Brasil - 10 de dezembro de 2012 – dentro do avião - São Paulo – Segunda feira
Nossa
Cia. aérea era a United. Já bastante inebriado pela cerveja consumida em terra,
sinceramente não tenho certeza da capacidade de passageiros da aeronave, mas,
diz a internet, que estes Boeings 777- 200 podem levar de 253 a 348
passageiros. Vc quer contar? Eu não! Vamos de classe econômica, bro. Aperto nos
joelhos à vista! Sentei-me ao lado do
Adney, na cadeira 33 D. Retirei um batom preto usado para maquiagens em shows e
escrevi “timão” na testa, ao melhor estilo “cara-pintada”. Uhu! Estávamos no
ar. A doideira estava apenas começando.
Pedi
uma cerveja pra aeromoça que disse que não poderia mandar nada antes da
estabilização em velocidade de cruzeiro. De qualquer modo, o preço eram seis dólares. Malditos ianques exploradores! Mais pra frente vcs vão perceber que a
cerveja é uma das razões desta viagem. Um fio condutor, eu diria! Cerveja,
futebol e rock’n’roll. Só faltou o sexo!
Assim
que o avião “endireitou”, começaram a servir e mandei vir logo meia dúzia de Heinekens de uma vez. A aeromoça estranhou e perguntou em bom inglês se poderia
trazer 3 e depois mais 3 ao que eu respondi em spaghetti-english:
-
Bring my six Heineken right
now! (traga
minhas seis Heinekens agora mesmo!)
E
lá estava eu, com minhas seis latinhas, infelizmente verdes, mas preenchidas
pela melhor cerveja mundial. Claro que há melhores, mas comercialmente falando,
Heineken é a melhor mundial, pois pode ser encontrada quase em toda parte. Bem,
Heineken é a melhor das comerciais pra mim! Vc prefere Budweiser? Fique pra
você. Quando ficar mais bêbado te conto sobre a Budweiser. Morra bud-light!
Lentamente
as pessoas foram controlando sua euforia, tentando dormir e eu, como sempre,
com olhos estalados. Eu simplesmente não consigo dormir em aviões, a não ser
que esteja pra lá de trêbado. E como tenho evitado destilados, só movido a
cerveja fica difícil travar. Serviram um rango e dada à quantidade de cerveja,
comi feliz. Era uma espécie de picadão, incluindo carne, molho e batatas, junto
com um arroz amarelo cuja consistência e o gosto beiravam o cuscuz. Tinha tb
uma saladinha verde, pão e uma espécie de brownie de sobremesa. Estava bem
gostoso. Acho.
Entre
as aeromoças minha favorita era uma balzaca loira com belas pernas e ares de
corista da Broadway. Tinha também um negrão meio careca de bigode e voz grossa.
Confesso que tudo estava meio confuso diante da quantidade de birras que eu
havia ingerido.
Opa,
luzes apagadas. Adney desmaiou pra lá. Jorginho estava mais longe, devidamente
adormecido eu imagino.
Entrei
naquele transe, meio desmaiado, meio morto. Comecei a investigar os filmes, as
musicas, os fones, mas nada me satisfazia. Seriam dez longas horas até
Washington D.C.
Quer
saber sobre a Budweiser? Muito bem, vamos jogar conversa fora. Quanto mais
bêbado eu fico, melhor falo de bebida. Há três Budweisers no mundo, duas delas
originárias da República Tcheca (Budweiser Budvar e Budweiser Bürgerbräu). A
cerveja à qual eu me refiro é a tradicional empresa cervejeira americana com
sede em Saint Louis, ainda que tenha sido comprada pela Inbev (maior cervejaria
do mundo, administrada por belgas e brasileiros). A Budweiser é uma lager com
5% de teor alcoólico. A sua versão light tem pouco mais de 4% de álcool e é a
segunda mais vendida no mundo, perdendo apenas pruma chinesa chamada Snow que,
que eu saiba, só vende na China. Então, a cerveja mais vendida em todo o mundo é mesmo a budlight. Este
sucesso comercial influenciou cervejarias em todo o planeta a fabricar este
tipo de xixi de gato em detrimento de cervejas com doses mais generosas de
malte de cevada, lúpulos e fermentos diferenciados. Cervejas com aromas,
sabores e cores definitivamente mais sedutores que esta coisinha sem graça
chamada bud light. É por isso que em quase todo lugar bebe-se cerveja pseudo
pilsen (na verdade, a bud light é uma american light lager = xixi de gato). Por
ser uma cerveja com altas doses high maltose (é um açúcar idêntico ao
encontrado no malte, mas extraído do xarope de milho), sem grandes nuances de
aroma e sabor, bebe-se bem gelada pra que nosso paladar congelado não note que
se trata de uma cerveja paupérrima (toda lager é paupérrima? Não! Toda Pilsen é
paupérrima? Não! Bud light é que é paupérrima!). Muito bem. Foi assim que os
americanos foderam a cerveja mundial com o sucesso da sua bud light. Estes
mesmos americanos (outros, na verdade), indignados com a mesmice e a falta de
ousadia e saudosos de boa cerveja, começaram uma revolução com suas ales
lupuladas, suas receitas híbridas e fomentaram o renascimento da cerveja
artesanal de qualidade. Os bares que fabricam e/ou vendem sua própria cerveja
(brewpubs) proliferam nas grandes cidades do mundo. As microcervejarias
cresceram tanto dentro do mercado a ponto da 3ª maior cervejaria americana ser
a independente Sierra Nevada, Chico, California. E é por isso que, depois do
Corinthians, meu interesse neste tour nipo-americano é conhecer bares e
cervejas artesanais. Tanto em Nova Iorque quando em Tóquio há dezenas de pubs
dedicados a este renascimento da cerveja. E quando eu não estiver no campo
urrando pelo Timão, estarei num destes bares, aprendendo e degustando cerveja
boa. É, mano... Eu já escapei da Matrix, da ditadura das pilsens “insossas”. E
vcs? Alguém tem que apresentar para o Zeca Pagodinho algo melhor que Brahma.
Nem que seja uma pilsen tcheca, esta sim, uma cerveja com história, sabor e
personalidade que merece respeito. No Brasil há dezenas de excelentes cervejas
artesanais. Sabe o que diferencia uma cerveja industrializada de uma artesanal:
no caso da artesanal, quem decide o sabor da cerveja é o mestre cervejeiro e
não o departamento de marketing. E tenho dito! Caraio, não sei como consegui
concatenar tantas ideias neste estado etílico em que me encontro.
Estamos
a milhares de pés de altura, aquele frio insuportável lá fora. Adney ensaiando
um ronco digno de um urso ao meu lado. E eu acordado. As Heinekens acabaram.
Vou ao banheiro. Adney não acorda. Pulo por cima dele e ele nem tchum. Volto do
banheiro com mais uma Heineken que a aeromoça loira me vendeu com toda má
vontade do mundo.
-
Give me 3, please!
Ela
me vendeu apenas uma que, eu me prometi, iria ingerir lentamente. Opa! Achei
aquele Guia do Torcedor que foi produzido pelo consulado brasileiro pra
explicar pra gente como agir no Japão. Vamos ver se tem algo interessante. Hum,
no Japão todo mundo é educado e sério e nada se resolve com o famoso “jeitinho
brasileiro”. Eles não gritam na rua. Os carros respeitam a faixa de pedestres.
Sei! São 95 linhas de trens e metrô além de dezenas de linhas de ônibus que
ligam a cidade às províncias vizinhas. Tá! Mas o transporte público para de
funcionar entre meia noite e uma da manhã e só volta ás 5 da matina. Ok. Neste
hiato noturno de transportes públicos, o negócio é táxi. Uma corrida de 10
minutos pode custar 1900 Ienes ou 9 dólares ou dezoito reais. Tá certo. A base
de cálculo do cambio é 1 dólar = 76 Ienes = 2 reais. Perfeitamente!
A
maioria dos japoneses não fala inglês e quando fala, a gente não entende,
porque a língua japonesa não processa th – lh – br - tr e letras como V e F. As
ruas não têm placas com nomes. Peraê! Vamos ver se este bebum compreendeu algo:
os caras não falam inglês (que eu tb não falo muito bem) e quando falam a gente
não entende. Legal! Eu diria que estou fudido se não fosse o fato de ter um
amigo de uma amiga que mora no Japão há mais de um ano, um acadêmico que faz
pós graduação em engenharia chamado Afonso com quem tenho trocado e-mails e que
se prontificou a ser nosso guia por lá. Ai sim! O
cara parece entender um pouco desta língua misteriosa chamada japonês. E
é até fã das Velhas Virgens. Já lhe passei uma lista de brew pubs que quero
conhecer. Então, tudo pode dar certo, mamãe! Pelo menos uma coisa eu já sei
falar em japonês: “bíru”. O que quer dizer isso? Cerveja! Eh, eh, eh! E por
falar nisso, a Heineken se foi. E preciso mijar outra vez.
Indo!
No trajeto, após pular por cima do Adney novamente, encontro uma procissão de
zumbis como eu. Fila no banheiro, conversa jogada fora. Mijadinha básica. Saio
e fico ali, solitário, encostado na porta, iluminado pela luz que vem do
mictório e triste como quem fez uma colonoscopia. Tento ir até a primeira
classe só pra ver como é. Peço pra conhecer a cabine do piloto. O comissário
negrão careca me enxota. Volto pro corredor ao lado do banheiro. Fico ali, meio
escondido pra não tomar outra enrabada do afrodescendente norte-americano. A
esta alturas (sacou?) devemos estar sobrevoando o Caribe... Quem sabe a
Jamaica... Ou Triângulo das Bermudas. Xiii! E se formos dragados por alguma
força estranha, sobrenatural, do espaço? Porra, preciso de mais uma cerveja.
Vou até a cozinha e encontro novamente o negão careca. Explico que quero mais
uma cerveja, que pago por ela, que não consigo dormir que meu HIV tá em dia,
que mastigo de boca fechada, que uso camisinha. Digo que “aqui é Corinthians”.
Ele me observa sem dar muita importância e me diz que posso levar a cerveja de
graça, mas para não aparecer mais por lá. É! Esta verdinha terá que durar até
de manhã. Que horas serão no Brasil? E em Tóquio? Volto pro meu lugar, pulando
novamente sobre Adney que me vê com mais uma cerveja e apaga de novo. Dorme
como uma criança, o desgraçado! Vou tentar tb, pois!
Hum.
Tem alguém me cutucando no escuro. Parece que dei uma cochilada. Graças a Deus
não derrubei a cerveja. Opa, mais um cutuco. Abro os olhos e dou com o
comissário negrão falando um português atrapalhado:
-
A sr. queria conocer o cabine do comander?
Faço
que sim com a cabeça e ele pede que eu o acompanhe. Oba, finalmente alguma
coisa pra fazer. Curioso o comissário de bordo se lembrar do meu pedido e ter a
gentileza de viabiliza-lo no meio da madrugada. O avião segue às escuras com
quase todo mundo apagado. Caminho atrás do aeromoço através dos corredores da
primeira classe. Ele bate na porta da cabine de comando. Recebe autorização
para entrar. Lá dentro, luzinhas e ponteiros se multiplicam no painel. À frente
do manche, piloto e copiloto estão atentos, enquanto mais atrás um terceiro tripulante
confere mais alguma coisa no computador de bordo. Curiosamente há luzes de uma
cidade no horizonte.
Meu
encantamento com a cabine de comando é interrompido por uma voz grave,
proferida pelo piloto, em perfeito português.
-
Seja bem vindo!
Ele
fala sem se virar para mim. Só vejo suas costas. Surpreso com seu bom português
pergunto que luzes são aquelas lá na frente.
-
Acabamos de sobrevoar Tóquio. Ali, logo adiante, é Nagoya.
Na-go-ya?
Como podemos estar nos aproximando de Nagoya se faríamos conexão em Washington
DC para depois seguir para o Japão? Este piloto deve estar doidão. Mas que as
luzes estão lá fora, estão. Antes mesmo que eu verbalize meu espanto, o piloto
volta a falar, pesada e pausadamente, sempre em português brasileiro.
-
Resolvemos mudar a rota e vir direto para o Japão, voando em linha reta
sobre o oceano pacífico. Vamos aterrissar em Nagoya em alguns minutos. É mais
perto para vcs corinthianos, não é?
Que
papo maluco! Mudança de rota! Aterrissagem em Nagoya? Que doideira era aquilo?
E aquele piloto que falava comigo em português perfeito e sem sotaque?
-
Está vendo aquele edifício ali – seguiu o piloto - É o Hotel Hilton de
Nagoya!
Eu
não estava vendo nada! Mas sabia que era no Hotel Hilton que o elenco do
Corinthians estava hospedado para o primeiro jogo, a ser realizado em Toyota,
na quarta feira, dia 12.
-
Então... Vamos aterrissar ali.
-
Ali onde? – indignei-me
-
Ali – ele apontou com o dedo - bem no meio do edifício... A la 11 de
setembro...
A
gargalhada que se seguiu àquela frase bizarra me deixou aterrado. Ato contínuo,
piloto e copiloto arrancaram suas fardas e exibiram camisas verdes do...
Palmeiras. Minha nossa senhora: a porcada tomou o comando do avião pra eliminar
a nós torcedores e toda a delegação Corinthiana num só golpe. Famigerados!
Miseráveis! Não, não, mil vezes não! Aquilo não poderia ser real. Alguém me
acuda!
Escuro.
Silencio.
Eu estava de volta à minha poltrona.
Tinha sido um pesadelo. Graças a São Jorge, apenas um
pesadelo, puta que pariu!
Com o coração ainda disparado, dei uma olhada de longe
para uma das janelas e vi que as luzes de um novo dia estavam surgindo no
horizonte. Respirei fundo. Washington DC se aproximava sem palmeirenses à
vista. Apaguei.
Por volta de 8h00 da manhã, horário da capital americana,
devidamente "encafezados" pela aeromoça corista da Broadway, nosso avião tocou o
solo com suavidade inesperada sob os gritos amanhecidos de “Vai Corinthians”.
Passamos a noite nas nuvens e amanhecemos na gringa. No Brasil era coisa de
onze e pouco da matina. Íamos finalmente verificar se meu visto americano
funcionava. Era hora de testar esta nova etapa do relacionamento Brasil-EUA,
onde os turistas brasileiros, dizem, passaram a ser bem vindos. Ok, é só uma
escala. Mas já é um começo. Na volta ainda teremos quatro dias em Nova Iorque.
Uhu!
Nossa partida para Tóquio estava marcada para 11h20,
horário de Washington. Tínhamos cerca de 3 horas para sair de um voo com mala e
cuia, vencer o interrogatório dos federais e entrar no outro vôo. Amanhecia a
segunda feira em terras americanas, mas no Brasil já era quase hora do almoço.
Então, nada melhor que pisar solo estadunidense com pé direito, ou seja,
tomando “uma ou doze” cervejas num bar. Oh, yeah!
É impossível para um roqueiro de alma como eu pisar pela
primeira vez nos Estados Unidos sem sentir uma emoção estranha. Foi aqui, neste
país, que nasceu o ritmo que embala minha embriagada vida desde que me conheço
por gente. Centenas de ídolos, dezenas de lendas e histórias... Tudo começou da
união do Blues, do Hillbilly e do Country. Negros, caipiras, Chuck Berry,
Elvis. Porra, tô em casa!
Inicialmente o Washington Dules International Airport
parece pequeno. Fomos caminhando em fila indiana para realizar a checagem de
documentos e etc e tal. Sempre dá um frio na barriga, pois é o momento em que
nos lembramos de histórias de conterrâneos que foram barrados e mandados de
volta pra casa sem sequer ter a chance de pisar a terra do tal Tio Sam.
Antes da checagem da aduana, nosso trabalho foi apenas
pegar as malas em uma esteira e coloca-las em outra para que fossem devidamente
embarcadas no voo seguinte, cujo destino era o Japão. Simples assim.
Piadas e rostos amassados. Na fila propriamente dita, que
dava acesso aos guichês da polícia federal, os funcionários demonstravam
descontração e até bom humor. Prova disso era aquela policial baixinha e
gorducha que, antecipando as comemorações de natal, usava adereços de “Mamãe
Noel” na cabeça. Sorridente, respondeu bem ao meu desejo de happy Xmas
antecipado.
Movimentação lenta. Anda, para! Opa! De repente lá estava
eu exibindo meu passaporte para o policial. Duas ou três perguntas sobre a
conexão e nosso destino, uma observação sobre a clara ligação da maioria dos
passageiros, vestidos como guerreiros corinthianos e eu tava, oficialmente, dentro
dos Estados Unidos da América – Land of the free, home of the brave (terra dos
livres e lar dos valentes) como diz o hino nacional americano. Ainda fui
vasculhado num scanner de corpo inteiro. Não deu nada. Eu tava dentro. É noise!
Jorginho (que tb foi escaneado) e Adney vieram em seguida,
assim como Rodrigo Preto e toda a tchurma que eu ainda não conhecia direito e
muito menos sabia seus nomes. Era muita gente, mas com o passar dos dias, nossa
gang de dementes dentro do bando loucos arregimentaria 10 ou 12 parceiros mais
assíduos que em breve tocariam o terror em terras japonesas e também
americanas. Nosso exército alvi-negro de elite. Era esperar pra ver!
Cá estamos nós,
caminhando livres pelos extensos e aparentemente infinitos corredores do Dulles
Airport. Muitos procuram café da manhã. Outros, janelas para contemplar as
redondezas. Jorginho quer um adaptador para carregar seu celular. Adney coloca
sua bandeira do Timão sobre um display em tamanho natural de Barack Obama. Eu,
após despejar dejetos líquidos, pastosos, semi-sólidos e gasosos no banheiro,
passo a procurar um bar. Simbora beber, minha gente!
Vou prum lado, pro outro e não acho nada melhor um pub
chamado Tidewater Landing Bar, com muitas garrafas de vários tipos de bebida,
cerca de 10 cadeiras em torno de um simpático balcão de madeira, outras 10
mesas pelo salão e mais oito bicos de chopp com algumas variedades bem
interessantes, todas americanas, a maioria de estados vizinhos. Da esquerda pra
direita, o primeiro bico tem Flying Dog IPA, fabricada em Frederick, no estado
Maryland, facilmente encontrada no Brasil. Tomo duas destas, com pouco mais de
7% de teor alcoólico. As IPAs (india pale ales) são minhas favoritas. O segundo
bico abriga uma amber ale chamada Fat Fire, fabricada pela cervejaria New
Belgium, em Fort Collins, no Colorado, no centro dos EUA. Mano um pint pra
baixo (Pint é a medida de volume que eqüivale 665 ml; curiosamente, um pint
americano vale 473 ml e um inglês 568 ml; basicamente é a capacidade do copo
onde é servido chopp).Terceiro bico, Samuel Adams, a maior cervejaria
totalmente americana, uma lager fabricada em Boston, Massachussets. No quarto
bico, uma Yuengling beer, fabricada na Pensylvania, a mais antiga cervejaria
americana, em atividade desde 1829, empatada em primeiro lugar junto com a
fabricante da Samuel Adams (Boston Brewing) como a maior cervejaria americana.
Além de ser a cerveja favorita de Barack Obama. Boa cerveja. Bico 5: Old
Dominium Ale, produzida no estado de Delaware , que fica ali do lado, entre Maryland
e New Jersey. Bebo uma. Bicos 6 e 7: Bud Light (argh!) e Budweiser,
respectivamente. Nosso bartender, Richard, me explica que aquela Budweiser é
fabricada ali mesmo no estado onde estamos (Virginia) e que por conta disso tem
um sabor todo especial. Não me comovo com isso e declino de degusta-la. No
último bico uma clássica cerveja de trigo (Hefeweizen) que vem diretamente da
cidade de Portland, Oregon, fabricada pela Widmet Brothers Brewing. Tá bom ou
quer mais? Como um sanduíche de ovo meio estranho junto com Jorginho e Adney.
Isso vai virar gás em breve. Enquanto outros corinthianos vão chegando e
bebericando também, Richard me explica que do mesmo modo que no distrito
federal aqui no Brasil, a capital americana, que como sabemos se chama Washington
District of Columbia, é um distrito autônomo. E fica espremido entre os estados
de Maryland e Virginia, na costa leste. O aeroporto onde estávamos, por
exemplo, estava no estado de Virginia. Washington mesmo não tem aeroporto e é
servido por três, todos em outros estados.
Edu, mais um do bando que decorei o nome, queria dar uma
volta fora do aeroporto no que foi desaconselhado por Richard, uma vez que
estávamos num subúrbio a 32 km do centro da capital americana, sem nada de
interessante pra fazer a não ser perder o embarque para Tóquio. Edu não curtia
cerveja e foi de vodka. Seguimos todos bebendo. Chegaram Rodrigo e seu parceiro
de quarto, Tabajara. Chegou mais gente: o lendário Dalmir, Rochinha, Rapha e
Falconi. Mas estes eu ainda não identificava pelo nome.
Estávamos tão longe do local do reembarque que era preciso
pegar um trem interno pra chegar lá. Puta aeroporto gigante, mano!
Fui gastando meu parco inglês que ficava pior a cada gole.
Adney resolveu beber um red label. Engatei uma tequila pra não ficar atrás.
Contei pra bar woman que era casado e tinha uma filha, mostrei a foto, disse
que já tava com saudades. Ela perguntou por que ela e minha esposa não estavam
comigo e expliquei que estava viajando a trabalho, para buscar a taça, vcs
sabem! A conta deu 65 dólares. Viva o Visa. Saímos dali semi atrasados, mas
felizes da vida e bastante breacos. Nenhum de nós ia pilotar o avião, portanto
podíamos chapar o coco!
O trajeto parecia fácil! Era só descer uma escada rolante
e pegar o trem. É bem verdade que até este trem havia uma longa caminhada
incluindo passarelas rolantes. E com a bebedeira e a alegria geral, acabou
sendo um trajeto meio tenso, uma vez que o trem não tinha motorista e andava
numa velocidade violenta pelo subsolo. Era bem engraçado se debruçar no vidro
da frente e ver os trilhos passarem a mil. Foram 3 ou 4 estações dentro do
aeroporto e chegamos. Mais uma escada rolante e lá em cima, na frente do
embarque, descobrimos um novo bar chamado PotBelly onde encontrei uma
preciosidade: uma garrafa de Sierra Nevada Pale Ale. Gente, que lúpulo
refrescante! Que aroma, que sabor! Todos “escalaram” a Sierra Nevada e a esta
altura já tava todo mundo bem doidão. Antarctica? Não sei o que é isso
(deixando claro que meu problema não é com cerveja brasileira, mas com cerveja
sem alma – e sem malte de cevada).
Lá fora, no rabo da nossa aeronave, estava escrito ANA, o
nome da companhia aérea parceira da United que nos levaria ao nosso objetivo.
By the way, Ana quer dizer All Nippon Airways.
As aeromoças já anunciavam o tom gentil e prestativo,
recheado de sorrisos e simpatia, que nos acompanharia por 14 horas. Vai
Corinthians, poropopó... Adentramos à ANA, que era quentinha, cheirosa e muito
solícita. Íamos todos passar a noite com a ANA. Ai, ANA...
Como estávamos voando na direção contrária ao movimento de
rotação do planeta, sairíamos de Washington na segunda 11 horas da manhã pra
chegar ao Japão já na terça, 3 da tarde. Loucuras dos fusos horários. Na volta
do Japão a coisa seria o contrário: saída de Tóquio na segunda (17/12) ás 3 da
tarde pra chegar a Nova Iorque na mesma segunda, 4 da tarde, mesmo após 14
horas de vôo. E to bebão... E não posso explicar mais nada!
Minha poltrona é a 33 k, a da janela. Adney está novamente
grudado comigo. Acho que pelo fato de termos fechado o pacote juntos, nossos
assentos serão sempre lado a lado. Na ponta esquerda, um japonês de bigode,
cabelos grandes e semi-careca. Um samurai?
Mal levantamos voo e pedi, como esperado, uma cerveja.
Novamente a informação foi de que o serviço só começaria após a estabilização a
determinada altura. Ok!
Engatei uma conversa com o japonês, explicando que éramos
todos torcedores de um time de futebol brasileiro que disputaria um torneio no
Japão. Adney foi ensaiando um bode. Papo vem e papo vai, comentamos sobre a
longa duração da viagem e ele veio com o comentário de que pra ele seria pior,
pois ainda teria que encarar mais sete horas de voo depois de Tóquio. Perguntei
em que região do Japão ele morava e ele respondeu Vietnã. Porra. E eu tirando o
cara de japonês só por causa dos olhos puxados. Falha nossa! Tentei “passar um
pano” dizendo que os orientais parecem todos iguais para nós ao que ele
retrucou dizendo que para ele os ocidentais também parecem iguais. Chupa,
Paulão!
O serviço começou e as deliciosas, digo, atenciosas
aeromoças japinhas nos forneceram Rice Cracker (salgadinho de arroz) de tira
gosto e toda... E toda a bebida que pudéssemos beber. Quer uísque? Ok! Quer
Saquê? Taqui! Vodka, Run, vinho, tudo na mão. E cerveja? Hum. O arsenal era
variado: várias versões de Sapporo, Kirin, Asahi e Suntory, até onde eu sei,
todas grandes cervejarias comerciais japonesas, muitas delas encontráveis no
Brasil. Tudo de graça (fuck United!). Uma das curiosidades das cervejas
japonesas é que muitas delas utilizam arroz em sua receita. Vamos à aula? A
Saporo é fabricada na cidade do mesmo nome que fica bem ao norte do Japão desde
1876 e é a mais antiga cervejaria do país. O grupo que fabrica a Kirin que,
como já disse, é o novo dono da Schincariol (o que significa que é também dona
da Eisenbahn, da Baden Baden e da Devassa) começou suas atividades em 1885. O
pessoal que produz a Asahi faz também saquê, vinho e refrigerantes e tem
fábricas na Europa, Canadá e Japão. A Suntory, originaria de Osaka, tem
fábricas em todos os continentes, fabricando bebidas desde 1899. Ouvi falar
dela pela primeira vez vendo o filme Encontros e Desencontros, aonde Bill
Murray vai ao Japão gravar um comercial do uísque Suntory. Bem, apresentações
feitas, simbora experimentar todas elas lembrando que uma das minhas intenções
na viagem é beber cervejas artesanais. Ok, vou fazer este sacrifício e beber as
brejas comerciais que tenho a bordo. Qualquer coisa peço pro piloto para numa
conveniência e compro mais alguma coisa!
Adney se animou e começou a nadar de braçadas no mar do
uísque. Eu fui comendo o Rice Cracker e experimentando todas as cervejas.
Destaque para uma Suntory escura, escorpada.
Voltei meu papo com o vietnamita que me disse que
trabalhava em Washington DC como engenheiro. Não me contive e perguntei sobre a
relação dele e de seu povo com os americanos em função da guerra do Vietnã e
tal. Ele me disse que tudo ficou no passado e que os americanos dão boas
oportunidades de emprego para os vietnamitas. Perguntei sobre a cerveja
vietnamita e ele me disse que há muita variedade de cerveja asiática e que a
mais popular chama-se Bia Há Noi, que a internet diz ser a cerveja mais barata
do mundo, custando cerca de 30 centavos de real. Sobre bebidas mais fortes ele
disse que os vietnamitas gostam de misturar drinks famosos, tipo Sex on the
Beach com Blood Mary... (como será que esta mistura se chama? Sex with Mary? Ou
Blood on the beach? Falou também que em sua terra tem uns vinhos exóticos em
cujas garrafas são colocadas cobras e/ou lagartos. Aí, parei que já estava me
embrulhando o estômago.
Lá vem o jantar, incluindo misoshiru, aquele caldo salgado
de peixe e soja fermentada que eles servem para abrir o apetite. Tem tb
macarrão branco frio, uma espécie de repolho bem fininho cozido, uma salada
verde com dois camarões em cima e quatro arranjos sobre folhas de repolho (é o
que parece), com recheios de camarão, purê de batata, cenoura e umas gosmas com
gosto de peixe que eu não sei o que são. Comi tudo com gosto.
Ao final da refeição, chá preto ou café. Durante o rega
bofe, senti que ao pedir ou perguntar coisas para as aeromoças era visível a
dificuldade delas em entender meu inglês assim como a minha de entender a
curiosa pronúncia delas. Esta era uma indicação de que o entendimento verbal
seria mesmo complicado em Tóquio.
A comunicação por escrito certamente seria ainda mais
problemática. Os japoneses escrevem através de Kanjis ou ideogramas, aquelas
arvorezinhas estranhas que têm milhares de detalhes e cada detalhe um significado
diferente. Sua origem é chinesa. No que diz respeito ao japonês falado, por
mais variações que existam de Kanjis, ou seja lá do que for, tudo que eu ouço
quando eles falam japonês é “curi-curi-curi”. Bem, deixemos isso para quando
chegarmos ao Japão.
Havia uma infinidade de opções de áudio e vídeo para
distrair durante as 14 horas de voo. O disco mais recente do Bruce Springsteen,
o novo de Bob Dylan. Clássicos como Pet Sounds dos Beach Boys, Sgt. Pepper dos
Beatles. Tinha tb uma coletânea de musica clássica com, por exemplo, as quatro
estações de Vivaldi que eu nunca ouvi por inteiro. Não me critique: sou do
rock!
Olhei pela janela e, observando o mapa com o curso do
nosso voo, notei que estávamos subindo em direção ao Canadá. O sentido era
totalmente norte, como se estivéssemos contornando a circunferência da Terra no
sentido no polo norte. Lá embaixo, ainda com alguma luz, foi possível observar
as terras ficando brancas. No mapa dava para ver que havíamos passado sobre
Toronto e que seguíamos para a grande Baía de Hudson, que parecia apenas um
grande lago congelado naquela estação. Tudo branco. Esta sensação de estarmos
fazendo uma rota em semi circulo é falsa. Na verdade estávamos indo em linha
reta, no sentido de sobrevoar o Canadá, passar bem acima do Alasca e seguir
sobre a ponta mais ao oriente da Sibéria, começando uma espécie de descida (a
Terra é redonda, dizem) em direção ao Japão.
Eu ia ouvindo música, bebendo cerveja, comendo salgadinho
e monitorando a janela. Que medo! A esta
altura só o que se via lá embaixo pela janela era gelo. Brancura total. Não sei
se as temperaturas abaixo de zero que envolvem os aviões em grandes altitudes
seriam muito diferentes das que castigavam o solo daquela parte pra lá de
inóspita do nosso planeta. Imagens que a gente só vê em documentários e filmes.
Uma queda naquele fim de mundo gelado certamente daria perda total. Deus me
livre! Tenho minha filha pra criar e trabalho a fazer no Japão que vcs sabem
qual é! A taça, porra!
No mapa virtual da aeronave, bem á minha frente, era
possível ver nosso deslocamento dentro da noite. Fui bebendo e vez por outra
pedia licença aos vizinhos para devolver o líquido no banheiro. Às vezes não
pedia licença e pulava por cima deles. Nestas ocasiões encontrava amigos cujo
objetivo era o mesmo que o meu, como no outro voo. E a ansiedade pelo
conhecimento de um país tão distante geográfica e culturalmente só não era
maior que a vontade de fazer o tempo correr logo pra que nos víssemos dentro do
estádio, de bandeira e coração em punho pra vivenciar aquilo tudo. Vai
Corinthians!
Adney estava bem doidão. Eu tb. Mas ele tava mais. Em
determinado momento surgiu com três copos de uísque. No meio da comemoração por
tal conquista alcoólica um dos copos foi devidamente derramado sobre mim. No
problem. Isto vai apenas embebedar meu pinto e ajuda-lo a dormir. Além de
mijar, é difícil achar alguma utilidade pra ele durante o voo. A não ser que
alguma aerojapa tente me violentar. Aí, sob o domínio de artes marciais
milenares e práticas ninja, nada poderei fazer Dex, senão deixar-me seviciar
por estas vampiras esbranquiçadas. Pobre de mim!(acho que tô bem doidão mesmo)
O álcool nas nossas veias deixava muitos de nós agitados e
as caminhadas para lá e para cá aconteciam em fila indiana como uma procissão
de zumbis, uma walking dead a 10 mil pés de altura. Na transição dos fusos, eu
já não sabia mais que horas eram. Lá fora estava escuro. Aqui dentro também.
Chapado, não lembrava mais a diferença de horário para o Brasil. A única
certeza é que chegaríamos ao Japão pelas 3 da tarde da terça feira, dia 11,
enquanto no Brasil seria coisa de duas da manhã da mesma terça feira dia 11. 13
horas de diferença, com o auxilio do horário de verão. Coisa louca.
Sentamos e sossegamos o facho. Adney finalmente apagou
depois de me dizer que estava tão louco que chegou a fumar no banheiro, coisa
que poderia lhe render uma multa poderosa. Maldita nicotina!
A noite não me impedia de ver o chão lá embaixo. Notei
quando o continente americano terminou e o momento em que começamos a sobrevoar
o lado gelado da costa oeste da Ásia. E tudo que conseguia ver eram pequenos
fios escuros, como rios ou rachaduras no relevo coberto de gelo. Este panorama
não se alterou por muito tempo até que, com uma luminosidade exterior mais intensa,
identifiquei luzes sobre o que deveria ser o mar de Bering, no estreito que
separa a Ásia da América, ou a Rússia do Alasca. Um barco, quem sabe. Depois
disso, brancura novamente. Mais tempo passou e uma península surgiu no pacifico
norte. Já havia sol no visual. O gelo total foi sumindo e já dava pra ver
algumas montanhas. Quanto tempo de viagem? Sei lá. Tava bebum. Cansado.
Deveriam faltar umas 5 horas até nosso destino. Aviso aos navegantes: a classe
econômica deve ser evitada para viagens acima de 8, 9 horas. Puta aperto. Chega
uma hora que não há mais posição pra ficar! Meu vizinho Adney tomou algum
comprimido e apagou de vez. O vietnamita estava com semblante de corrimão de
puteiro.
(amanhã o voo bebum segue)