ingresso!” Pelamordoseupai!
Parei de olhar o relógio e temi pelo pior. O cerimonial da FIFA estava começando, como indicava a trilha sonora. Eu só pensava em números: eram 19 mil quilômetros de casa. E pouco mais de 30 metros até o local onde meu time ia jogar uma semifinal do campeonato mundial interclubes. E eu não tinha ingresso! I-n-a-c-r-e-d-i-t-á-v-e-l! Fudeu! Fudeu de vez!
Rogério Castilho, o hipnólogo, me puxou de lado e ofereceu a divisão de uma mini garrafa de vinho daqueles que o povo da ANA serviu a rodo durante a viagem. Bem, um vinhozinho vai mais que bem nesta friaca. Enquanto bebericávamos disfarçadamente (a garrafa era pequena, não dava para dividir com mais ninguém), um cara moreno e magrelo se aproximou fumando seu cigarro. Identificou-se com um inglês macarrônico como jornalista egípcio ligado ao Al Ahly. Perguntou o que sabíamos do time dele ao que respondemos, até meio envergonhados: nada! Ele seguiu falando das conquistas de seu time: 33 campeonatos da Liga Egípcia, 35 Taças do Egito, 7 vezes campeão africano e até por isso, considerado o time do século 20 pela Confederação Africana de Futebol no ano 2000. Disse que já haviam disputado 4 mundiais como aquele, e que sua melhor colocação foi um 3º lugar em 2006. O sonho Al Ahly, que em português que dizer “O Nacional” e foi fundado na cidade do Cairo em 1907, era chegar a uma final. Reiterando seu respeito pela grandeza do Timão, o jornalista egípcio acabou soltando um comentário carregado de ufanismo, dizendo que um dia iam acabar chegando à final, como fez o Mazembe, outro time africano, em 2010.
- Quem sabe hoje à noite – disse ele em inglês enrolado.
- Ok, bro...but not tonight...Tonight is Corinthians – eu disse
Ele riu, agradeceu e se foi. O vinho acabou mas realizou duas proezas: achou espaço na minha bexiga á beira da explosão e deu um pouco de alento àquele momento que beirava a tragédia. Brigado, Rogério!
Eu olhava para as luzes da grandiosa árvore de natal que enfeitava a frente do estádio (e fora eleita como nosso ponto de encontro pós jogo) e rezava a Deus por uma solução, quase mijando nas calças. De repente alguém gritou que Mohamed havia sido localizado. Estava comprando ingressos nas bilheterias. Cumé? Puta que pariu! Ato contínuo, como bárbaros numa batalha, obrigamos Yuki a nos levar até ele, todos dispostos a trucidar nosso tour manager com os próprios dentes. Esta caminhada no entorno do estádio durou séculos, com direito a alguns tropeções devido à pouca luminosidade. A urina mandava suas primeiras gotas para minha cueca. O frio era intenso. Lá dentro o início do jogo se avizinhava. Lembrei que no domingo anterior, quando o Al Ahly havia derrotado o Sanfrecce Hiroshima, do Japão, o frio havia sido tão grande que chegou a nevar. Mais essa! Será que vou conhecer neve justamente hoje, meu Deus? A manada corinthiana chegou a uma clareira onde, à nossa direita, estava a entrada principal do Toyota Stadium. À esquerda localizavam-se as bilheterias. Havia filas. Mas nada absurdo. Daria perfeitamente pra comprar ingresso e entrar. A questão é que a grande maioria de nós já havia pago pro Mohamed, então ele teria obrigatoriamente que dar a conta das nossas preciosas entradas pro baile futebolístico. Pensei em procurar um banheiro, uma vez que a urina já dava sinais de sair pela minha orelha. Mas resisti. Demos a volta na fila e chegamos á boca da bilheteria propriamente dita, onde finalmente encontramos nosso algoz. Furiosos, alguns invadiram o espaço reservado para quem havia encarado a fila, o que provocou xingamentos e gritaria dos que aguardavam pra comprar seu ingresso. A ideia era apenas esganar Mohamed. Ao virar-se e dar de cara com a multidão enfurecida, Mohamed acusou o golpe com um semblante semelhante ao da Esfinge de Gizé.
- Dá meus ingressos ou devoro-te! – pensei
O cara ia ser linchado. E eu era um dos que ia chutar sua boca, caso ele não nos entregasse o que queríamos. Acossado, Mohamed deixou a frente da bilheteria com um bolo de ingressos, seguido por uma espécie de procissão. Foi espremido pelo povo e passou a distribuir individualmente os tickets. Fui um dos primeiro agraciados e aproveitei para pegar tb os respectivos ingressos de Jorginho a Adney. Indiferente ao que pudesse acontecer, virei-me puxando meus amigos na direção da entrada do estádio. Os outros seguiram dando uma dura em Mohamed até que ele entregasse todos os ingressos. Nada mais importava. Era hora de entrar e assistir á estreia do meu Corinthians.
“FIFA Club World Cup Japan 2012 presented by TOYOTA. Match for Fifth place: Loser M2  VS. Loser M3. Winner M3 VS. SC Corinthians Paulista. Toyota Stadium . 12 december 2012 . Wednesday. 13h30 Open, 16h30 kick off M4 , 19h30 Kick Off M5. Gate 7 , area 48, floor E-4, Line 58, n.º 386”

Era isso que tava escrito. Meu ingresso! Meu ingresso, porra!
Na verdade, era ingresso para uma rodada dupla, que começou naquele mesmo dia com o primeiro jogo, entre perdedor do jogo 2 (Sanfrecce Hiroshima) contra o perdedor do jogo 3 (Ulsan Hyundai) ás 4 e meia da tarde e que poderíamos ter visto como aperitivo se não fosse o furdúncio do Mohamed. (By the way, este jogo válido pelo 5º lugar quem ganhou foram os japoneses do Hiroshima, 3 X 2). Além do horário da abertura do estádio e do início dos jogos, estava detalhado o local onde eu deveria me sentar pra assistir á partida: portão 7, área 48, andar E-4, fila 58, cadeira 386. Quer mais especificidade? Até onde eu sabia, nosso lugar era num dos cantos onde se cobra o escanteio, em paralelo com a linha de fundo, uma espécie de esquina do campo.
Fomos nos encaminhando, subindo escadas, eventualmente exibindo nosso ingresso para pedir informações e chegar ao nosso lugar. Tudo muito organizado, com muita gente e gentileza para responder nossas perguntas. Quando nos entendiam, claro.
Para tudo: preciso mijar, caraio! Fila gigantesca. O Japão é o primeiro lugar no mundo onde a fila pro banheiro masculino é maior que a do feminino. Talvez o frio e a fama dos japoneses de possuírem pênis, digamos, compactos, faça com que a dificuldade de achar o pinto e manuseá-lo crie uma morosidade na execução do nº 1. Pode ser. Quase mijei nas calças enquanto esperava. Foda-se. Saí dali aliviado. Subimos até o 4º andar. A fila na lanchonete estava enorme. Deixa o rango pra lá. O estádio era todo coberto e moderníssimo. Estávamos quase no sótão, nas última fileiras. Que frio do caralho. Ao nosso lado, Bob Pai e Bob Filho. O pai segurou minha mão com força e com lágrimas nos olhos, como eu, declarou:
- Nós estamos mesmo aqui. Que emoção!
E era muita emoção mesmo. Ufa! Algumas informações enquanto eu me recomponho. Inaugurado em 2001 e com capacidade para 45 mil pessoas, (todas em lugares cobertos), o Toyota Stadium tem um aspecto futurista e se parece com o fole de uma sanfona, especialmente quando sua cobertura retrátil esta fechada. Era um dos favoritos para sediar jogos da copa de 2002, mas acabou descartado. Quem manda seus jogos da J. League (Liga japonesa de futebol) aqui é o Nagoya Grampus, que se orgulha de ter tido em seu time o artilheiro inglês Lineker. Desde 2005 a Fifa utiliza o estádio para jogos do Mundial Interclubes. Foi aqui que, em 2011, o Santos venceu o Kashiwa Reysol por 3 a 1, classificando-se para a final na qual perderia de 4 a 0 para o Barcelona.
As cadeiras são vermelhas, há dois telões gigantescos atrás dos gols que mostram o jogo, mas não os replays das jogadas, especialmente as mais polêmicas. É o telão quem me informa que a temperatura atual é 4°. Brrrr! Há restaurantes e até uma piscina coberta com toboágua no estádio. Dizem!Eu tava muito nervoso e com uma certa ressaca e, mesmo tendo cerveja à venda, pulei fora e não bebi!
Estas tais arenas modernas são bem íngremes. A gente vê o jogo com uma sensação de que pode cair pra frente. Se cabem 45 mil torcedores aqui, eu diria que a lotação estava em dois terços. E destes dois terços, 30 mil pessoas, pelo menos uns 25 mil corinthianos. É a invasão, mano. É o tsunami preto e branco. A locutora diz: Ladies and Gentleman, Corinthians sei lá o quê, num inglês macarrônico. Depois manda em japonês: curi-curi-curi. E lá vem eles. Times no campo. A nossa bandeira. A bandeira dos caras. O apelido deles é “vermelhos”. Esta é a cor da torcida deles, um grupinho de não mais de 250 pessoas. Diz a Fifa que no total o Al Ahly, que é um dos times mais populares do mundo, tem de 10 a 20 milhões de torcedores. Se tem, eles não vieram. Quem manda nessa porra é a torcida do timão! Entre as faixas exibidas pelos corinthianos e que o telão detalha neste momento, “Jogai por nós”, “Chora porco”. O juiz é um mexicano chamado Marco Antonio Rodriguez, mais conhecido em seu país como “pequeno Drácula”, por causa da grande quantidade de gel que aplica no cabelo. Vampiro mexicano bebe tequila. Todos perfilados. O Corinthians, a gente sabe a escalação. O Al Ahly vai de tutancamon e sua turma. A torcida corinthiana canta como se estivéssemos em casa.
“...por que meu time bota pra fuder e o nome dele é vocês (sic) que vai dizer:
Ôô Ôô Ôô Ôô, Ôô Ôô Ôô, Ôô Ôô: Corinthians”
Tamos em pé, olhando isso tudo. Arrepiados. Nenhum de nós nunca imaginou como seria viver um momento como este. Puta que pariu! Vamos pro jogo! O Corinthians ataca pra lado que estamos. Isso quer dizer que vamos ver a rede balançar bem de pertinho ainda neste primeiro tempo. Do lado oposto, atrás do gol do Cássio, está a muvuca mais intensa de torcedores, atrás da faixa da Gaviões. O estádio não está lotado, mas é nosso!
Prrrrrrriiiii!
Falta no Guerrero. Veio pra cá com o joelho baleado. Será que vai conseguir jogar? A bola saiu. Tem gente roendo unha no telão. O time toca a bola. O Al Ahly cerca bem. Jogo truncado. Quanto tempo? Não passamos de dois minutos. Por que ainda não estamos ganhando? Douglas perde bola fácil no ataque. Desgraçado! Sheik briga. Raça. Quanto tempo? 5’48”.
Opa. Tabela pela direita. Não! Roubamos a bola. Que frio da porra. Falta no Guerrero. Hum. Olha só. Bola na área. Sobrou pro Douglas. Mandou pro gol.Uh! Foi perto. 9’01”.
Cruzamento do Al Ahly na nossa área. Caralho. Todo mundo livre. 73 atacantes inimigos. Cabeçada pra fora. Não foi impedimento, não. Quase tomamos um gol dos caras.
Lá vem o Sheik. Caiu. Falta, caralho! Não deu. Ele ficou caído. Segue o jogo.
“ Timão, eh, oh, Timão, eh, oh,”
A cada grito novo de incentivo que vem de qualquer parte do estádio a gente responde daqui. O estádio todo responde. Danilo dribla na ponta direita, na nossa frente. Vários dribles. Tá entortando o Tutancamon. Cruza, porra! Perdeu a bola. Escanteio pra nós. Aqui, na nossa esquina.
14’11. Danilo. Guerrero. Pra fora.
“Corinthians...Corinthians minha vida...Corinthians minhas história...Corinthians meu amoôr...”
Minha voz tá indo embora. Quando este canto chega na parte de falar “minha história” eu engasgo e choro. Eu choro pelo meu time. E tenho que me segurar pra não soluçar. A coisa é muito intensa. É o Timão. È o Japão. Não é sonho, não! É real. E nós estamos aqui. Testemunhando esse momento. Que seja feliz, minha Nossa Senhora! A gente erra muitos passes. Porra, o cara pôs a mão na bola. É vôlei, esta porra? Falta. Douglas. Tira a defesa vermelha. O estádio canta. Cantei isso no Pacaembu em todos os jogos da Libertadores.
“Vamos...vamos Corinthians...esta noite...teremos que ganhar”.
Mais que nunca. Hoje temos que ganhar. São Jorge! Sheik se joga e recua uma bola do meio de campo pro Cássio. Vamos jogar, caralho! Mais um passe errado.
18’03. Sheik cruza. Goleiro deles sai. Alessandro, raçudo, arruma um escanteio. Outro escanteio. Paulinho sobe com o goleiro. Nada! Contra ataque das pirâmides. Bico de Danilo tira o perigo. Yeah! Tabela pelo meio: Guerrero, Sheik, Paulinho. O goleiro tira com o pé. Esse Guerrero faz bem o pivô e mete bola tb. Peruano arretado!
“ Timão, eh, oh, Timão, eh, oh,”
Danilo. Fábio Santos. Vamô! A bola bate na cabeça do zagueiro deles.
28’30. Escanteio na esquerda pro Timão. Aqui na nossa frente, mas no canto oposto.
29’20. Douglas cobrou. A defesa tira. Fábio Santos luta. Se estica e toca a bola pra esquerda, pro Douglas. O que porra ele vai fazer? O que é que ele vai fazer? Deu um balão de três dedos pra área. Demente! Vai cair aqui na nossa frente. Danilo e Guerrero na bola. Demente. Douglas demente! A defesa tá olhando. O goleiro não sai. Cabeçada meio esquisita. Quem cabeceou? Danilo? Guerrero? Douglas demente. A bola vai pererecando. Rolando lentamente. Tá indo pro canto do gol. O goleiro vai atrás. Douglas...A defesa vai atrás. Sumiu o ar do estádio. Parou o frio. Parou o tempo. A bola...Vai rolando. Vai entrando. É gol. É gol, caralho. Gol do Corinthians... Douglas, gênio!
Abraços e gritaria. Adney, Bob pai e Bob filho. Jorginho. O japonês aqui do lado. O imperador do Japão. Satoru Nakagima. Ultraman. Puta que pariu, 1 a 0, Guerrero. Paolo Guerrero, caralho!
E agora? Toca atrás. Vamos fazer mais gols? Vamos ter uma noite de glória? Tranquila? Vamos vencer com tranquilidade. Nunca vi isso acontecer com o Corinthians. È sempre sofrido. Mas vai que hoje rola de forma diferente? Sei lá. Tamo ganhando. Ganhando, pooooooorrrrrrrrrrrraaa!!!
32’17. Falta pros caras. Bola na nossa área. Sai, louca!
32’34 . Outra falta pros caras. Eles tocam. A gente tá mordendo. Alguém tá se arrebentando na vuvuzela.
“Vamos...vamos Corinthians...esta noite...teremos que ganhar”.
Sheik tropeça na bola. Quanto tempo?
40’? Escanteio pros caras. Cassio! Impedimento, porra! Quanto?
42’? Cruzamento nosso. Nada! Acaba logo o primeiro tempo, juiz.
Paulinho no ataque. Demorou pra tocar na direita. Perdeu a bola.
“ Timão, eh, oh, Timão, eh, oh,”
44’13. Bicuda de Fábio Santos pra fora. Tira mesmo, véio!
45’. O cronometro do telão para. Mais um minuto. Um século. Acabou.
Fumantes saem pra fumar. Eu não me movo. Jogo truncado. Vamos ampliar no segundo tempo. Minha Nossa senhora. Como estará o Brasil? Parado. Todo mundo torcendo, contra ou a favor. Manhã de quarta feira lá. Ruas bloqueadas. Bares lotados. Coração na mão. Cu na mão! De noite no Brasil o São Paulo decide a Sul-americana com o Tigres. Foda-se! Amanhã de manhã lá, amanhã de noite aqui, tem Chelsea e Monterrey. Quem vai jogar com a gente? Será que dá Chelsea? E se der Monterrey? Será mais fácil. Porra, primeiro precisamos ganhar hoje. Já demos um passo. Meu telefone não funciona. Queria ligar pro Brasil. Falar com minha mulher, minha filha. Saudades. Mais lágrimas. Muitas mais lágrimas. Fabinho, Tom, André. Corinthianos amigos. Felizes? Com medo. Queria que estivessem aqui. Fumantes de volta. Água. Douglas gênio. Guerrero eu te amo! Times de volta. Porra, já? Segundo tempo. Agora o Timão ataca pra lá e quem tá na nossa frente é o Cássio.
- Não vai entrar nem mosca neste gol, Cássio.
Simbora pro jogo. Sem alterações.
00’54”. Cruzamento.
02’08”. Contra ataque. Sheik limpou pela direita. Fábio Santos na linha de fundo. Escanteio. Paulinho de cabeça. Pra fora. Chicão na nossa frente, bicuda pra fora. È isso! Os caras fazem 1,2 em cima do Alessandro. Vamos jogar? Impedido. O atacante deles bateu no Cássio e se machucou. Davi esbarrou em Golias. Quanto tempo?
5’30”? Só? Acaba esta porra!
“ Timão, eh, oh, Timão, eh, oh,”
7’53”. Cruzamento dos caras. Chutou fraquinho. Cassio pegou. Só eles jogam? Tamô deixando os caras jogarem, porra!
8’16. Vamos jogar?
8’16. Quanto tempo? Ainda?
8’16. E ai, esta porra de tempo parou?
8’16. Gente de Deus. Anda, cronometro!
9’02. Trinta Corinthianos impedidos. E o Guerrero ainda errou o chute.
9’22. Entrou o craque deles, Adoçica? Não, Aboutrika. É Adoçica, mesmo! Foda-se!
9’52. Caiu um cara do Al Ahly. Ih, caiu também o goleiro. Vai ficar alguém em pé? Será terremoto?
Já faz umas 3 horas e meia que o goleiro dos caras tá no chão. Porra! Levantou. Tá mancando. Mão na coxa. Sai do campo, cuzão. Caiu de novo. Tá lá o corpo estendido no chão, nénão Aldir Blanc? Heim, João Bosco?
“Vamos...vamos Corinthians...esta noite...teremos que ganhar”.
O goleiro dos caras não quer sair. Tá parecendo um saci e não quer sair. Eu olho em volta, vejo a torcida e choro. A voz tá por um fio. Quanto tempo?
16’00. Os caras pressionam. Alessandro tira, chuta pra fora. Precisamos encaixar um contra ataque e matar esta merda de jogo! Só unzinho, só!
17’37. Bola sobra e o Al Ahly chuta. Por cima. Aqui na nossa frente. Cassio pulou pra garantir. Chute forte.
18’07. Cai o goleiro do Al Ahly pela milésima vez. Sai logo, porra! Um maluco pára do meu lado e diz que vamos ganhar. Tem os olhos puxados mas é brasileiro. Diz que metade dos brasileiros que mora no Japão torce pro Timão. Foi embora. Jogo parado.
20’00.Toca, toca e perde a bola. Eles e nós. Acaba o jogo, juiz!
20’18. Bola nas costa do Fabio Santos. O cara entra na cara do Cássio. Fudeu! Na nossa frente. Aqui, ó! Fudeu! Cassio saiu...O cara vai chutar. Fudeu! Chutou...Ai meu Deus. Na rede pelo lado de fora. Cássio saiu feito um demente. Mas não entrou. Eu vou enfartar.
22’21. Pressão do Al Ahly. Cruzamento. Tira a defesa.
22’56. Cruzamento da esquerda. Nossa defesa rebate. Escanteio.
Romarinho vai entrar. O goleiro dos caras saiu ou não? Saiu, porra!
26’01. Bola metida no meio da nossa zaga. O tutancamon não domina.
27’00. Falta ô caralho. Não foi falta do Fábio Santos. Porra. Eu vi...foi aqui na minha frente. Quanto tempo?
Bola chutada pelos caras. De frente. De fora da área. Desviou e foi pra fora. Uh!!!
28’29. Guerrero para Paulinho. É agora. Entrou na área. É agora! Chuta! Driblou.  É agora, porra! Chegaram mais marcadores. Vai! É agora! Tocou na defesa. Escanteio (e chute na cadeira).
29’30. Agora entrou Romarinho. Saiu Emerson Sheik. Tá bom!
30’18. Romarinho pra Paulinho. Vai pra dentro do gol, miserável! Tá se enrolando. Se enrolou. Falta. Puta que pariu!
“Vamos...vamos Corinthians...esta noite...teremos que ganhar”.
32’00. Guerrero. Pra Romarinho. Tira a defesa. Se sair um gol dos caras, fudeu. Quem sabe um gol nosso? Por mim não precisa mais sair gol neste jogo!
33’23. Falta no Romarinho. Juiz não deu. O estádio responde.
“Ei , Juiz, vai tomar no cu! Ei , Juiz, vai tomar no cu!”
Os caras pelo meio. Cássio!
35’07. Sai Douglas. Gênio! Entra Jorge Henrique. Eles tb trocaram. Entrou Nilo. Rio Nilo.  Sei lá!
36’00. Cruzamento dos caras. Escanteio.
37.29. Passou pelo Alessandro. No meio das pernas? Chutou. Por cima. Que paulada! Me salve, Jorge!.
39... Toca na zaga...tira de novo...pressão egípcia... Tem uma pirâmide na área. Múmias. Cleópatra. Até a Esfinge!
Faltam 5 minutos mais os acréscimos. O filho da puta do goleiro deles comeu um tempão pra sair. Vai ter um monte de acréscimo. Que sofrimento! O Corinthians joga com 5 atrás, mais quatro recuados no meio e o Guerrero tb volta.
40’47. Cruzamento. Chutou. Cássio!
41’23. O cara mandou o sapato de fora... Pra fora...graças a Deus.
42’18. Romarinho sozinho pela direita. Vai cruzar. Cruza. Cruzou. É agora. Tira a defesa de cabeça.
43’.Fábio Santos perde a bola. Luta. Faz falta. O juizão não deu. Sempre assim, Drácula!
Jogo truncado. Acaba, juiz. Mais um passe errado no meio de campo. Acaba , Juiz!
44’45”. Cruzamento. Cássio!!!
O quê? Mais cinco minutos. Vai roubar na casa do caraio!
45’21. Alessandro perde na direita. Acaba, juiz!
46. Cruzamento de Fábio Santos pela esquerda. A defesa tira. Acaba, juiz! Sobrou. Linha de fundo. Acaba, porra!!! Entrou Guilherme Andrade no lugar de Guerrero.
47. Cruzamento. Cássio.
47’32. Falta. Acaba! Acaba, juiz! Acaba, filho da puta!
48. Eles. Chicão tira de cabeça. Acaba!
48’36. Bico. Eles. Cruzamento. Ralf. Acaba, juiz!
49. Falta pra eles. Bola na área. Ai minha Nossa Senhora. Acaba, juiz! Se tomarmos um gol agora fudeu! Acaba, juiz! A bola tá chegando na área. Todo mundo trombando. Acaba, juiz! Cássio sobe. Segura. Acaba. Acaba. Acaba, juiz!
A-c-a-b-o-u. A-c-a-b-o-u.
Estamos na final desta merda! Porra!
- O que tínhamos que fazer hoje era ganhar. Ganhamos. Tamos na final!
Elá estávamos nós, nos abraçando meio como se fosse dia de ano novo. Que sufoco! Que sofrimento! Que frio, porra! Simbora descer aqui do quarto andar.
Na saída do estádio não se pode dizer que havia euforia. Estávamos felizes por ter passado pelo Aj Ahly e agora restava saber se o Chelsea confirmaria seu favoritismo contra os “chicanos” do Monterrey. Minha tendência era torcer pro Monterrey, mas diante dos últimos resultados do futebol brasileiro ao jogar com o México, isso tb não era garantia de vida fácil pra nós. Eles que se virem. Eles que são do hemisfério norte que se entendam! A verdade é que o fraco futebol apresentado pelo nosso Corinthians nos deixou bastante temerosos em relação à final. Lembrei aos meus parceiros duas realidades incontestáveis, tentando elevar o ânimo da tropa.
- A gente joga muito mais que isso que mostramos hoje. E o Timão não joga duas partidas mal deste jeito. Final é final!
Tava um frio medonho e todo mundo queria chegar o mais rápido possível no busão. No trajeto passamos por muitos japonesinhos, crianças em fila indiana, claramente excursionando até o estádio naquela noite. Estavam empolgados com a fiel. Reagiam sorrindo aos nossos gritos de “Vai Corinthians”. Queriam fotos. Estávamos plantando uma semente alvi-negra naquele chão tão frio e distante do nosso. Isso tb ajudou a acalmar nosso coração que poucos minutos antes estava sendo pressionado pelo insignificante futebol egípcio. Não é prepotencia. É realidade.
Dentro do ônibus Mohamed estava destruído. Parecia ter saído dos escombros de uma pirâmide que ruíra sobre sua cabeça. Ele sentou-se num banco da frente e não pronunciou nenhuma palavra. Apenas Yuki se fez de porta-voz  e anunciou que depois do passeio do dia seguinte (incluído no pacote pré-pago no Brasil), por volta de seis da tarde, Mohamed entregaria os ingressos do jogo final que já estavam com ele. Sinceramente, eu tava com pena do cara. Parecia assustado com o linchamento de que quase foi vítima. Bem que ele deu motivos para tanto. Brincar com a fiel num momento daqueles, com 19 mil quilômetros de distancia de casa é jogar (e muito) com a sorte.
Tava todo mundo com fome. Tava todo mundo com sede. Eu tava quase mudo por causa da rouquidão. Meu nariz estava zuado por causa da secura e do frio e invariavelmente dava mostras de sangue quando eu assoava. Gritos de guerra pró Corinthians tomaram conta do interior da condução. Rochinha queria colar o brinco do Mohamed. Conseguimos acalma-lo. Partimos em direção do hotel com o compromisso de parar nalguma conveniência pra comer e bebemorar. Foi assim. 40, 50 minutos depois de deixarmos a área do estádio estávamos caminhando em frente a uma Family Mart, batendo os dentes com a baixa temperatura. Invadimos o local e começamos a comprar. Peguei algumas cervejas, hamburguer e um daqueles Onigiri. Aproveitei e bati papo com alguns brasileiros que vivem no Japão. Um deles era fã das Velhas Virgens e pediu uma foto. È sempre bom ser reconhecido, ainda mais tão longe de casa. Com comida no bucho e bebida na cabeça o clima melhorou dentro do busão. Estávamos cansados, mas com a certeza da missão cumprida. Minimamente, com muito sofrimento, mas estávamos na final!
Mais estrada. Acho que apaguei depois de beber mais algumas cervejas. Como no trajeto da ida, a cada duas horas teríamos que encostar o busão. Numa destas paradas, desci pra ir ao banheiro e sai dando um rolê pela conveciência. Como sempre, havia mais ônibus, de outras companhias, parados no local. Vi uma muvuca ao lado de um dos caixas e lá estava ele, Marcelinho Carioca, dando autógrafos e sendo simpático com todo mundo. O cara é o 5º maior artilheiro da nossa história, com 204 gols, e o maior pós jejum de títulos, a partir de  77. E é o jogador que mais ganhou campeonatos com a camisa do Timão, 10 ao todo, incluindo um mundial e dois brasileiros. Devia estar acompanhando alguma excursão. Já tirei foto com ele. Já beijei sua careca numa destas festas de comemoração de título. Não precisava tietar e fiquei ali, olhando a empatia e a gentileza dele com a fiel. De repente, um torcedor ao seu lado derrubou uma moeda e o cara deu um show de improviso, em plena madrugada japonesa: controlou a moeda na coxa e fez umas 5 ou 6 embaixadas antes que a dita cuja rolasse para debaixo de uma das gôndolas de alimentos. Eu vi! Eu estava lá! Ninguém me contou! Aplaudi e voltei pro busão.
“Uh, Marcelinho! Uh, Marcelinho!”
Já no hall do hotel e livre daquela friaca louca, aproveitei o fone do quarto e liguei pra Dex. Ela tava emocionada. Me disse que o Brasil estava parado. E ela é palmeirense, heim! Disse que os rojões acordaram a Maju. Saudades das duas, meus amores. Ainda liguei pra produção do Domingo Legal pra cumprimentar o Tom e sacanear o Jorjão, santista secador. Fui até o corredor tentar comprar uma garrafa d’água na maquina. Deixei cair uma moeda no chão e a desgraçada rolou pra debaixo do aparelho sem que eu pudesse tentar dar uma de Marcelinho Carioca. Fiquei ali, agachado, tentando recupera-la. Catuca daqui, catuca dali, uma funcionária do hotel passou por mim e eu, no meu inglês cocô, expliquei que minha “coin  rolled down the machine, you know!”. Acabei desistindo de explicar e de recupera-la. Coloquei outra moeda, peguei minha garrafa e fui dormir. Minutos após, a mocinha bateu em minha porta exibindo a moeda que ela, sabe-se lá como, acabara de retirar debaixo da máquina. Isso é que é honestidade. Um bom exemplo de como agem os japoneses.
Entro na Internet e tá tudo fervendo. A quarta feira tá pelo meio no Brasil e a festa não tem hora pra terminar. Foda-se o mau futebol. Tamos na final, porra! O Urso Roncador ameaça pegar no tranco. Mas eu tô tão cansado que nem ligo. Apaguei!