Japão - 12 de dezembro de 2012 – Nagoya - tarde de quarta feira
- Yuki: ninguém quer ver porra de castelo de Nagoya nenhum! Leva a gente pro estádio, caraio!
O relógio marcava aproximadamente cinco da tarde, horário japonês. E
não foi à toa que nosso guia de olhos puxados levou esta frase ofensiva
pela fuça. Faltavam duas horas e meia pro jogo e os corinthianos da
nossa excursão que haviam deixado o Aeroporto de Guarulhos na noite de
domingo (9/12) já estavam rodando desde as 9 da manhã pelas estradas
milimetricamente asfaltadas da terra do sol nascente. Os três ônibus
amarelos não ultrapassavam limites de velocidade (80 km/h) e paravam
britanicamente a cada duas horas, cumprindo o período de descanso dos
motoristas conforme determina a lei japonesa. Eram apenas 348 km entre
Tóquio e Nagoya, mais cerca de 30 km até o Toyota Stadium. Não deveria
demorar tanto! Ninguém queria saber de turismo. Os nervos pela estreia
no Mundial Inter Clubes diante dos egípcios do Al-Ahly estavam muito
além da flor da pele. A questão não era superar o campeão da África. A
questão era vencer a ansiedade da estreia e do pseudo favoritismo que
persegue europeus e sul-americanos neste torneio. A questão, em último
caso, é que somos corinthianos e nada vem pra nós sem sofrimento. Muito
sofrimento!
A noite caiu pouco antes das 18h, quando nos vimos
frente á frente com uma construção enorme, iluminada, de onde saltavam
grandes mastros como os de um barco afundado. Estávamos sobre uma ponte
cheia de arcos ao lado do estádio. Todos desceram dos ônibus e após uma
curta caminhada num breu digno das redondezas de um campo de várzea,
surgiram á nossa frente stands com o emblema da FIFA, tendas com as
taças continentais dos clubes participantes, barracas com sanduíches,
refrigerantes, tira-gostos variados, um palquinho com algum mané
discotecando world music (Michel Teló incluído) e lojas de lembranças e
presentes. Tudo FIFA! Ao fundo, glorioso, lá estava o Toyota Stadium!
Mas havia um problema ainda maior que ansiedades e históricos de
sofrimento do nosso time. Estávamos a 19 mil quilômetros de casa, numa
terra que mal falava a língua dos Beatles (muito menos a nossa), após
quase 28 horas sobrevoando céus americanos e asiáticos e nenhum de nós,
90, 100 fariseus integrantes do bando de loucos, tinha posse do ingresso
para a partida que estava prestes a começar. O manager da nossa
excursão chamava-se Mohamed e não fora visto desde a saída do hotel em
Tóquio, na manhã daquele dia. Mohamed, egípcio como os nossos
adversários, nos vendera pacotes de viagem incluindo ingressos para
ambos os jogos. Claro. Nenhum de nós ia sair do Brasil sem a certeza de
poder adentrar aos estádios e urrar pelo nosso Corinthians. E até então,
nada de ingressos! N-a-d-a!
18h30. 18h31. O frio zunia e a euforia
das fotos em frente ao shopping Fifa e do estádio ia sendo substituída
por um certo desespero. Um puta desespero que atendia pelo nome de
“ingressos”! Cadê o Mohamed?
18h39. 18h40. Eu precisava mijar. Mas
as pessoas, nem todas conhecidas, estavam meio dispersas e eu tinha medo
de sair pra tirar água do joelho e me perder daquele povo que tremia de
frio e temia o mesmo que eu. Cadê o Mohamed, caralho?
18h43. 18h44.
O povo ia para lá e para cá. Lá dentro do estádio, ruídos da torcida
davam pinta de que os times se aqueciam no gramado. A Fiel dava o tom.
Estaríamos em maioria nos 45 mil assentos, certamente. Aquele momento de
concentração, de curtição, com o qual eu havia sonhado estava
acontecendo a metros de mim e eu não tinha acesso a ele, mesmo já tendo
pago por isso. Puta que pariu! Mohamed onde vc está com nossos
ingressos, c-a-r-a-l-h-o?
18h48. 18h49. Eu estava pra mijar nas
calças na porta do estádio e ainda sem ingresso. Dali 41 minutos ia
começar o jogo. Pedi ajuda a São Jorge, nosso padroeiro. Santo
guerreiro: encontre o Mohamed... Mais um puta que pariu? Sim!
19h02.
19h03. Perdi-me em preces e já havia acionado Santo Expedito, São
Judas, Nossa Senhora de Aparecida, De Fátima, De Lourdes, Da Conceição,
até Nossa Senhora do Bom Parto. Fui ao chefe: Jesus Cristo, traga este
desgraçado deste egípcio aqui com meu ingresso! Pelamordoseupai!
Parei de olhar o relógio e temi pelo pior. O cerimonial da FIFA estava
começando, como indicava a trilha sonora. Eu só pensava em números: eram
19 mil quilômetros de casa. E pouco mais de 30 metros até o local onde
meu time ia jogar uma semifinal do campeonato mundial interclubes. E eu
não tinha ingresso! I-n-a-c-r-e-d-i-t-á-v-e-l!
Brasil - 9 de dezembro de 2012 – Hangar 110 – São Paulo – madrugada de domingo
Foi o último. Os relógios marcavam 23h30 e eu estava na porta do Hangar
110, zona norte de São Paulo, aguardando a equipe técnica desmontar e
carregar nossa tralha, devidamente vestido com meu discreto roupão de
oncinha. Havia terminado o derradeiro show das Velhas Virgens antes da
epopeia Corinthiana que se avizinhava. Foi um show divertido, ainda que
minha voz já estivesse em frangalhos. Pouco mais de 24 horas me
separavam do embarque para assistir aos dois jogos do Mundial
Interclubes da FIFA no Japão. Adversários indefinidos, mas um inimigo na
mira: os ingleses do Chelsea Football Club. Os caras que mandaram o
lendário Barcelona pro chuveiro mais cedo nas semifinais da Liga dos
Campeões da UEFA 2011/2012 (campeonato que venceriam nos pênaltis, na
final com o Bayern de Munique, em Munique). Alguns acham que a sorte
Corinthiana teria começado aí. Eu não acredito em sorte. Eu acredito em
trabalho!E cerveja!
Ok! Minha mulher havia ido a uma festa e por
conta disso dormiria na casa da mãe, onde havia ancorado minha filhota
Maju. Estando eu solitário em minha casa naquele sábado, engatei uma
saideira pós show no Terra Nova com parceiros de banda. Cervejas e
picanhas pra lá, cachacinhas pra cá, eu não conseguia parar de pensar
naquela aventura que havia começado meses atrás após o apito final de
Corinthians 2 X 0 Boca Juniors, no Pacaembú, dando fim ao drama de nunca
termos vencido uma Libertadores da América. E foi em grande estilo,
claro, regado a muitas lágrimas e desespero, mas invictos. Invictos,
porra! Eu estava lá, dando um passo pra frente e outro pra trás para não
sofrer um ataque cardíaco, numa movimentação digna de um autista, mais
ou menos como Dustin Hoffman em Rain Man. É assim que fico nos jogos
decisivos: andando, calado, rezando e chorando. Tem gente que sofre no
mundo, mas este bando de loucos sofre que dá gosto! E é por isso que
somos diferentes, uma vez que apenas o sofrimento faz a gente crescer
espiritualmente. Ninguém sofre mais que nós e, portanto, somos seres
especiais, mesmo! E eu ia levar aquela dramática dança da chuva
minimalista para terras nipônicas, ora se ia!
Brasil - 9 de dezembro de 2012 – Aeroporto de Guarulhos - São Paulo – noite de domingo
O dia seguinte foi pra acertar detalhes da bagagem e tentar imaginar
como seriam as 10 horas de voo até Washington D.C. Em terras de tio sam,
o plano era me embebedar por algumas horas nalgum bar do aeroporto da
capital americana e depois encarar mais 14 horas nos ares a caminho de
Tóquio. Tudo alto, bem alto, se é que vcs me compreendem!
Foi um dia
de angústia, já que pela primeira vez ia ficar tanto tempo longe da
Maju, com seus pouco mais de dois anos. Claro que a distancia da Dex
também apertava este já calejado coração alvi-negro, mas com filho...
Com filho (no caso, filha) é diferente! Quem tem, sabe. E ela grita
“timão eh, oh” e “aqui tem um bando de loucos”. Ai, minha filhota
querida! Só o Timão pra me levar pra longe da minha família deste jeito.
Não sei se pela emoção, pela incerteza do que iria acontecer ou se pela
ressaca mesmo, foi um dia que passou voando. A noite também passaria,
mas de outro modo.
O aeroporto Governador André Franco Montoro, em
Cumbica, Guarulhos, estava envolvido por um tsunami preto e branco. A
ala internacional tinha filas quilométricas de soldados do bando de
loucos todos devidamente uniformizados com símbolos do nosso time. Uma
coisa inacreditável, só superada pela despedida protagonizada pela mesma
fiel dias antes, naquele mesmo aeroporto, com 15 mil fanáticos
abençoando a partida do elenco no hall de embarque. Incidentes à parte, a
fiel tem história quando o assunto é invasão (Maracanã/1976, que o
diga).
Enquanto meu querido cunhado palmeirense procurava uma vaga
para o carro, fui à procura do Adney, meu parceiro de quarto durante os
próximos 12 dias. O cara estava mais nervoso que noiva e me ligava a
cada 5 minutos. De todos os amigos corinthianos que convidei para ir a
Tóquio (e foram muitos), só o Adney topou. Trabalhamos juntos no SBT, eu
no Domingo Legal e ele com seguros. Já havíamos tomado cervejas no
posto próximo ao SBT e ele, como fã das Velhas Virgens, já havia estado
em alguns shows da banda. Mas não éramos exatamente os melhores amigos.
Brinquei com Natália, mulher dele, que não iria violenta-lo, ainda que
dormíssemos no mesmo quarto. Minha imagem nas Velhas Virgens suscita
este tipo de atitude, ainda que eu seja um cavalheiro. No mesmo pacote
que conheci a esposa do Adney, conheci tb um amigo seu, Jorginho, mais
um incluído na viagem. E este trio acabaria ficando muito próximo
durante a fase japonesa da trip, além da esticada pra Nova York que
faríamos depois da final. Mas isso eu conto depois. Com o papo e os dias
se passando, descobri histórias fantásticas de “corinthianismo
explícito” deste e de vários outros parceiros. Aquele saguão estava
lotado de emoção e histórias ligadas ao nosso time. Familiares se
despediam emocionados. Uns, corinthianos, tristes por não poderem seguir
com a tropa. Outros, civilizados torcedores adversários, desejavam
sinceros votos de boa sorte, intuindo que aquele era mesmo um momento
único na vida de um torcedor, fosse ele de qual time fosse. Dex estava
com os olhos marejados e ao me despedir dela e da Maju chorei como
criança.
- Leve-as com cuidado, cunhado. Vou pro Japão a trabalho, buscar minha taça de campeão e volto logo!
Rodrigo Preto, tb dono de agencia de viagens e que intermediou a
confecção da agenda e a compra dos pacotes pro nosso trio e mais alguns
amigos, dava apoio aos seus clientes, ainda que sua função na viagem
fosse apenas de ser mais um no bando de loucos. Adney guardou lugar na
fila e rapidamente eu, ele e Jorginho, devidamente aprovados no
check-in, trocamos as lágrimas familiares por uma maratona de bares
dentro da ala internacional, ainda que uma parte do meu coração tenha
ficado ali, nas mãos da Dex e da Maju. Love u!
Primeiro fomos ao bar
da Eisenbahn, microcervejaria catarinense situada em Blumenau ( que
fazia parte do Grupo Schin e atualmente integra o conglomerado da
cervejaria japonesa Kirin), fundada em 2002, que fabrica quantidade e
variedade de boa cerveja (eu destaco a Pale Ale e a Strong Golden Ale).
Prestes a fechar, o local, como todo o aeroporto, era nosso, com
corinthianos de todas as idades brindando, rindo, se abraçando. Estava
todo mundo ali naquele bar. Naquele aeroporto. Um sujeito estava bebendo
tranquilamente quando de repente entra um esbaforido funcionário da TAM
chamando pelo seu nome, avisando que só faltava ele pro avião partir.
Ele foi, mas levou o copo descartável cheio de boa cerveja from
Blumenau. Saúde!
Havia vários voos saindo para o mesmo destino
naquela noite. Tecnicamente, era a ultima data segura para viajar e
chegar um dia antes do primeiro jogo, sem correr riscos. Pelo que
entendi a distancia física entre São Paulo e Tóquio dificulta voos
diretos por questões de autonomia aérea. Entre as conexões mais comuns
estão Dubai, Londres, Paris, Nova Iorque, Washington e eventualmente
alguma cidade canadense. Pra mim era curioso não existirem paradas no
México, na Califórnia ou no Hawaii, que pareciam estar mais na reta de
um roteiro para Tóquio. De qualquer modo, todas as pessoas teriam que
fazer uma parada pelo mundo. E este fato, tanto na ida e mais
intensamente na volta (se Deus quiser, com a taça na mala) nos
transformaria a todos em divulgadores do timão mundo a fora. Mais que
torcedores, seríamos embaixadores de uma paixão que nasceu em 1º de
setembro de 1910, fundada por um grupo de operários no Bom Retiro, aqui
em São Paulo.
Esta era a hora do mundo conhecer o Todo Poderoso
Timão. Amor de mais de 30 milhões de brasileiros. Contra ou a favor,
todo mundo é Corinthians!
Na transição do bar da Eisenbahn para o da
Devassa (micro cervejaria carioca também fundada em 2002 com um bom
chopp IPA – a devassa Bem Loura é meia boca), uma visão curiosa: dois
cidadãos usando camisas metade Timão, metade Grêmio de Porto Alegre.
Será que eu já estava tão bêbado que tava tendo alucinações? Eu tinha
que saber que porra era aquela! Abordei-os. Um deles, com claro sotaque
sulista, explicou que cresceu numa família gremista no Paraná, mas que
na faculdade tinha amigos corinthianos e que passou também a apoiar o
Timão. Primeiro achei que a coisa não fazia sentido. Mas ao vê-los
devidamente fardados com aquelas camisas que eles mesmos mandaram fazer
só me restou recebe-los no bando de loucos. Loucura pouca é bobagem,
pensei.
Eu, Adney e Jorginho ainda fechamos mais um bar enquanto um
grupo improvisava um samba no setor de embarque com um pandeiro no chão
reservado para doações. Não pingou muita coisa, mas numa viagem longa
como esta, em que muita gente vendeu carro e se endividou para bancar o
sonho de ir ao outro lado do mundo, todo tostão seria importante. Mas
meu não, viu!
segunda-feira, 9 de dezembro de 2013
TREME, JAPÃO! - BEBEDEIRA, ARRUAÇA, ATENTADOS E ROUBADAS NA CONQUISTA DO MUNDIAL INTERCLUBES/2012 PELO TIMÃO.
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