segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

TREME, JAPÃO! - BEBEDEIRA, ARRUAÇA, ATENTADOS E ROUBADAS NA CONQUISTA DO MUNDIAL INTERCLUBES/2012 PELO TIMÃO.

Japão - 12 de dezembro de 2012 – Nagoya - tarde de quarta feira

- Yuki: ninguém quer ver porra de castelo de Nagoya nenhum! Leva a gente pro estádio, caraio!
O relógio marcava aproximadamente cinco da tarde, horário japonês. E não foi à toa que nosso guia de olhos puxados levou esta frase ofensiva pela fuça. Faltavam duas horas e meia pro jogo e os corinthianos da nossa excursão que haviam deixado o Aeroporto de Guarulhos na noite de domingo (9/12) já estavam rodando desde as 9 da manhã pelas estradas milimetricamente asfaltadas da terra do sol nascente. Os três ônibus amarelos não ultrapassavam limites de velocidade (80 km/h) e paravam britanicamente a cada duas horas, cumprindo o período de descanso dos motoristas conforme determina a lei japonesa. Eram apenas 348 km entre Tóquio e Nagoya, mais cerca de 30 km até o Toyota Stadium. Não deveria demorar tanto! Ninguém queria saber de turismo. Os nervos pela estreia no Mundial Inter Clubes diante dos egípcios do Al-Ahly estavam muito além da flor da pele. A questão não era superar o campeão da África. A questão era vencer a ansiedade da estreia e do pseudo favoritismo que persegue europeus e sul-americanos neste torneio. A questão, em último caso, é que somos corinthianos e nada vem pra nós sem sofrimento. Muito sofrimento!
A noite caiu pouco antes das 18h, quando nos vimos frente á frente com uma construção enorme, iluminada, de onde saltavam grandes mastros como os de um barco afundado. Estávamos sobre uma ponte cheia de arcos ao lado do estádio. Todos desceram dos ônibus e após uma curta caminhada num breu digno das redondezas de um campo de várzea, surgiram á nossa frente stands com o emblema da FIFA, tendas com as taças continentais dos clubes participantes, barracas com sanduíches, refrigerantes, tira-gostos variados, um palquinho com algum mané discotecando world music (Michel Teló incluído) e lojas de lembranças e presentes. Tudo FIFA! Ao fundo, glorioso, lá estava o Toyota Stadium!
Mas havia um problema ainda maior que ansiedades e históricos de sofrimento do nosso time. Estávamos a 19 mil quilômetros de casa, numa terra que mal falava a língua dos Beatles (muito menos a nossa), após quase 28 horas sobrevoando céus americanos e asiáticos e nenhum de nós, 90, 100 fariseus integrantes do bando de loucos, tinha posse do ingresso para a partida que estava prestes a começar. O manager da nossa excursão chamava-se Mohamed e não fora visto desde a saída do hotel em Tóquio, na manhã daquele dia. Mohamed, egípcio como os nossos adversários, nos vendera pacotes de viagem incluindo ingressos para ambos os jogos. Claro. Nenhum de nós ia sair do Brasil sem a certeza de poder adentrar aos estádios e urrar pelo nosso Corinthians. E até então, nada de ingressos! N-a-d-a!
18h30. 18h31. O frio zunia e a euforia das fotos em frente ao shopping Fifa e do estádio ia sendo substituída por um certo desespero. Um puta desespero que atendia pelo nome de “ingressos”! Cadê o Mohamed?
18h39. 18h40. Eu precisava mijar. Mas as pessoas, nem todas conhecidas, estavam meio dispersas e eu tinha medo de sair pra tirar água do joelho e me perder daquele povo que tremia de frio e temia o mesmo que eu. Cadê o Mohamed, caralho?
18h43. 18h44. O povo ia para lá e para cá. Lá dentro do estádio, ruídos da torcida davam pinta de que os times se aqueciam no gramado. A Fiel dava o tom. Estaríamos em maioria nos 45 mil assentos, certamente. Aquele momento de concentração, de curtição, com o qual eu havia sonhado estava acontecendo a metros de mim e eu não tinha acesso a ele, mesmo já tendo pago por isso. Puta que pariu! Mohamed onde vc está com nossos ingressos, c-a-r-a-l-h-o?
18h48. 18h49. Eu estava pra mijar nas calças na porta do estádio e ainda sem ingresso. Dali 41 minutos ia começar o jogo. Pedi ajuda a São Jorge, nosso padroeiro. Santo guerreiro: encontre o Mohamed... Mais um puta que pariu? Sim!
19h02. 19h03. Perdi-me em preces e já havia acionado Santo Expedito, São Judas, Nossa Senhora de Aparecida, De Fátima, De Lourdes, Da Conceição, até Nossa Senhora do Bom Parto. Fui ao chefe: Jesus Cristo, traga este desgraçado deste egípcio aqui com meu ingresso! Pelamordoseupai!
Parei de olhar o relógio e temi pelo pior. O cerimonial da FIFA estava começando, como indicava a trilha sonora. Eu só pensava em números: eram 19 mil quilômetros de casa. E pouco mais de 30 metros até o local onde meu time ia jogar uma semifinal do campeonato mundial interclubes. E eu não tinha ingresso! I-n-a-c-r-e-d-i-t-á-v-e-l! Fudeu! Fudeu de vez!

Brasil - 9 de dezembro de 2012 – Hangar 110 – São Paulo – madrugada de domingo

Foi o último. Os relógios marcavam 23h30 e eu estava na porta do Hangar 110, zona norte de São Paulo, aguardando a equipe técnica desmontar e carregar nossa tralha, devidamente vestido com meu discreto roupão de oncinha. Havia terminado o derradeiro show das Velhas Virgens antes da epopeia Corinthiana que se avizinhava. Foi um show divertido, ainda que minha voz já estivesse em frangalhos. Pouco mais de 24 horas me separavam do embarque para assistir aos dois jogos do Mundial Interclubes da FIFA no Japão. Adversários indefinidos, mas um inimigo na mira: os ingleses do Chelsea Football Club. Os caras que mandaram o lendário Barcelona pro chuveiro mais cedo nas semifinais da Liga dos Campeões da UEFA 2011/2012 (campeonato que venceriam nos pênaltis, na final com o Bayern de Munique, em Munique). Alguns acham que a sorte Corinthiana teria começado aí. Eu não acredito em sorte. Eu acredito em trabalho!E cerveja!
Ok! Minha mulher havia ido a uma festa e por conta disso dormiria na casa da mãe, onde havia ancorado minha filhota Maju. Estando eu solitário em minha casa naquele sábado, engatei uma saideira pós show no Terra Nova com parceiros de banda. Cervejas e picanhas pra lá, cachacinhas pra cá, eu não conseguia parar de pensar naquela aventura que havia começado meses atrás após o apito final de Corinthians 2 X 0 Boca Juniors, no Pacaembú, dando fim ao drama de nunca termos vencido uma Libertadores da América. E foi em grande estilo, claro, regado a muitas lágrimas e desespero, mas invictos. Invictos, porra! Eu estava lá, dando um passo pra frente e outro pra trás para não sofrer um ataque cardíaco, numa movimentação digna de um autista, mais ou menos como Dustin Hoffman em Rain Man. É assim que fico nos jogos decisivos: andando, calado, rezando e chorando. Tem gente que sofre no mundo, mas este bando de loucos sofre que dá gosto! E é por isso que somos diferentes, uma vez que apenas o sofrimento faz a gente crescer espiritualmente. Ninguém sofre mais que nós e, portanto, somos seres especiais, mesmo! E eu ia levar aquela dramática dança da chuva minimalista para terras nipônicas, ora se ia!

Brasil - 9 de dezembro de 2012 – Aeroporto de Guarulhos - São Paulo – noite de domingo

O dia seguinte foi pra acertar detalhes da bagagem e tentar imaginar como seriam as 10 horas de voo até Washington D.C. Em terras de tio sam, o plano era me embebedar por algumas horas nalgum bar do aeroporto da capital americana e depois encarar mais 14 horas nos ares a caminho de Tóquio. Tudo alto, bem alto, se é que vcs me compreendem!
Foi um dia de angústia, já que pela primeira vez ia ficar tanto tempo longe da Maju, com seus pouco mais de dois anos. Claro que a distancia da Dex também apertava este já calejado coração alvi-negro, mas com filho... Com filho (no caso, filha) é diferente! Quem tem, sabe. E ela grita “timão eh, oh” e “aqui tem um bando de loucos”. Ai, minha filhota querida! Só o Timão pra me levar pra longe da minha família deste jeito. Não sei se pela emoção, pela incerteza do que iria acontecer ou se pela ressaca mesmo, foi um dia que passou voando. A noite também passaria, mas de outro modo.
O aeroporto Governador André Franco Montoro, em Cumbica, Guarulhos, estava envolvido por um tsunami preto e branco. A ala internacional tinha filas quilométricas de soldados do bando de loucos todos devidamente uniformizados com símbolos do nosso time. Uma coisa inacreditável, só superada pela despedida protagonizada pela mesma fiel dias antes, naquele mesmo aeroporto, com 15 mil fanáticos abençoando a partida do elenco no hall de embarque. Incidentes à parte, a fiel tem história quando o assunto é invasão (Maracanã/1976, que o diga).
Enquanto meu querido cunhado palmeirense procurava uma vaga para o carro, fui à procura do Adney, meu parceiro de quarto durante os próximos 12 dias. O cara estava mais nervoso que noiva e me ligava a cada 5 minutos. De todos os amigos corinthianos que convidei para ir a Tóquio (e foram muitos), só o Adney topou. Trabalhamos juntos no SBT, eu no Domingo Legal e ele com seguros. Já havíamos tomado cervejas no posto próximo ao SBT e ele, como fã das Velhas Virgens, já havia estado em alguns shows da banda. Mas não éramos exatamente os melhores amigos. Brinquei com Natália, mulher dele, que não iria violenta-lo, ainda que dormíssemos no mesmo quarto. Minha imagem nas Velhas Virgens suscita este tipo de atitude, ainda que eu seja um cavalheiro. No mesmo pacote que conheci a esposa do Adney, conheci tb um amigo seu, Jorginho, mais um incluído na viagem. E este trio acabaria ficando muito próximo durante a fase japonesa da trip, além da esticada pra Nova York que faríamos depois da final. Mas isso eu conto depois. Com o papo e os dias se passando, descobri histórias fantásticas de “corinthianismo explícito” deste e de vários outros parceiros. Aquele saguão estava lotado de emoção e histórias ligadas ao nosso time. Familiares se despediam emocionados. Uns, corinthianos, tristes por não poderem seguir com a tropa. Outros, civilizados torcedores adversários, desejavam sinceros votos de boa sorte, intuindo que aquele era mesmo um momento único na vida de um torcedor, fosse ele de qual time fosse. Dex estava com os olhos marejados e ao me despedir dela e da Maju chorei como criança.
- Leve-as com cuidado, cunhado. Vou pro Japão a trabalho, buscar minha taça de campeão e volto logo!
Rodrigo Preto, tb dono de agencia de viagens e que intermediou a confecção da agenda e a compra dos pacotes pro nosso trio e mais alguns amigos, dava apoio aos seus clientes, ainda que sua função na viagem fosse apenas de ser mais um no bando de loucos. Adney guardou lugar na fila e rapidamente eu, ele e Jorginho, devidamente aprovados no check-in, trocamos as lágrimas familiares por uma maratona de bares dentro da ala internacional, ainda que uma parte do meu coração tenha ficado ali, nas mãos da Dex e da Maju. Love u!
Primeiro fomos ao bar da Eisenbahn, microcervejaria catarinense situada em Blumenau ( que fazia parte do Grupo Schin e atualmente integra o conglomerado da cervejaria japonesa Kirin), fundada em 2002, que fabrica quantidade e variedade de boa cerveja (eu destaco a Pale Ale e a Strong Golden Ale). Prestes a fechar, o local, como todo o aeroporto, era nosso, com corinthianos de todas as idades brindando, rindo, se abraçando. Estava todo mundo ali naquele bar. Naquele aeroporto. Um sujeito estava bebendo tranquilamente quando de repente entra um esbaforido funcionário da TAM chamando pelo seu nome, avisando que só faltava ele pro avião partir. Ele foi, mas levou o copo descartável cheio de boa cerveja from Blumenau. Saúde!
Havia vários voos saindo para o mesmo destino naquela noite. Tecnicamente, era a ultima data segura para viajar e chegar um dia antes do primeiro jogo, sem correr riscos. Pelo que entendi a distancia física entre São Paulo e Tóquio dificulta voos diretos por questões de autonomia aérea. Entre as conexões mais comuns estão Dubai, Londres, Paris, Nova Iorque, Washington e eventualmente alguma cidade canadense. Pra mim era curioso não existirem paradas no México, na Califórnia ou no Hawaii, que pareciam estar mais na reta de um roteiro para Tóquio. De qualquer modo, todas as pessoas teriam que fazer uma parada pelo mundo. E este fato, tanto na ida e mais intensamente na volta (se Deus quiser, com a taça na mala) nos transformaria a todos em divulgadores do timão mundo a fora. Mais que torcedores, seríamos embaixadores de uma paixão que nasceu em 1º de setembro de 1910, fundada por um grupo de operários no Bom Retiro, aqui em São Paulo.
Esta era a hora do mundo conhecer o Todo Poderoso Timão. Amor de mais de 30 milhões de brasileiros. Contra ou a favor, todo mundo é Corinthians!
Na transição do bar da Eisenbahn para o da Devassa (micro cervejaria carioca também fundada em 2002 com um bom chopp IPA – a devassa Bem Loura é meia boca), uma visão curiosa: dois cidadãos usando camisas metade Timão, metade Grêmio de Porto Alegre. Será que eu já estava tão bêbado que tava tendo alucinações? Eu tinha que saber que porra era aquela! Abordei-os. Um deles, com claro sotaque sulista, explicou que cresceu numa família gremista no Paraná, mas que na faculdade tinha amigos corinthianos e que passou também a apoiar o Timão. Primeiro achei que a coisa não fazia sentido. Mas ao vê-los devidamente fardados com aquelas camisas que eles mesmos mandaram fazer só me restou recebe-los no bando de loucos. Loucura pouca é bobagem, pensei.
Eu, Adney e Jorginho ainda fechamos mais um bar enquanto um grupo improvisava um samba no setor de embarque com um pandeiro no chão reservado para doações. Não pingou muita coisa, mas numa viagem longa como esta, em que muita gente vendeu carro e se endividou para bancar o sonho de ir ao outro lado do mundo, todo tostão seria importante. Mas meu não, viu!