Amanheço no sofá. Dex sai do quarto e me ignora. O bicho vai pegar. Ela me pergunta se não vou trocar de carro com ela, por causa do rodízio. Opa, ta falando comigo antes do que eu esperava. Ta certo que é por causa da troca de carros. Desço e lhe ofereço gentilmente o documento do meu veículo. Digo bom dia. Ela mal me olha, mas responde. Em algum momento do dia ela vai me dizer que eu não devia ficar mentindo pra ela, dizendo que eu tinha marcado a bebedeira com o Marião previamente. E o pior é que eu não tinha mesmo. Mas sabia que poderia acontecer. Mas eu pergunto: de um modo ou de outro, que mal há nisso?
Ok, ela se foi e eu vou tomar banho, pois tenho uma consulta com o procto-gastro. Ele me pediu exames pra checar meu colesterol. Preciso levar pra ele. Banho tomado, to na porta e lembro que deixei os exames no meu carro pra não perder. E que o carro ta com a Dex na Paulista. Fudeu, ligo pra ela mais como uma desculpa pra conversarmos. Não há o que fazer. Vou ter que remarcar a consulta. Desligo dizendo que a amo. Ela corresponde, meio rosnando. Consulta remarcada, simbora pra Internet, tendo sempre em mente que na geladeira está o sanduba de pernil. E na tv o canal pornô pruma bronhazinha básica.
Ia dar um bode, mas peguei Tropa de Elite no 61 e fiquei assistindo. O Wagner Moura ta du caraio neste papel do Capitão Nascimento. E vai ter uma continuação, sabiam? Quem se fudeu foi o cara que morreu e não vai poder ganhar mais uma grana.
Fui até a cozinha e mandei o sanduba do Estadão pra baixo. Volto pro filme. Assisto. Cochilo. Assisto. Cochilo. Acabou. Fui pra cama dar um bode de quarenta e cinco minutos, programando o despertador pra dez pras quatro. Porra, cadê vontade de ir pra Band? Eu num quero trabalhar, caralho. Só quero receber. Bode.
Deu a hora, sem banho. Já tomei. Porra, deixei o crachá no meu carro. Peguei uma caixa com quatro CDs do Raul e ele vai ser minha trilha sonora até o Morumbi. Raul é do caralho, nénão? Olha só esta "Trem das Onze", que puta balada legal. Raul gosta muito de falar de trens. O transito ta tranqüilo. Tenho o mesmo problema de ontem, pois hoje é o rodizio da Dex. Olha só esta canção em que ele diz "entro com a garrafa de bebida enrustida por que minha mulher não pode ver". Qual é esta? Ah, "Eu tb vou reclamar". Olha aí, o Raul tb era pau mandado. Não sou só eu. Segue o enterro. Esta. Esta canção me emociona: "S.O .S.": "ô seu moço, do disco voador, me leve com vc, aonde vc for, ô seu moço, mas não me deixe aqui, enquanto eu sei que tem tanta estrela por aí".
O Raul é foda. Me dá um aperto no coração ouvir este refrão. É um pedido, uma súplica de quem ta muito infeliz onde está e quer ir pra qualquer lugar, não importa onde, o cara simplesmente quer sair de onde está. Sabe uma angústia, uma infelicidade? Sabe quando dá vontade de cavar um buraco e desaparecer? Eu sinto isso ao ouvir esta canção. Olha está outra, "Tu és o mdc da minha vida". Olha este trecho:
"Não posso sentir
Cheiro de lasanha
Me lembro logo
Das casas da banha
Onde íamos nos divertir
Divertir!"
Casas da Banha. Os Mamonas falavam do Chopis Centis e das Casas Bahia. E o Lingua fala do Grupo Sérgio. Tá ligado que tem uma correspondencia? Os Mamonas certamente ouviram e foram influenciados pelo Raul. E o Língua tb. Mas, fodástica mesmo é "Metamorfose Ambulante". Esta, mais que a maravilhosa "Tente outra vez", é uma epopéia, é um tratado de humanidade, de sanidade, de equilibrio humano diante das inevitáveis transformações da vida. Raul, vai tomar no cu, que puta música, que puta letra, que filosofia sensacional. Simples e avassaladora.
Cheguei. Raul veio comigo e nem percebi o trajeto. Pensei que ia dar trabalho arrumar um crachá pra entrar, mas nem precisou. Assinei tipo uma lista de presença e a segurança me liberou. Entro e dou de cara com meu amigo e guitarrista Ricardo Corte Real que tá vestido pra gravar a "Escolinha...". E eu tô quase me cagando. Cumprimento Ricardo e seus colegas dizendo que tô atrasado. Corro pro banheiro, entro no box para cadeirantes. Rápido, senão me cago, caralho. Pronto. Peidos barulhentos como um trombone, cargas de profundidade, um cheiro de morte no ar mas meu rosto está sorrindo. Alivio!
Ao lavar as mãos ouço outro integrante da "Escolinha..." dizendo que a gravação vai ser cancelada porque o professor Sidney Magal ficou preso no aeroporto de Salvador.
Tô no Sex Privê. Marcelinho me conta detalhes de sua aventura pra nos ver no Palco Rock no meio de 40 mil pessoas. Diz que ficou concretado em pé, no meio de um monte de gente. Que se desmaiasse não conseguiria cair. Que mal podia mexer os pés pro lado. Diz que saiu briga ao lado dele e o cara que apanhava não conseguia fugir ou sequer se defender, porque não tinha espaço. Me mostrou até um vídeo gravado do celular, com a gente pequeninos lá no palco e a galera delirando e cantando "Tudo que a gente faz".
Pesquisei na internet e achei uma notícia que dá conta que o nosso show e o do CPM 22 foram os mais procurados no palco rock. Cool.
Tenho que escrever uma pauta do "Nefertiti", boite que gravaremos amanhã ás cinco e meia da tarde. Até agora ninguém mandou nada. Preciso escrever esta merda hoje, caralho.
Escrevi sem informações, mesmo. Dei uma olhada no site e mandei uma pauta meio genérica. Vou cagar. Porra, eu cago pra caralho. Eu sei o que tenho: Síndrome do Intestino Irritável. Sério! É por isso que cago tanto. E sabe o que mais irrita meu intestino? Alcóol. Aí fudeu. Parar de beber eu não vou.
Faltam sete minutos pras oito e já, já eu me mando. A matéria de amanhã deve ficar pra sexta. Hoje tem porcada e Sport na TV. Os verdes se gabam de estar na Libertadores. Sinceramente, uma vitória como a que eles tiveram sobre o Colo-Colo pode alavancar uma reação e até um título. Não se eu puder secar. Vamos ver hoje. O Sport é asa negra e o Parque Brahma não costuma dar sorte pra eles. Veremos.
Marcelinho me chama pra ver fotos da Deborah Secco chapada na balada. Peitinhos á mostra sob uma blusa transparente. Já ví a Déborah Secco de perto num camarote no carnaval da Bahia. Mignonzinha. Chapada. Eu tava com Dex e não ia ficar secando demais. Marcelinho me conta que uma vez ficou encoxando a Luana Piovani num camarote no Rio. Diz que encoxou a moça durante todo o desfile de uma escola de samba e só ao final ela deu sinais de não estar gostando. Se liga, moleque, que a Luana costuma sair na porrada.
Bem, fofocas á parte, vou pra casa. Bié, bié.
Voltei pra casa sendo chicoteado, atropelado, agredido, pisoteado, estuprado, violentado, espancado, anarquizado, possuído, fulminado pela obra deste cidadão chamado Raul Seixas. Que é que é isso? "É fim de mês", "As minas do Rei Salomão", "Água Viva", "Canto para minha morte", "A hora do trem passar"... Que coisa mais do caralho. A coragem do cara de analisar, de opinar, a forma, a discussão viajeira sem pudores. O papel no chão. O medo de ser algo que anotei e não consiga ler. Eu gosto de escrever. A morte que vai beijar o cara, mas em qual esquina? Medo de levantar pra mijar, medo de estar sendo vigiado. Medo da chuva. "Todo jornal que eu leio, me diz que a gente já era, que já não é mais primavera"... Vai tomar no cu. Vim chorando feito criança. Nostalgia, revolta, antropofagia, a poética com pé no nordeste, no cordel e conectada no mundo. Os discos voadores disputando espaço com os trens. Raul, vc é como a cidade de São Paulo: sempre em ebulição.
Ainda fiquei secando a porcada e um a zero é resultado que o "meu" Sport pode reverter no jogo de volta, em Recife. Tá em casa. Dex trouxe comida da casa da mãe: brachola e arroz. Feels like paradise. Me comeu o rabo pela balada de ontem, como estava previsto. Não exatamente pela balada, mas por ela achar que eu já tinha planejado tudo e que menti sobre a coisa toda. Eu realmente não tinha planejado. Mas queria muito tomar uma com os amigos e na Roosevelt. E além do mais (e aí eu fui um pouco cruel) ela vai passar 15 dias entre Grécia, Turquia e Egito e tá pegando no meu pé por uma noitada? Velho, discutir com a Dex requer preparo físico. Ela não desiste, tem argumento contra tudo, tem memória de elefante, não se dá por vencida. Uau! Que mulher. Ô nêga ajeitada. Adoro esta menina. Mas, sem dúvida, trata-se de um ser indomável.
Cama!