domingo, 15 de dezembro de 2013

treme japao - capítulo 7 - bebedeira na véspera da final

Japão  - 15 de dezembro de 2012  –  Sunshine City Prince Hotel – Tóquio  - Sábado

Sinceramente, ainda não tô autentico. Um certo gosto de cabo de guarda-chuva ainda habita minha cavidade oral. Olhos abertos. Hum! O roncador está em ação. No problem, pois já passa um pouco das nove e temos café da manhã. Banheiro. Sequencia ejetora de fluídos, gases e semi sólidos. Aguinha quente! Chuveiro. Escovação dental. Sabonete. Shampoo. Condicionador. Uhu! Tô novo. Lá vem Adney. O banheiro é dele. Simbora pro café da manhã. Hoje a galera que comprou pacotes turísticos terá mais um dia de visitas. Eu vou visitar uma fábrica de cerveja e conhecer o Japão dos japoneses e não dos turístas.
Café de pedreiro com macarrão, salsicha, peixes defumados, missoshiro, pães, sopa, tudo. Todo dia é assim! O que mais se vê no salão são camisas do timão. O Sunshine é mesmo nossa embaixada. Rango devorado, hora de voltar ao quarto pra pegar grana, agasalho e dar mais um barro. Adney torpedeia Afonso que está atrasado. Ele quer ganhar tempo nos encontrando no metrô Ikebukuro. Simbora. A escalação? Eu, Jorginho e Rochinha.
A cada vez que entro no formigueiro do metrô fico assustado. São quilometros de túneis, salas, passagens, catracas. Nada comparável ao que vi em Londres, Paris ou São Paulo. É uma cidade subterranea. Uma grande cidade. Me faz pensar que de fato seja, dado o passado bélico recente do país, uma espécie de bunker para onde a população pode correr numa emergencia, inclusive da natureza. Adney tornou-se o dr. Metrô. Sabe sempre para onde ir, sacando entradas e saídas deste labirinto tecnológico. A cada vez que me defronto com um destes painéis informativos povoados das malditas arvorezinhas sinto que estou num outro planeta, ainda que esteja apenas do outro lado dele.
É aqui? Não? É ali? Pra direita? Pra esquerda. Opa, olha o Afonso ali. E aí, man? Observando os tais painéis informativos percebo que eles indicam o pagamento da passagem em função da distancia. Ao que parece, há várias companhias operando em Toquio e não necessariamente o bilhete de uma serve para as outras. Ou seja, sem o Afonso aqui, fudeu!A melhor saída é pegar o tal trem circular, Yamanote Line, que passa pelas maiores estações locais. Um trecho custa 160 yenes. Dois trechos o dobro. E assim vai. Afonso nos indica como comprar na máquina. È só colocar as moedas, apertar os botões e pronto. Catracas. Andar com o Afonso é garantia de boas histórias e informações quase 100% seguras. Como ainda é de manhã e estamos todos sóbrios, a demencia verborrágica está sob controle. Enquanto nos posicionamos dentro do trem, Afonso conta detalhes desta tradição de manter as mãos masculinas sempre á vista dentro das composições. De fato, se uma destas japinhas resolver acusar um de nós, yankees, de assédio, nossa extradição pode ser imediata.
Algumas baldeações depois  temos que descer na estação de Ebisu e Afonso aciona seu GPS. Uma garoa fina vem nos espera na saída do metrô e deixa esta manhã de sábado bastante paulistana. Estamos à procura de um local onde funcionou a fábrica da cerveja Yebisu e que hoje está desativada, abrigando um grandioso complexo comercial e o museu da cerveja. Afonso nos guia através de alguns becos e neles dá pra ver alguns salões de beleza onde japinhas fazem as unhas das mãos. Com o frio que faz aqui, unhas dos pés recebem atenção zero o que, para um pedolatra como eu, é uma total decepção. Sobe, desce, pergunta, se perde, damos com um centro comercial chamado Yebisu Garden Place, composto por alguns arranha-céus e vários tipos de lojas.
A Yebisu é uma das cervejas mais antigas do Japão e era fabricada neste local desde 1890 pela Japan Beer Brewery Company. A produção da cerveja foi interrompida com o final da segunda guerra mundial, que só voltou a ser comercializada em 1971, após uma série de transações comerciais que resultou na venda da marca para a Sapporo. Basicamente são cervejas Lager (de baixa fermentação), uma mais clara e outra escura, ambas com 100% de malte de cevada. É considerada uma cerveja premium, ou seja, feita com ingredientes nobres e selecionados. E mais curioso ainda é que foi o nome da cerveja quem batizou o bairro. Olha o Museu da Yebisu aí, gente. E a coisa é mesmo classe A. Estatuas típicas japonesas e de figurões ligados á marca estão na porta. Latas gigantes adornam a entrada. Todo o espaço começa no plano da rua e as escadas dão acesso a um salão monumental na parte inferior onde se vê uma enorme caldeira cor de cobre desativada. Pra direita está o bar. Pra esquerda, ao lado da caldeira, uma espécie de restaurante para harmonizações. E totalmente á esquerda, o museu propriamente dito, com garrafas, cartazes e fotos que contam a história centenária deste monumento cervejeiro. Taí um templo que eu visitaria todos os dias. Fazemos uma farra fotográfica na porta e nos primeiros pavimentos do museu, inclusive com uma foto tendo ao fundo, atrás de nós, um tapete com o símbolo da cervejaria. Simbora descer, minha gente.
Começamos nosso passeio pela esquerda de quem entra. A primeira é uma sala de espera para quem quer fazer o tour. São 500 yenes  (+ ou - 13 reais) para ouvir explicações em japonês e inglês, eu imagino. Abdicamos do guia e caminhamos nos deliciando com gravuras, garrafas que se assemelham ao que conhecemos como garrafas de saquê, barrís, canecas, maquetes de bares. Não dura nem 10 dos 40 minutos que levaríamos com o guia. Ótimo. Vamos pro lado oposto passando direto pelo resturante de hamonizações e pela caldeira. A idéia é começar a bebedeira. Antes de chegarmos ao bar propriamente dito, esbarramos num espaço cheio de lembranças como copos, canecas, toalhinhas, chaveiros e todo tipo de presentes com o nome da cerveja. Certamente eu iria deixar alguns Yenes ali. Depois. Agora, não? Drink time, bro.
No bar local eles servem 5 tipos de chopp: Yebisu Lager premium (a loira clássica deles, 5% de teor alcoólico), Kohaku Yebisu (amber lager, mais avermelhada, com 5,5% de teor alcoólico), Yebisu The Black (lager escura com 5% de teor alcoolico e malte tostado), Yebisu Stout Creamy Top (é uma Schwarzbier, cerveja escura de origem alemã e apesar da citação Stout, que faria dela uma Ale, é uma lager com 5% de teor alcoólico e notas de café e chocolate amargo) e a Yebisu Half & Half (metade clara, metade escura). Aqui no Brasil se você mistura chopp claro com espuma escura chama-se chopp paulista. Se for chopp escuro com espuma clara, carioca. Cá no Japão o preço do copo grande gira em torno de 600 yenes e o menor de 400 yenes (entre 8 e 12 reais). Pra comprar é necessário trocar moedas numa máquina próxima.
Começou a farra da Yebisu, com muita cerveja saborosa sendo consumida, ainda que sem grandes nuances de aroma e sabor. Brindes e mais brindes se sucedem enquanto o papo volta naturalmente a ser nosso motivo de estar no Japão: o Corinthians.
Conto que na minha bagagem está uma camisa do meu pai que eu pretendo levar ao estádio no dia seguinte, para homenagea-lo. Me emociono lembrando do meu pai querido. Gente melancólica como eu chora com facilidade quando longe de casa. Muitas histórias familares vêem à tona nesta mesa de bar.
Afonso reitera não ter preferencias futebolisticas, mas lembra que seu pai, já falecido como o meu, era um corinthiano fanático e por isso ele vai ao jogo amanhã torcer em nome da paixão do pai dele. De certa maneira ele levaria o pai ao estádio, assim como o pai fazia com ele em sua infancia. Vozes embargadas e lágrimas se misturaram a mais uma virada antecedida por brindes. Mas a história mais intensa sai da boca do meu parceiro.
Quando Adney tinha seus 16 anos presenciou os momentos finais de seu pai numa UTI de hospital. O pai, corinthiano até a medula, sabia que naquela noite o Corinthians disputaria uma final de campeonato e insistia em ouvir o jogo, procedimento proibido naquele espaço do hospital reservado para enfermos em estado grave. Dias depois haveria um segundo jogo e durante a visita do filho, o pai novamente pediu que o deixassem ouvir no rádio o jogo do seu time de coração. Adney teria ido até o responsável pelo setor e argumentando sobre a gravidade do estado de seu pai e da iminencia de seu falecimento, pedindo que o pedido de seu velho fosse atendido. Naquela noite um radinho chegou às mãos do pai do Adney e ele pode ouvir seu time sagrar-se campeão pela última vez. Foi sua última noite de vida. O Timão amanheceu campeão e a família do Adney de luto. Foda!
Faltam palavras e sobram soluços, abraços e emoção. Histórias de amor e morte envolvendo o Timão, mano. Tudo isso vai pro estádio com a gente amanhã. Tudo isso é Corinthians.
Enxugando a água do rosto, fui até a lojinha e comprei algumas bugigangas e uma caneca da Yebisu, deixando 3120 yenes (82 reais) pros cofres do Museum of Yebisu Beer. Os outros fizeram o mesmo. Adney me presenteou com uma toalhinha azul muito legal. Thanks, bro! Deixamos o local sob uma garoa mais intensa. Lá foram os fumantes executar seu trabalho e Afonso se juntou a eles. Havia um velhinho fumando também. Estes smokers demonstram um prazer quase sexual a cada tragada. Passava de duas e meia da tarde e a fome tava apertando. Tínhamos 3 destinos: o tal templo, tb em Shibuya, a rua dos músicos e almoço. Como a rua dos músicos ficava fora de mão, resolvemos voltar pro metrô e nos dirigir pra área do templo, procurando algum “buraco” pra comer no caminho.
De volta ao metrô, nosso destino agora era o Meiji Jingu que é um templo Xintoista e existe desde 1920, no meio de um parque recheado de árvores e muito verde. Antes disso e já fora da Estação Harajuko onde descemos, o ronco dos nossos estômagos nos obrigou a mudar os planos e parar para o rango. Afonso olhou, analisou, refletiu e nos deu duas opções: um restaurante japonês meio caro ou uma boca de porco com comida chinesa barata. Fomos no mosca frita china. Ao entrar, não fosse pelo frio e pela quantidade de gente de olhos puxados, diria que estava num restaurante do centro velho de São Paulo. Um balcão em “U” com várias banquetas com gente comendo. Aos lados do “U”, mesas num tom amarelo-alaranjado-velho. Fomos até o fundo do estabelecimento, ao lado do pequeno banheiro e sentamos numa mesa de canto. Blusas, cachecóis e casacos pendurados na parede, lá estava a deliciosa água gelada de entrada. O cardápio, claro, era esperanto para nós. Afonso foi traduzindo a parada e meio que tirando os pedidos antes de chamar a garçonete. Dois foram numa espécie de arroz primavera com legumes. Adney foi nuns pastéis estranhos e eu e Afonso encaramos uma espécie de sopa de miojo com molho de tomate e muita pimenta, sem esquecer a sopinha salgada de entrada.
Afonso mandou seu “curi-curi-curi” ao que a garçonete assentiu “curi-curi-curi” e tava resolvido. O preço médio dos pratos era 900 yenes (24 reais).Uns foram de coca cola e eu de cerveja. Dei uma passeada pelo banheiro e identifiquei muito menos luxo que nos banheiros anteriores. Olha o Japão de verdade ai! Mas ainda assim, estava limpo e tinha água quente pro bumbum. Quando os pratos chegaram me apressei em pedir talheres no que fui repreendido pelo nosso guia.
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Porra, vc não sabe comer com Hashi? Está no Japão e vai ter que aprender.
Ok, Felipão. Em Roma com os romanos. Chegaram os malditos palitos.Tava tudo muito quente, o que serviu pra amenizar a umidade e o frio da rua. Afonso me deu aulas rápidas e não é que eu consegui manusear as ferramentas? Após a sopinha abrideira, mandei o macarrão pra dentro e a cada “hashizada” fui ganhando mais habilidade. A pimenta é que era de lascar. Gente, minhas hemorróidas vão me lembrar deste almoço trash chinês nos próximos dias. Mas tava bem bom. O papo engatou, a bebida seguiu dando o tom e quando nos demos conta passava de 5 da tarde. O templo, porra!
Pagamos a conta, incluindo a do Afonso, o que o deixou um tanto aborrecido.
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Velho, vc tá perdendo seu dia com a gente e vamos acabar pagando algumas contas pra vc. Pare de frescura e deixe rolar – argumentei.
Conta paga, Afonso convencido, simbora pro tal templo das 100 mil árvores. No caminho passamos por inúmeros corinthianos e por uma loja da Adidas recheada, enfeitada, decorada com bandeiras, cores e uniformes do Chelsea. Entramos ali e mandamos um “VaiCorinthians” mostrando nossos dedos do meio. Registramos nossa indignação com fotos na frente do poster do brasileiro Oscar. Não é do Timão, é inimigo. Todos torcem contra nós. Nós torcemos contra todos.
O frio, a umidade e o vento faziam minha garganta e nariz doerem. Eu estava quase mudo. O restinho de voz que saia mais parecia Lemmy do Motorhead rezando. O templo estava próximo. Disse Afonso que a primeira imagem seria uma espécie de túnel de arvores. Disse tb que era possivel comprar “papeizinhos” com a “sorte” no templo por algo em torno de 2 reais.
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O imperador Meiji escreveu cerca de 100 mil poemas Waka, com 31 sílabas, com ensinamentos que você, e somente você, deve ler – completou mestre Yoda.
Afonso nos contou que uma das atrações do templo mais interessantes para bebuns como nós era uma coleção de barrís de saquê. Rezei para que estivessem cheios, mas não tive coragem de perguntar. Fomos nos aproximando do portão para o qual a entrada aparentemente seria gratuita e fomos surpreendidos: o parque (e por extensão, o templo) estava fechando. Nos demoramos muito no almoço e perdemos a visita que Adney tanto queria. Em compensação, dado o horário, também não poderíamos ir á rua dos músicos. Não que ela fosse fechar, mas por conta dos planos noturnos de nosso guia.
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O ideal agora é tomar banho e cuida da assepsia escrotal (ele falou lavar o saco) – disse ele – para nos encontrarmos pelas 20h e irmos até um Izakaya em Shibuya.
Cumé, mano? Afonso esclareceu que Izakaya é o o que nós chamamos no Brasil de buteco “pé sujo” do Japão. E que Shibuya, além de ser um bairro, é o lugar onde fica o maior cruzamento do mundo. É o Times Square dos japoneses.
No fim das contas, Adney ficou sem templo e eu sem rua dos músicos. Não se pode ter tudo. Fomos juntos até determinado ponto no metrô e depois nos separamos de nosso mestre. No trajeto para o hotel encontrei uma loja com roupas roqueiro-macabras. Um conjunto de sobretudo e calça pretos lembrando uma espécie de Matrix obscura. Fiquei tentado a comprar. Mas como ser pobre é algo que nunca sai do nosso sangue, hesitei e declinei da aquisição. Quem sabe acho coisa do mesmo naipe em Nova Iorque (não achei!).
De volta ao hotel, banho tomado, saco lavado, simbora pra balada. Tabajara demonstrou interesse em nos acompanhar. Rochinha pulou fora. Além do Izakaya,  Afonso conseguira algumas cortesias para a festa de fim de ano da embaixada inglesa num outro pico. 1000 yenes de entrada com um drink incluído.
De volta ao Metrô, lá estava Afonso San. Novamente ele nos ajudou com as passagens. Mas desta vez algo saiu errado e tivemos que trocar nossos tickets junto ao funcionário local. Mesmo os mestres jedís cometem erros.
Chegamos á região de Shibuya. Há 3 saídas enormes da estação, todas abarrotadas de japas: Hachikô, Hachikô-mae Square e NHK. Bem, se Tóquio é um formigueiro humano, aquela praça é exatamente a região mais densamente povoada do lugar. Japas de todos os tipos e naipes, cabelos  e roupas, alturas e pesos. Passava pouco das 21h. O bairro é muito movimentado, com muitas lojas e intenso comércio, além da maior tela de cristal líquido do mundo. Shibuya Crossing é tb o cruzamento mais movimentado do planeta, com cerca de 3 mil pessoas atravessando a rua a cada abertura do semaforo. Ao todo passam por ali 3 milhões de pessoas/dia. Li na internet (e vi de longe) que há uma loja da Starbucks bem na frente do cruzamento que permite uma visão ótima do local. É tanta gente querendo fotografar dali que há fila e senha pra entrar no café. Eu tô fora! Ainda se vendesse cerveja, vá lá!
Afonso (sempre ele) nos conta que, quando há alguma comemoração de título esportivo, os torcedores vem pra cá e ficam tirando onda  ao atravessar a rua de um lado pro outro, sempre respeitando quando o sinal fecha, claro. Eles são japoneses, porra!
Mas o bairro tem mais histórias boas. O cinema tb reverenciou Shibuya com a gravação de cenas do filme “Encontros e Desencontros”, aquele do Bill Murray e da delícia Scarlett Johansson, o segundo filme dirigido por Sofia Coppola, de 2003. Este foi o primeiro filme que me despertou interesse em conhecer o Japão. E olha eu aqui, minha gente!
Andamos um pouco sob friagem intensa e paramos ao lado da estátua de um cachorro para aguardar mais amigos do Afonso. A história em torno deste cão, mais uma lenda local, deu origem ao monumento que está à nossa frente e ao filme “Sempre ao seu lado”, de 2009, com Richard Gere. Baseado em fatos reais, o enredo é sobre a lealdade de um Akita que diariamente acompanhava seu dono até a estação e o recepcionava na volta do trabalho. Eis que, numa daquelas tardes, o dono não regressou e por 10 anos o cão o aguardou sua volta pacientemente, dia após dia. Eu não vi o filme, mas parece uma história realmente tocante. Au, au,au! E tá um gelo danado! Não há minhocão ou segunda pele que segure este frio dos infernos. Os amigos do Afonso vão chegando. Primeiro um brasileiro que tb tá aqui por causa do timão. Ele é de Santos. Na sequencia chega um japa argentino chamado Andres com a namorada e uma amiga dela, ambas japas genuínas. Tá faltando mais um mexicano. A temperatura segue caindo e eu sugiro que nos movamos logo prum bar pra nos abrigar da glaciação em andamento e começar a beber. Ok. Estamos nos movimentando. No momento somos 8.
Se vc imagina ter visto luminosos e luzes em grandes cidades e nunca esteve em Shibuya, vc não sabe de nada. É coisa louca. Fico imaginando por que nosso Anhangabau não é iluminado e colorido assim. Um quarteirão. Frio. Dois. Por que não paramos aqui mesmo? Três quateirões. Vamos entrar em algum lugar, caralho. Opa, é aqui. Descemos uma escada. Uma portinha fechada. Entramos e damos com um local de pé direito relativamente baixo, bastante escuro, com luzes específicas sobre mesas compridas, pra 6, 8, 12 pessoas. Agora nosso grupo tem mais gente falando japonês. O maitrê nos informa que não tem lugar pra sentar, mas que vai vagar uma mesa em poucos minutos. Os fregueses devem ter pedido a conta e estão em processo de saída, eu suponho. Não! Afonso me explica que o sistema aqui é pagar 2500 yenes para beber o que quiser e comer duas porções cada. E a permanencia máxima é de 2 horas. Bateu o horário, vem a conta e vc é convidado a sair. Se manda, vagabundo! Caraio! Bebedeira com hora marcada. Tá certo. É muita gente com sede e não tem bar suficiente pra beber, imagino.
Saímos pra escada que da acesso à rua, expostos novamente à era do gelo japonesa de fim de ano. Mamutes, tigres de dente de sabre e preguiças estão na fila atrás da gente. Minha garganta dói e se eu parasse de falar, beber gelado e dormisse um pouco é provavel que a situação melhoria. Mas qual nada! Tô na “never ending ballad” desde que sai do Brasil. Estamos instalados nos degraus. Opa, o maitre tá nos chamando. A mesa liberou e simbora beber. Vamos sentando e a separação entre uma mesa e outra é feita com aquelas tipicas cortinas japonesas de rolo. Ficamos eu e Tabajara numa ponta. Adney e Jorginho pelo meio. Tem gente pra caraio no bar. Só japa. Quem acha que o povo japonês é contido e prima pelo silencio deveria vir a um bar destes sacar o falatório.Tem toalhinhas quentes pra gente aquecer as mãos. Aqui no japão as toalhas são quentes e a comida fria. Eh, eh, eh! Começo com cervejas. As porções são tiragostos. Não vou encarar estes tentáculos de polvo. Peço uma porção de pequenos peixes fritos, como manjubas. Tá muito bom. Tô comendo de hashi. Uhu! Andres tá aqui á minha frente, junto com a namorada. Gasto meu portunhol podre. Papo bom. Casal gentil. A cerveja corre numa velocidade inacreditável. Fala-se tudo quanto é idioma. Derrubei o guarda chuva da mesa ao lado. Levantei a cortina e mandei inglês vagabundo pra explicar o incidente. Os japas riram. Opa, chegou o mexicano Hector Moreno. Este é latino. Fez uns comentários sobre nós. É meio metido a malandrão. Tabajara solta a pérola da noite
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Qual es la nacionalid deste gajo?
Quase me cago de rir. Adoro esta torre de babel. Muitas, mas muitas cervejas depois, tá dando a hora de desocupar a mesa. Mas já? A cerveja era pilsen comum, mas tava tudo muito divertido. Pagando.  A galera fazendo contas e mais contas. Simbora. Pra onde agora, mestre Afonso? Tokyo Salon Lounge Bar (B1F Las Chicas 5-47-6 Jingumae), ali mesmo em Shibuya, onde rola uma British Bonenkai, que não é uma reunião de bonecas inglesas, mas uma festa de fim de ano da embaixada britanica.
Chuva fina nos espera cá fora. Tá todo mundo breaco e ninguém liga. Fotos e mais fotos. Um mexicano, um argentino, duas japas e cinco brasileiros caminham alegremente movidos a alcool nas esquinas geladas de Tóquio. De repente saímos da avenida principal e passamos a andar por um becos simpáticos. Casas aconchegantes, mas com aquele tamanho padrão da cidade. Não há perigo. Não há crimes aqui no Japão. Peço um minuto pra mijar numa moita no que sou seguido por mais alguns. A bexiga estava a ponto de explodir.  Até por ser de noite, por ser um lugar desconhecido e eu estar meio breaco, fica dificil sacar detalhes da paisagem. Opa, chegamos à boite. Afonso distribui convites que além de nos darem acesso ao local, liberam um drink. A boite fica na parte de baixo. Aqui em cima tá mais com cara de restaurante. Descemos degraus de madeira abaixo. Olha que tem uma galera aqui! Vários ingleses exibindo orgulhosamente sua bandeira. Um ou outro com camisa do Chelsea. Direto ao balcão. Opa, tem Brewdog, cerveja escocesa da melhor qualidade. Simbora beber uma Punk IPA, lúpulo frutado radical, 6% de teor alcóolico. Aqui em torno do balcão estão alguns bebuns. Meu lugar! Mais pra lá tem uma “lounge” com poltronas, mais luz e menos barulho. Através desta porta atrás de mim chegamos à pista de dança. Caraio, olha o Rochinha e o Dalmir ai. Não é que os caras conseguiram se achar na noite de Toquio. Uhu! Dalmir, com seu perfil careca, negrão e corinthiano é o centro das atenções e dos flashs na pista. Um DJ Japa tá tocando música eletronica. Pé no saco.Volto á área do bar e peço mais um drink. 1000 yenes cada. Uma japa meio balzaca se aproxima e pede pra tirar uma foto minha. Tamos todos uniformizados de Corinthians, claro. Ela é muito balzaca. Mais velha que o Monte Fuji. Rapidamente os brasileiros se juntam e começamos a mandar gritos de guerra do nosso time. Balburdia em ação. Só espero não ser expulso daqui hoje. Ou sim! Pelo menos não misturei destilados á catarata de cerveja ingerida. A japa que tirou a foto me pede pra lhe pagar um drink. Ok. Uma taça de vinho. Papinho estranho. Acho que tá me cantando. Me desvencilio dela e volto pra pista. Volto pro bar. Volto pra pista. Banheiro. Mais Brewdog. Agora uma BrewDog 5 a.m. Saint, uma american amber ale com 5% de  teor alcóolico. Substituição na pista: entrou um DJ inglês. O cara tá tocando Cure, Smiths, anos 80 na veia. A pista enche. Todo mundo bebum e dançando. Mais cerveja. To cansado. Vou pra Lounge. Conheço uma inglesa loira e gordinha. Começamos a conversar sobre futebol. Ela é torcedora do Chelsea. Sem violencias ou agressões gratuitas. Ela é prepotente. Diz que vão estraçalhar a gente. Chamo a galera e começamos a gritar timão, eh, oh na orelha dela. Estamos, pasmem, em maioria no bar. O DJ inglês saiu da pick up e veio beber algo. Ele é Manchester United e se une a nós gritando “fuck Chelsea”. Uhu! A balada tá miando. Fuck you, Chelsea! Pra onde agora, Afonso? Ah, tem um bar com música eletrônica aqui perto? Hum! Eu não curto, mas a esta altura, qualquer paixão me diverte. Bora!
Mais caminhada pelas ruas molhadas. O frio nem tá tão grande. Estou agasalhado com cerveja. Muita. Agora somos 11. Mais algumas voltas à pé e chegamos a uma espécie de praça de pedra. No cantinho tem um lugar pequeno, tb de pedra. É ali. The OATH.  Afonso  diz que adora frequentar  o lugar e pede pra gente não arrumar confusão. Seremos algum tipo de arruaceiros? Sim! Eh,eh,eh!
A gente chega chegando. Vou direto pro bar e pego mais uma cerveja. Qualquer uma. Não tem Brewdog. O povo quer dançar. Eu não gosto de dançar. Procuro uma mesa no fundo, perto do banheiro. Tô cansado. Tô zuado. Mas o povo tá dançando. Pra lá, pra cá. Quando é que esta festa sem fim vai acabar? Vou lá pra fora. Parte da galera tb. Uma foto na porta. Outra foto. Ameaço tirar as calças. É brincadeira, Afonso! Entramos de novo. Mais dança. Chega? Vamos embora? Ou vamos para mais uma saideira?
- S-a-i-d-e-i-r-a!
Mais caminhada. Sou um zumbi bebum nas ruas do país do sol nascente. Mas ainda tá de noite. Duas? Três da manhã? Quatro? Caraio. Já, já é hora de entrar no busão e ir pro jogo.  Só mais uma cervejinha, caraio! O bar chama-se The Griffon. No subsolo. Mais cerveja. Agora vou nas clássicas inglesas, Old Speckled Hen,  New Castle. Tô chegando num limite alcoolico perigoso. O bar é um pub clássico inglês. Mais escuro que aquele das cervas artesanais do primeiro dia de Japão. Tô falando pelos cotovelos. Eles não me entendem. E nem eu a eles. Alguns vão se mandando, pegando taxis. Opa, ganhei cartão de sócio do bar. Acho que vai ser dificil me tornar um frequentador assíduo. O bar é ótimo, mas é meio longe da minha casa.
No fim somos 4. Chega? Táxi! Só podem ir no máximo 3 por carro. É lei. Adney e Jorginho pegam um . Eu e Afonso vamos em outro. Afonso sentado na frente. Eu atrás. O carro parou no semáforo. Peço que Afonso faça perguntas ao motorista. Sobre a vida dele. Sobre como é ser táxista em Toquio. Meu pai foi taxista. O motora está meio reticente. Ele usa uma máscara sobre o rosto. Me olha de rabo de olho de maneira estranha. Tem um nariz avantajado sob a máscara. Coisa pouco comum, japonês narigudo. O cabelo tb é meio castanho, com a testa alongada. Um perfil quase europeu. Estranho, mesmo! Afonso apagou. E sem ele não há tradução simultanea pra seguir a entrevista. Paramos de novo. Parece que ouvi algo familiar. O motora falou Corinthians. Mas não foi com  “aquela” pronuncia japa. Meio vesgo pela bebedeira, olho pra ele que aguarda a abertura do semáforo sob a máscara branca.
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O que foi que vc disse? Mando em português
Ele responde. Porra, como é que o cara entendeu meu português? Que diabo é isso? As ruas estão desertas. Ele está de luvas. Tira uma delas e estão faltando o dedo mindinho e o seu vizinho. Dedos amputados. Isso é coisa da Yakuza. O cara é da máfia japonesa. Puta merda. Ele abre o sobretudo, vira pra mim e me mostra: está coalhado de dinamite no seu peito, no ombro. É uma porra de um homem bomba japa. Ele arranca a máscara. É a cara do Rogério Ceni.  Ele me olha com um sorriso assustador.
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Agora vc entendeu. Vamos explodir o hotel onde está hospedado o seu time. Não haverá amanhã nem pra vc e nem pros seus jogadores. O japão é do tricolor. Nunca vai ser de vcs – berra ele
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Mas, Rogério... o Corinthians tá em Yokohama, não em Toquio! – eu argumento
Ele não responde. O carro arranca e começa a atravessar cruzamentos a toda velocidade. Afonso está desmaiado no banco da frente. Eu to muito bêbado pra fazer alguma coisa. Tento alcançar a garganta do cara. Postes, viadutos, prédios, luminosos, tudo passando como num flash. Eu vejo a  fachada iluminada de um estabelecimento à nossa frente. Hotel Sheraton . Há pessoas na porta. Há corinthianos com bandeiras fazendo vigília. O time está mesmo ali. O carro avança. Rogério cover urra!  Ele vai explodir a mim, aos jogadores e a todos os sonhos corinthianos. Bum!
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Acorda, Paulão. Chegamos ao hotel – diz calma e embriagadamente Afonso.
Mais um. Mais um maldito pesadelo. Desta vez foi um sãopaulino da Yakuza. Quando isso vai parar? Me despeço de Afonso e caminho tropego até a portaria. Ele diz que nos encontrará no estádio, amanhã. Hoje. Daqui a pouco!
6 da manhã. Hoje é o dia mais importante da minha vida de torcedor. Eu deveria estar com todas as energias em cima, mas tô um caco. Sem voz, sem força e zuado. Vai ser um longo dia de ressaca, ansiedade e apreensão. Vai ser um dia pra não ser esquecido nunca mais.


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