sábado, 11 de abril de 2009

"O camarim é, na verdade, uma cozinha. Tem geladeira, pia..."

Manhã tranqüila de sábado. Dex foi tomar vacinas para a viagem e comprar umas coisas pro churras que meu cunhado Rodragg vai fazer aqui. Enquanto eu cago leio o jornal, como sempre. Sou um cara metódico. Faço sempre as mesmas coisas. Coloquei mais roupa na máquina e pus pra bater enquanto fui pro chuveiro. Depois foi só estender. Neste meio tempo Rodragg chegou com o Lorenzo Bafo e as compras. Vai ter carneiro. Rodragg puxou à mãe e é um puta cozinheiro. Por isso o churras deve ser dos melhores. Eu preciso pegar leve, senão não faço o show mais tarde. Meu cunhado trouxe uma caixa de Itaipavas de garrafa. Ele sabe das coisas. Enquanto esperamos a Dex voltar pra cuidar do Bafo, tomamos uma breja de Volta Redonda chamada Mistura Clássica. É uma Red Ale com o sugestivo nome de Cheers. Bem encorpada, vermelho escura, com notas de frutas e um amargor leve mas presente. Seis graus de álcool. Muito boa.

Dex chegou. Ela tá com o bebê, Rodragg ta cuidando do churras e eu vou montar a mala de figurino antes de ficar muito bêbado. Já é quase uma da tarde e Alvarez e Carlota devem chegar logo. São todos palmeirenses, caralho. O jogo com o Santos é às seis da tarde e é provável que eles assistam aqui. São todos muito queridos, exceto por este detalhe futebolístico. Minha tendência natural seria secar a porcada. Mas ando com uma bronca infernal do Santos. To com o saco cheio de ouvir santistas dizendo que “time grande não cai”. Porcos e nós do timão tb já falamos besteiras como estas. E só se aprende tomando na cabeça. Quer saber: foda-se! Que caia um raio e morra todo mundo. Pau no cu de porcos e peixes.

Eu e Rodragg tomamos mais algumas cervejas especiais, entre elas uma tripel belga excelente. Depois engatamos nas Itaipavas. O pessoal foi chegando: Paulona e a Lu, Paolo, Rita, depois Alvarez e Carlota. Rodrigão ta mandando um carneiro na brasa matador. Puta que pariu, que delícia. Eu deveria estar bebendo mais devagar pra evitar chapação excessiva em dia de show. Mas eu me conheço. Não posso ver uma garrafa cheia que quero esvaziar. Chamam isso de febre do garrafeiro. E meu caso é terminal.To virando uma atrás da outra, batendo papo, ouvindo som. Ta bem divertido.

Chegaram a Bio, a Ana e o tio Chico. Segue a bebedeira. Subi até a sala de tv e deixei o aparelho ligado no Sportv pra porcada torcer. Um a um os verdes foram sumindo de perto da churrasqueira e se instalando no sofá. Pra sacanear todo mundo eu fico abraçando os porcos e dizendo que sou verdão, que adoro o nosso porco. Eles ficam putos e dizem que eu to fazendo isso pra secar o time deles. Porra, não há meio de agradar estes caras. Se eu xingo o time deles, eles se revoltam. Se eu torço junto dizem que eu seco. É muito difícil. Ah,ah,ah!

O jogo começou e de cara saiu um gol do Keirrison. Os caras estão felizes da vida. Eu me arrisco a assistir um pouco do jogo com eles e não é que o Kleber Pereira empata o clássico? Serei eu o pé frio? Ah,ah,ah! Saí de novo e a coisa segue ruim. Acaba o primeiro tempo, intervalo e muita cerveja descendo. Começa o segundo tempo e logo de cara o garoto Neymar pára em frente da área, olha, dribla e manda no canto. Olha a virada do Peixe. Os Porcos estão putos. E seguem assim até o fim do jogo com a derrota. Quer saber, caguei.

A breja tá acabando e resolvo tomar uma coca-cola pra limpar a serpentina. Claro que dou uma batizada com rum. Eh,eh,eh. Oito e meia da noite e parei com tudo. To deitado procurando melhorar pro show que virá mais tarde.

Acordei assustado e faltam vinte pras dez, horário em que o Banas vem me buscar. Um banho rápido me desperta pra noite. To meio mareado ainda. Tanto que quase esqueci a mala do figurino.

Tchau galera, podem beber a minha parte. Já to na van do Jorjão, com Banas. Sigo bebericando uma latinha, já que o estoque de brejas foi recarregado enquanto eu dormia. Vamos pegar o Tuca pela primeira vez em sua nova casa. É bem perto, mais pro lado do Tremembé. O nosso baixista desce calibrado, com algumas latinhas numa das mãos e um copo com uma pinga especial na outra. Ele ta meio estriquinado o que comprova que ele não passou o dia na Igreja. Dali vamos pra Gabaju pegar Roy e Juju. No caminho guindamos Simon e a gig ta pronta. Cavalo mora em Santos e nos encontrará por lá. Bons papos, bons goles, Banas reclama falta do que mais gosta. Simon trouxe. A fumaça começa. Simon trouxe tb um DVD do Toy Dolls, grupo inglês de punk rock, e esta vai ser nossa trilha sonora até Santos. Porra, o vocalista, que se chama Olga, toca muito rápido e as canções têm uma conotação humorística, especialmente “Asma”. O grande sucesso da banda no Brasil é “Nelly, the elephant”. Ficou famosa tb uma agressão que Olga sofreu em pleno palco quando o grupo esteve no Brasil. Ele teria sido socado por um careca. A violência sempre me assusta.

Acabou a breja e paramos pra mijar na beira da estrada. Enquanto o Tuca mija lá fora eu comento com os outros que ele está meio calibrado, absolutamente natural pela situação emocional de separação que ele ta vivendo. Eventualmente, teremos que suprir qualquer falha dele no show. Tuca tem muitos recursos musicais, mas se seguir meio chapado a coisa pode pegar. E a gente segura, porque isso aqui é uma maldita duma família. Bêbada, demente, esculhambada, mas uma família, caralho!

Chegamos a Santos e Juju ta gemendo que tem fome. Ok. Como o camarim não deve incluir nenhum tipo de comida, paramos num Mac Donalds e nos enchemos de sanduíches. Um tempinho na rua para acabarmos de mastigar, cá estamos nós no Space Rock, local do show. Tem uma galera legal na porta e parece que foram vendidos 400 ingressos antecipados. É um alívio neste mês de poucos shows. E tem mais: Cavalo nos falou que houve problemas de divulgação durante a semana e, pelo que sei, estamos trabalhando pela bilheteria nesta noite. É um risco. Mas, como diz o Raul, o caminho do risco é o do sucesso. É uma parceria antiga com o Marcelo da banda Maverick 70, que tb vai tocar hoje. Ano passado ele promoveu um show em Sorocaba e tomou um puta prejuízo. Se comprometeu a ir nos pagando aos poucos e fez isso com dignidade e presteza. Por isso seguimos trabalhando juntos e hoje parece que a coisa vai rolar bem.

O camarim é, na verdade, uma cozinha. Tem geladeira, pia, mesas.Tudo muito simples, mas ta valendo. Tem uma garrafa de rum e uma de vodka o que já resolve metade dos problemas. A equipe já ta toda aqui. Cavalo e Juju, esposa dele tb. Tomamos uns drinks pra esquentar. Na verdade, foram vários. Meu amigo Mimi da livraria Realejo diz que esqueceu de trazer a pinga que havia me prometido, mas que a garrafa está me aguardando lá. Cachaça nunca é demais. Preciso cagar e não há banheiro individual. Pego alguns guardanapos e tento furar a longa fila do banheiro dos homens. Os caras riem e não crêem que eu queira mesmo defecar. Mas eu quero e vou. To cagando dentro deste banheiro razoavelmente organizado e com mijo por todo lado. Lá fora os caras dão risada e dizem uns pros outros com algum espanto que o vocal das Velhas ta cagando. E to mesmo. Entre um mergulho fecal e outro, um gole de Hi-fi e outro de cerevja. É Bohemia em lata e sigo afirmando que a cerveja Bohemia anda com gosto de perfume. Vá lá.

Voltei pro camarim. Opa, falta só meia hora pro início do show. Vou pra trás do palco, começar a alongar e me trocar. Juju tb vem. A entrada do palco fica ao lado do banheiro feminino onde a fila é o triplo da dos homens. Mulher mija muito devagar. Pelo menos tem um banheiro perto se eu tiver alguma necessidade de última hora. Olha só a necessidade batendo na porta. Quero cagar de novo. Acho que nossa equipe técnica tem vontade de me matar quando digo que quero cagar. Eu não tenho problemas pra cagar: cago em qualquer lugar. E a diarréia é um processo. E todo processo tem começo, meio e fim. Primeiro a gente tem que se aliviar. Depois é o momento da limpeza. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Primeiro o alivio e depois a assepsia. Rico foi perguntar se as meninas me deixam furar a fila e a resposta é um sonoro “não”. Ok. Aí Rico me arruma um baldão, me leva prum canto escuro atrás do palco e, com uma visão parcial do palco e da galera, cá estou eu cagando neste recipiente cheio de gelo que ele chama de “banheiro químico”. Já caguei milhares de vezes em tudo quando é canto. Até na frente da prefeitura de uma cidade do interior. Não tenho preguiça. Me limpei com guardanapos e já estou novamente em período de alongamento.

Trouxe a casaca preta e ao invés do chapéu de pirata vou de touca com caveira, uma que comprei em Liverpool. Bora pro palco.

Cubanajarra comendo e lá vamos nós com o set da turnê de lançamento do DVD “Nós somos as Velhas Virgens”. Basicamente é o mesmo de quinta no Aurora, então só vou falar das diferenças mais gritantes. Sim, pois mesmo que façamos o mesmo set, o show nunca, mas nunca é igual. Brinco com os palmeirenses e digo que o Neymar não veio pro show porque não tem 18 anos. Tamos muito felizes e divertidos. Mesmo tocando em Santos, sempre que falo de futebol noto que a maioria é de corinthianos. Tem que aturar. Quase no fim de uma apresentação muito legal, Tuca pede pra mijar e deixa o baixo na minha mão. Tento improvisar “My Girl”, mas Cavalo tem outra coisa em mente e puxa Rock das Aranha. Bora. Tuca voltou, sentou no palco e me mandou seguir tocando o baixo dele. Aí não tem jeito e eu puxo “My Girl”. Ela segue semi-romântica, mas a idéia no fim é virar um punk rock. Opa, Simon nunca fez esta versão demente da balada. Isso era da época do Lips. Eu olho pro Simon pra ele adiantar o andamento, mas ele não saca. Cavalo rege e ele começa a correr. Divertida e mal tocada. Adorei.

Tuca volta pro baixo e eu aproveito pra dizer que vamos lançar cd novo e que vamos tentar tocar uma canção nova, “O Gênio da Garrafa”. A banda esqueceu a introdução, mas beleza. Eu peguei a cola da letra, mas to muito breaco e não consigo ler o que escrevi. Errei a letra algumas vezes, mas chegamos ao fim com o refrão e a galera parece ter curtido. Hora de puxar Uns drinks e terminar. Assim foi. Saímos.

Cavalo volta com “Não vale nada”. Volto pro palco pra declamar o texto do Augusto dos Anjos. Aí vem mais um terror: “Eh meu pai”, do Raul. Errei umas partes, mas a galera curtiu. Não posso negar que me emociono nesta canção, pois penso profundamente no meu pai e no quanto sinto sua falta. Fizemos “Só pra variar”. Depois é “A minhoca...” e “Beijos de corpo”. E bau, bau!

Fico batendo papo com a moçada na saída do palco. Beijos, abraços, fotos, autógrafos, todo mundo muito gente boa. Banas vem me resgatar pro camarim, mas eu só quero mais uma breja. Ela vem. Sigo trocando idéias com as pessoas. Essa energia me faz seguir lutando com a maior banda independente do Brasil.

To no camarim. Mais uns drinks e tietagem. O vocal e o baixista do Carnal Desire, grande banda de hard rock fetichista da baixada, vem me cumprimentar. Sou fã do som destes caras. Muita conversa e autógrafos. Me dá mais uma breja aí! Beleza. Tuca resolve ficar na casa do Cavalo e não sobe com a gente. Eu to na van. Apaguei. Acordei já na porta do condomínio. Agradeci o Jorjão e to entrando em casa. Roupas molhadas pelo chão da lavanderia. Desfiz a mala. Um banho revigorante perto das oito da manhã. Oito e quinze. To desmaiado na cama. Um peido. Sono!